21/04/2004 - 7:00
DINHEIRO ? Depois de um mais de um ano de governo Lula, cujo berço político foram as montadoras, há uma frustração do setor?
Rogelio Golfarb ? Não diria que há frustração. Não dá para imaginar que o presidente vá tratar de maneira diferente nosso setor. O Brasil tem demandas de todos os lados e não temos a pretensão de ser priorizados. Agora, ele conhece o setor profundamente e sabe como podemos ajudar naquilo que é mais prioritário no País, o crescimento.
DINHEIRO ? Que tipo de ajuda?
Golfarb ? O setor automobilístico pode ser um dos motores
da recuperação econômica. Se você tirar uma foto do setor automobilístico agora, ele está na prateleira, pronto para
começar a aumentar sua produção rapidamente.
DINHEIRO ? Por quê?
Golfarb ? Por diversos motivos. O automóvel é o segundo bem no ranking dos sonhos dos brasileiros. O primeiro é a casa própria. Então, havendo o mínimo de condições, o consumidor vai correndo às concessionárias. As empresas possuem juntas uma capacidade disponível de 43%. Não estou falando de capacidade ociosa, que considero diferente, pois requer ajustes antes de ser utilizada. As fábricas de automóveis no Brasil estão prontas para operar em ritmo mais acelerado a qualquer momento. São unidades modernas e com grande capacidade de flexibilização. Quando fechamos o acordo com o México, em pouco tempo, questão de meses, começamos a exportar milhares e milhares de veículos para lá, com modificações técnicas, inclusive. Por causa da altitude de lá, tivemos de alterar o motor.
DINHEIRO ? Outros setores também têm capacidade disponível. Por que o seu é mais adequado a ser o motor do crescimento?
Golfarb ? Puxamos uma imensa cadeia industrial. As montadoras
de automóveis respondem por 14% do PIB industrial do Brasil e
4,5% do PIB total. Então um crescimento nas vendas de automó-
veis tem impacto imediato no desempenho da economia. Temos outras vantagens.
DINHEIRO ? Quais?
Golfarb ? Como temos capacidade disponível, o crescimento na venda de automóveis não provocaria inflação, pois teríamos condições de atender a demanda e não haveria falta de produtos. Além disso, há concorrência de sobra, pois o Brasil possui fábricas de 17 marcas diferentes. No mundo, só os Estados Unidos, além do Brasil, tem tantas montadoras presentes em seu território. Isso segura os aumentos de preços.
DINHEIRO ? As montadoras aumentam seus preços mesmo quando o mercado está em baixa. Por que não fariam isso em um cenário
de aumento de vendas?
Golfarb ? Essa imagem não corresponde à realidade. Do início
de 2003 até hoje, os preços dos automóveis foram reajustados no mesmo nível da inflação, embora nossos custos, sobretudo o aço, tenham subido muito mais.
DINHEIRO ? O que impede que o setor cresça?
Golfarb ? Temos uma distância do consumidor provocada por dois fatores, a tributação excessiva e a dificuldade de acesso no crédito. Em tributação só perdemos da bebida e do cigarro.
DINHEIRO ? A solução então seria baixar
os impostos e os juros….
Golfarb ? Sabemos que não é tão simples assim. Não adianta reivindicarmos isso se o impacto nas contas públicas for negativo. Precisamos unir as montadoras, o governo
e o setor financeiro para buscar soluções para esses problemas.
DINHEIRO ? A redução de IPI seria uma alternativa?
Golfarb ? Durante alguns meses, de
agosto a fevereiro, tivemos a redução temporária do IPI e os resultados foram bons. As vendas cresceram e a arrecadação aumentou. Não estou falando que houve manutenção na arrecadação. Digo que ela cresceu.
DINHEIRO ? Então por que o governo resiste tanto a reduzir impostos dos automóveis?
Golfarb ? Uma coisa é reduzir o imposto por tempo determinado.
O consumidor sabe que isso acabará e trata de comprar o carro naquele período. Agora, não sabemos qual será a reação do consumidor em caso de redução permanente. Ninguém tem muita segurança de que a arrecadação se manterá.
DINHEIRO ? Qual é afinal a proposta da Anfavea para essa questão?
Golfarb ? Para ser sincero, uma de minhas primeiras missões na Anfavea será formatar uma proposta para ser levada ao gover-
no. A visão que eu tenho é que a capacidade da indústria automobilística de alavancar investimentos compensa a redução
de impostos. Não temos ainda uma proposta formulada. E se tivéssemos, não poderia comentá-la, pois o consumidor deixa
de comprar esperando a redução.
DINHEIRO ? E o que fazer para facilitar o acesso a crédito?
Golfarb ? Acho que deveria haver um mecanismo de crédito
específico para a compra de veículos.
DINHEIRO ? Poderia ser uma linha de crédito como aquela que o governo criou para incentivar as vendas de eletroeletrônicos no final do ano passado?
Golfarb ? Isso é uma possibilidade. Não temos a receita do bolo pronta. Não temos. Mas temos a convicção de que não há muita saída fora desses dois pontos: a tributação e o acesso ao crédito. Precisamos achar a forma de chegar a isso.
DINHEIRO ? Quais os riscos que o setor corre se o mercado não se recuperar?
