26/08/2011 - 6:00
DINHEIRO ? Apostar na popularização do tablet no País não é algo muito arriscado? Não há o risco de que seja um modismo, que pode cair em desuso em breve?
chaim ZAHER ? De forma alguma. O processo de aquisição do conhecimento sofreu um ciclo de evolução ao longo dos últimos anos. O professor passou cada vez mais a ter papel de mediador e menos de doador do conhecimento. Com isso, há uma clara evolução das gerações. Hoje, a forma de receber conteúdo é bastante diferente daquela que tínhamos no passado. O jovem é muito mais rápido, muito mais integrado às novas tecnologias. Ou seja, tem uma forma diferente de receber e processar o conhecimento, bem diferente das gerações que precisavam de livros impressos, carteiras e lousas para aprender. Isso mudou. As sinapses ocorrem de forma diferente na mente das novas gerações. Então, é impossível acreditar no fracasso do tablet.
DINHEIRO ? Várias tentativas de usar computadores em sala de aula criaram mais problemas do que soluções. Como explorar o potencial do ensino digital sem deixar o aluno se dispersar?
ZAHER ? A tecnologia serve para facilitar a vida do docente e do aluno. Deixar a relação mais fluida, mais tranquila, mais serena. Hoje estamos usando lousas eletrônicas. O conteúdo já aparece concomitantemente nos tablets. Ou seja, os alunos com tablets em mãos já conseguem acompanhar a aula. Além disso, já existem sistemas que impedem o eventual uso indevido do equipamento durante a aula.
DINHEIRO ? Esse é o fim do livro didático?
ZAHER ? O material impresso não acabará de repente, mas com certeza vai diminuir consideravelmente, a ponto de estar completamente ausente das salas de aula daqui a três anos. As escolas mais atualizadas não têm por que colocar nas costas do aluno aquele mochilão pesado. Os livros de literatura estão disponíveis em versões digitais e os materiais didáticos estão prontos para serem usados em computadores e tablets.
DINHEIRO ? Esse movimento é liderado pelos grupos privados ou é uma tendência também no ensino público?
ZAHER ? O próprio MEC está atento a esse movimento. Afinal, já não é preciso criar um espaço com 500 mil livros e chamar de biblioteca. O aluno acessa, lê o livro onde quer, como quiser. O tablet vem exatamente para isso. Ali a gente coloca toda a teoria, e pronto.
DINHEIRO ? O Brasil está avançado nesse campo da tecnologia nas salas de aula?
ZAHER ? Na América Latina, o Brasil, provavelmente, está liderando. O Chile, por exemplo, já tem um computador para cada aluno, mas não utiliza essa ferramenta plenamente. O método de ensino deles está mais defasado. Os chilenos estão apenas informatizados, mas não inseridos nessa revolução digital. Computador sem conteúdo se transforma em uma máquina de jogos para brincar.
DINHEIRO ? O governo pode liderar essa transformação ou depende mais das empresas privadas?
ZAHER ? O governo pode sim, desde que tenha boa vontade. Só a Ásia está à frente do Brasil em relação ao uso de tablets nas salas de aula. Os Estados Unidos estão muito defasados ainda, mesmo tendo a Apple e várias outras empresas interessadas em investir nessa alternativa. A Europa, meu Deus, é um exagero. Só tem aquela ?coisarada? velha nas salas de aula ? livros, estantes, carteiras, giz de cera.
Alunos em sala de aula, no interior do Maranhão
DINHEIRO ? Tablet também reduz custos?
ZAHER ? O foco não é na redução de custo, mas na facilidade do aprendizado e na possibilidade de atualizar o material didático sem a necessidade de reimpressão, como ocorre com os livros. Há livro didático utilizado nas escolas com o mesmo conteúdo elaborado há 30 anos. Muitos deles ainda explicam como Saddam Hussein chegou ao poder. Com a tecnologia, a gente consegue levar hoje para a sala de aula o que aconteceu ontem com um ministro ou com a bolsa de valores. Então, não é possível alguém dizer que livro é melhor do que tablet como instrumento de ensino.
DINHEIRO ? Antes de digitalizar o ensino, o Brasil não precisa melhorar o nível educacional, ainda muito baixo em relação aos outros países em desenvolvimento?
ZAHER ? Temos de separar a resposta em duas partes. Nos Estados Unidos, o aluno escolhe as disciplinas que quer receber durante o curso. Ele estuda a matéria que escolher. Com isso, se você colocar um brasileiro para fazer um teste de matemática com um americano, verá que somos melhores. Aqui temos matérias obrigatórias. Essa é a primeira parte. A segunda, é não comparar o Brasil com a Ásia. De forma geral, em termos tecnológicos, não podemos brigar com uma Coreia do Sul ou Japão, por exemplo. O governo coreano já decretou que, em três anos, não haverá livros nas salas de aula. Só tablets. Outros países vão seguir isso.
