03/08/2011 - 21:00
Como as ações de uma empresa de pequeno porte, que acaba de sair de uma reestruturação, está resolvendo uma complicada dívida fiscal e enfrenta fortes concorrentes podem ser mais negociadas que as de gigantes como Petrobras, Gerdau e Bradesco? Uma empresa assim pode valer R$ 1,3 bilhão na bolsa? Olhando apenas esses números, parece haver algo errado. No entanto, centenas de pequenos investidores ignoraram esses sinais claros de manipulação e perderam, e muito, com as ações preferenciais e ordinárias da Mundial, fabricante de artigos de cutelaria, do Rio Grande do Sul. Na gíria indelicada do mercado, eles foram os patos da vez.
A história da manipulação das ações da Mundial é cheia de reviravoltas. Desde meados de abril, as ações começaram a subir com a divulgação da reestruturação da companhia. Além de anunciar que buscaria listar as ações no Nível 1 de governança corporativa da bolsa, seu presidente, o empresário gaúcho Michael Ceitlin, iniciou uma extensa peregrinação junto aos analistas, tentando colocar as ações da empresa no radar do mercado. Com isso, as ações, que custavam R$ 0,30, dobraram de preço e chegaram a R$ 0,60 em pouco menos de um mês. A alta continuaria firme até meados de junho, quando os papéis chegaram a R$ 1. Até aí, havia justificativa na valorização. No entanto, um mês depois, as cotações superaram a casa dos R$ 5, uma alta de 1.600% no ano.
Na segunda quinzena de julho, porém, a bolha desinflou. No dia 27, as ações fecharam a R$ 0,92, queda de 91% em relação ao pico e um sinal claro de um movimento especulativo, que agora está sendo investigado pela auditoria interna da BM&FBovespa e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As ações começaram a desabar com a divulgação de uma carta apócrifa, dirigida ao mercado, no dia 20 de julho. A carta acusava Rafael Ferri, um agente autônomo que atua no mercado de ações, do Rio Grande do Sul, de operar com base em informações privilegiadas. Várias corretoras foram citadas. Até março, Ferri estava ligado a uma corretora de São Paulo, por onde passaram 15% dos negócios recentes. Segundo a carta, pretensamente enviada à CVM, Ferri teria comprado muitas ações da fabricante de alicates e tesouras, em março do ano passado, muito antes da alta.
De acordo com a carta, como não conseguiu revendê-las, ele teria pedido a Ceitlin para divulgar informações que ajudassem a aumentar a demanda pelo papel. Ceitlin nega veementemente as acusações. “Isso foi uma pseudodenúncia, provocada por especuladores que queriam lucrar com a oscilação das cotações, e que causou danos à imagem da companhia e prejuízo aos acionistas”, diz ele. Procurada pela DINHEIRO, a instituição paulista afirma que todas as operações realizadas foram de clientes e que não tem carteira própria. Procurados, Ferri, a BM&FBovespa e a CVM não comentaram o caso. Quando o assunto é manipulação, há poucas certezas e nenhuma informação oficial. As ações teriam oscilado devido a intensas ordens de compra e venda disparadas por programas de computador, chamados robôs, que lançam um número elevado de ordens em curtos períodos de tempo.
Um sinal de que isso pode ter influenciado a alta dos papéis foi a decisão da bolsa de colocar os papéis em leilão todos os dias na segunda quinzena de julho, tornando mais difícil a atuação dos robôs no pregão. Quem adquiriu as ações no preço máximo de R$ 5 vai ter de esperar muito tempo para recuperar esse dinheiro – se é que isso vai ocorrer. Como evitar ser o pato da vez? Segundo os especialistas, há vários indicadores de mercado que mostram que uma ação pode estar sendo alvo de manipulação. Um deles é o aumento súbito no volume. O volume médio diário da Mundial no último ano era de R$ 15 milhões, mas subiu para R$ 180 milhões nas últimas semanas. Em alguns dias, o volume de transações com as ações da Mundial chegou a superar os do Bradesco e do Banco do Brasil. “Um aumento muito acelerado do volume, sem razão aparente, é um sinal claro de que há algo atípico”, diz Renata Cabral, analista da corretora Santander.
Outro indício é um aumento inexplicável das cotações dos papéis, levando a uma explosão no valor de mercado da empresa. Isso também ocorreu com a Mundial, que chegou a valer nada menos que R$ 1,3 bilhão na bolsa, mesmo tendo registrado um lucro líquido de apenas R$ 10 milhões em 2010 e prejuízo de R$ 6,3 milhões no primeiro trimestre de 2011. O caso da Mundial não é uma exceção no mercado brasileiro. Em geral, papéis de baixo valor e volume de negócios pequeno são passíveis de manipulação por investidores mal-intencionados. Não faltam exemplos recentes (veja quadro). “A CVM deve punir rapidamente movimentos especulativos como os da Mundial”, afirma Leivi Abouleac, da Vinci Gas, um dos maiores investidores pessoa física do Brasil. “Isso é fundamental para o mercado, pois pequenos investidores podem ter perdido uma fortuna com essas oscilações descabidas.”
Em outras palavras: todo cuidado é pouco no jogo pesado da especulação. Para Paulo Portinho, gerente-geral do Instituto Nacional de Investidores, do Rio de Janeiro, entidade dedicada à educação financeira, o investidor precisa evitar a ganância. Não existe almoço grátis. “Apostar numa empresa que tenha subido 500%, em seis meses, sem contrapartida real, como o crescimento de lucro, é um risco enorme”, afirma Portinho. “É certo que a alta seja sucedida por uma queda abrupta.” Embora a cautela seja sempre recomendável, não se deve exagerar no seu uso. O excesso de prudência, às vezes, pode levar o investidor a deixar de aproveitar uma alta que tem fundamentos. Para diferenciar especulação de valorização, Renata Cabral, do Santander, sugere alguns cuidados simples.
O primeiro é pesquisar se não há algum fato que justifique a valorização – por exemplo, uma empresa petrolífera ter anunciado diversas descobertas de novas jazidas de óleo. O segundo é comparar as cotações da empresa com as de outras do setor. “Se um setor inteiro está em baixa e uma companhia sobe demais, pode ser sinal de problemas”, diz ela. A maior parte dos investidores que embarcaram na canoa furada das ações da Mundial utiliza os sistemas de home broker. Muitos gostam de instrumentos de análise gráfica, que ignoram fundamentos das companhias e apontam pontos de compra e venda com base em dados técnicos de negociação no mercado.
Segundo Carlos Souza Barros, sócio da corretora Souza Barros, de São Paulo, o investidor deve usar os serviços de assessores de investimentos. “O mercado não é corrida de cavalos no Jóquei, onde se pergunta qual é a barbada do dia”, diz ele. E, em casos como o da Mundial, quando parece estar sendo fácil demais ganhar dinheiro, a recomendação para os pequenos é ficar fora da festa. Nessas horas, vale recorrer aos ensinamentos do megainvestidor americano Warren Buffett. “Quando você sentar-se à mesa de pôquer e não descobrir em meia hora quem é o pato, levante-se”, diz o Oráculo de Omaha. “Nesses casos, o pato é você.”