Golfarb ? O principal risco é o da desatualização tecnológica. Essa vantagem competitiva pode se perder rapidamente. Nos últimos 10 anos, as montadoras investiram aqui no Brasil US$ 27 bilhões. Temos as fábricas mais modernas do mundo. Mas a modernidade e a produtividade devem ser regadas a cada dia, sob o risco da obsolescência. Pode haver também uma defasagem entre os modelos lançados lá fora e os comercializados aqui no Brasil, como ocorria na época do mercado fechado. Se isso acontecer, e com uma possível desatualização tecnológica, as fábricas brasileiras poderão perder o atual papel de núcleo de exportação mundial. Por isso insistimos que não há um pólo de produção de veículos sem um mercado interno forte. Todos os países querem esses investimentos. O Leste Europeu se integra à União Européia em breve e tem fábricas, mão-de-obra, gente disponível e vontade de atrair esse tipo de indústria.
DINHEIRO ? As matrizes já dão sinais de cansaço com a situação brasileira?
Golfarb ? Já começamos a sentir que os investimentos estão se reduzindo significativamente. Entra mais dinheiro aqui para o lançamento de novos produtos do que para a modernização das fábricas. As empresas investiram bilhões de dólares aqui e não
vêem o retorno desse desembolso. Imagine um executivo da
matriz olhando a equação desequilibrada do mercado brasileiro:
as exportações respondem por 16% da capacidade de produção
e o mercado interno, por 41%. A capacidade disponível bate em
43%. Ou seja, temos mais capacidade disponível do que a utilizada para o mercado interno. Isso é um problema sério, seriíssimo, do ponto de vista de equilíbrio financeiro.
DINHEIRO ? O sr. pretende levar
alguma proposta de acordo emergencial para o governo?
Golfarb ? Não temos qualquer conversação com o governo nesse sentido. A visão da Anfavea agora é buscar soluções estruturais, mais permanentes, para ocupar a capacidade disponível que temos. Esses acordos emergenciais criam bolhas de consumo que não resolvem a situação e não dão garantias para as matrizes fazerem investimentos importantes aqui no Brasil.
DINHEIRO ? Qual o limite para essa situação?
Golfarb ? Não podemos esperar dois, três anos para absorver essa capacidade disponível, pois aí ela passa a ser realmente ociosa, começa a perder a vantagem de qualidade e custo. Em relação ao retorno dos investimentos feitos aqui, o sinal vermelho já acendeu. A indústria vive de retorno. Por que houve uma concentração de investimentos em 1997 e 1998? Porque nos seis anos anteriores, as vendas cresceram continuamente. Saímos de um patamar de 700 mil unidades por ano para quase dois milhões de unidades. O que move a intenção de investimentos é o crescimento constante, não os soluços de vendas.
DINHEIRO ? As exportações não podem compensar a queda do mercado interno?
Golfarb ? De certa forma, sim. No ano passado, as vendas externas de nosso setor cresceram 40%. Em 2002, haviam crescido 15%. Para este ano, nossa previsão é de 20%. O que precisamos agora é acelerar os acordos com outros países e blocos econômicos.
DINHEIRO ? Quais estão mais próximos?
Golfarb ? Mercados menores como Índia e África estão mais próximos de um acordo e são muito importantes para nós. Nossos produtos têm boas chances de penetração nesses mercados. Há também a China. Aí pela distância e diferenças culturais, as dificuldades tendem a ser maiores. Mas não podemos ficar de fora. Estaremos presentes à viagem do presidente Lula à China e tentaremos acelerar os entendimentos. Os resultados são bons. No México, por exemplo, a alíquota era de 35% e foi baixada a praticamente zero depois do acordo. Hoje o país é importante em nossa pauta de exportações. Se temos intenção de crescer continuamente as exportações, no nível de 15% ao ano, aí precisamos desses acordos comerciais.
DINHEIRO ? No caso da Alca, houve uma desaceleração nas negociações com esse novo governo. É possível esperar evolução
em um prazo de tempo curto?
Golfarb ? O acordo com a Alca e a União Européia são acordos pesos pesados. No caso da União Européia, uma tradição de negociar em bloco. No caso da Alca, isso não acontece. Existe o bloco da Nafta (México, Canadá e EUA) , mas fora ele os demais países da região negociam separadamente. Até pelo tamanho da economia americana, não se pode cometer erros.
DINHEIRO ? Qual a proposta do setor?
Golfarb ? Acho que a indústria automobilística poderia ter um tratamento separado, um capítulo específico, que não esteja pulverizada dentro do acordo. Vejo dois caminhos. Um deles é negociar um acordo em separado e esperar o acordo amplo para
se fechar. Outro é fazer uma acordo direto da indústria automobilística, independentemente do da Alca. Acho que pela importância do setor, poderia haver um caminho separado para
ele, de forma a acelerar o processo.
DINHEIRO ? Por que a indústria automobilística deveria ser privilegiada?
Golfarb ? Já temos outros acordos na região, como o do México
e o da Comunidade Andina. Não podemos deixar que eles sejam prejudicados em função de um acordo mais amplo como o da Alca.
Se esperamos resolver a questão das compras governamentais,
da agricultura, entre outros, corremos o risco de perder as
conquistas que obtivemos.