DINHEIRO ? Quando o Brasil vai decolar?
ZAHER ? Falta, principalmente, uma banda larga de qualidade. Isso pode comprometer o futuro da tecnologia nas salas de aula. Escolas públicas e privadas devem, obrigatoriamente, oferecer banda larga aos seus alunos. Não se trata de luxo, é essencial. Além disso, é fundamental ter consciência de que, ao melhorar a qualidade de ensino com os conteúdos digitais, o tablet vai resolver o problema da falta de qualificação no Brasil. Alunos preparados significam mão de obra qualificada.
DINHEIRO ? O governo pensa assim?
ZAHER ? O ministro da Educação, Fernando Haddad, é um grande entusiasta do uso de tecnologia nas salas de aula. Ele mesmo já falou que o sistema público de ensino passará a utilizar bibliotecas virtuais.
DINHEIRO ? Como fazer isso?
ZAHER ? Se o governo comprar tablets, em troca de incentivos fiscais, o ensino público do Brasil será um dos melhores do mundo. O governo já gasta demais com livros. É só trocar o livro pelos equipamentos eletrônicos. Além de reduzir as despesas, vai evitar um monte de problemas com a impressão desse material didático. Qualquer erro pode ser facilmente atualizado e corrigido em todos os tablets no Brasil. Basta fazer as contas para concluir que o País tem tudo para avançar sem grandes investimentos.
Aula digital em escola-modelo na Holanda
DINHEIRO ? Isso é projeto com data marcada ou apenas mais uma boa intenção?
ZAHER ? Isso é muito mais real do que apenas uma intenção. Como existe, no Brasil, um grande potencial para produzir tablets, e há também empresas nacionais e estrangeiras interessadas em fabricar aqui, o governo pode negociar com essas empresas e ter preços diferenciados. Se negociar bem, o governo pagará por um tablet menos do que para imprimir livros.
DINHEIRO ? Existem empresas privadas interessadas em patrocinar essa digitalização do ensino. Pode ajudar?
ZAHER ? Isso não adianta em nada porque cria ilhas de ensino, sem uniformidade. Para dar certo, a iniciativa deve partir do governo, levando a tecnologia a todas as partes do País e democratizando o acesso à educação.
DINHEIRO ? Como imaginar tablets em escolas do Maranhão e do Piauí, por exemplo, se não há sequer telefone, internet ou eletricidade? Em algumas regiões falta até sala de aula.
ZAHER ? Se não houver infraestrutura, não vai funcionar. A inclusão da tecnologia dentro do ensino público deve ocorrer em paralelo a uma profunda reforma da estrutura educacional.
DINHEIRO ? A tecnologia ajuda mais na aula presencial ou no ensino a distância?
ZAHER ? Existem muitas faculdades que estão utilizando tablets. Para as nossas aulas de ensino a distância, que chamamos de EAD, nossa meta é distribuir até cerca de 50 mil tablets até 2013. Em 2011, distribuímos 20 mil. Em quatro anos, nossos 100 mil alunos estarão com um tablet nas mãos.
DINHEIRO ? Qual será o investimento?
ZAHER ? No primeiro lote de 20 mil tablets investimos aproximadamente US$ 15 milhões. Compramos de uma empresa francesa, que produz na China. Para atingir 100 mil tablets, o investimento deve superar US$ 75 milhões. Agora, se no Brasil houver produção de componentes, podemos comprar ainda mais com o mesmo valor. Trazer da China é difícil. A importação é muito demorada e complexa.
DINHEIRO ? Se importar é difícil, por que não comprar no Brasil?
ZAHER ? É o que pretendemos fazer. Dizem que com essa Lei do Bem haverá cinco fabricantes de tablets. Mas se não houver, nós mesmos poderemos fabricá-los. No passado, fizemos isso com lousas. Por que não? Se, em última hipótese, a gente tiver dificuldade em importar ou comprar aqui mesmo, vamos produzir os nossos. Não tem mais volta.
DINHEIRO ? Não está demorando demais para o tablet decolar no Brasil?
ZAHER ? Está, porque ainda não há muitos tablets nas mãos dos consumidores. Daqui a dois anos, tenho absoluta certeza, tablet vai ser uma febre nacional, como foi o iPhone. O Brasil tem tudo para virar o jogo, em três anos. Lá por 2014, o País será mais moderno e digitalizado no ensino. Na hora em que as escolas privadas começarem a dar tablets aos alunos, e se isso ocorrer de forma efetiva nas escolas públicas, ninguém mais segura, meu amigo.