A cor púrpura tinge as paredes da taça. O aroma intenso mescla frutas escuras, especiarias, baunilha e toques florais. O gosto não fica muito longe dos melhores encorpados do mundo. Eis as características do Talento 2002, vinho da brasileira Salton. Trata-se de uma mescla entre uvas cabernet sauvignon, merlot e tannat. Produtora do famoso conhaque Presidente, uma das bebidas mais populares do País, a Salton aposta agora numa transformação de sua imagem com essa safra vitoriosa. Entre os enófilos, há uma certeza: é dos melhores vinhos jamais preparados no Brasil. E mais: pode dar aos produtores brasileiros, sem tradição no circuito mundial, status internacional. ?O Talento é especialíssimo?, diz Arthur Azevedo, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo. ?Será um marco.? Numa recente degustação às cegas realizada pelos especialistas da ABS,
o Talento recebeu nota 87,17 ? altíssima, atribuída apenas aos melhores rótulos da França, Itália, Chile e Argentina. Do total de
100 garrafas apreciadas, o Talento ficou com a 79ª posição. Pode parecer pouco, mas foi o único nacional a aparecer na lista. ?O Talento briga com os melhores vinhos da América do Sul e da Austrália?, diz Azevedo, da ABS.

 

A bebida deverá chegar às prateleiras no início de junho. Serão 30 mil garrafas anuais a R$ 60 a unidade. O sucesso antecipado entre os degustadores é fruto de um árduo trabalho e de investimentos pesados da Salton. ?Aplicamos R$ 20 milhões na construção de uma nova área de produção?, diz Ângelo Salton Neto, presidente da Salton. O espaço, em Tuiuty, no Rio Grande do Sul, próximo a Caxias do Sul, será inaugurado ainda este ano e terá 29 mil m2. ?Ele é considerado um dos mais desenvolvidos do mundo?, diz Daniela Gontow, que defendeu uma tese de mestrado sobre a Salton na Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (USP). Para construir o local, o enólogo da empresa, Lucindo Copat, viajou por mais de 30 países com tradição na produção de vinho garimpando equipamentos de ponta. ?Compramos 100 barricas de carvalho fabricadas e tostadas na França?, diz Ângelo. Com isso, o vinho ganha mais sabor repousado nos tonéis por um período de 12 meses. A outra ponta do trabalho no desenvolvimento do produto veio da contratação do enólogo argentino Angel Mendoza, responsável por 43 safras de qualidade, aprovadas mundialmente.

 

O objetivo é fazer com que a bebida receba cuidados especiais do vinhedo até a garrafa. ?O enólogo tem de ter barro no sapato?, diz Ângelo. E foi exatamente isso que Mendoza fez. Percorreu os vinhedos da empresa e arquitetou um amplo trabalho de produção e colheita. A plantação de 12 mil quilos de uvas foi reduzida pela metade para garantir mais qualidade. A separação dos cachos passou a ser manual. São minúcias que comprovam um interessante movimento do Sul do País, entre Caxias do Sul e Santana do Livramento, endereço de vinhos finos que começam a ser respeitados por quem se habituou apenas a freqüentar importadoras. É o início da maturidade do vinho brasileiro. Outras renomadas vinícolas como a Miolo e a Pizzato provam que também têm bebidas para disputar espaço no mercado internacional. A Miolo, por exemplo, produz o ?lote 43?. A Pizzato esbanja qualidade com o seu Merlot. Ainda é apenas um primeiro passo ? mas é indício de que o Brasil já pode sonhar em ter seus vinhos listados na disputada bíblia de Robert Parker, o homem com o olfato mais apurado no mundo, guia dos que apreciam a bebida de Baco.