23/07/2008 - 7:00
O CLIMA EM BORDEAUX, UMA DAS PRINcipais regiões produtoras de vinho da França, tem deixado os grandes negociadores da bebida de Baco em permanente estado de alerta. Nada a ver com a qualidade do terroir, a incidência de sol e o índice pluviométrico nos 120 mil hectares responsáveis por uma produção anual de 650 milhões de litros. O que tem preocupado a indústria é uma pendenga judicial que atingiu o ápice no início de julho ao redor da classificação dos vinhos de St-Émilion, uma pequena faixa de terra de onde brota, por exemplo, o famoso Cheval Blanc, cujas garrafas de grandes safras podem custar até US$ 20 mil. Desde 1955, os melhores vinhos do lugar recebem três tipos de denominação: premier grand cru classé A, premier grand cru classé B e apenas grand cru classé. São atestados de qualidade, concedidos a cada dez anos, em uma degustação às cegas promovida por corretores, negociadores, enólogos e professores. Eles também julgam outros critérios, como a qualidade do solo, a composição do vinho, as condições de engarrafamento e o preço. Acontece que o último julgamento, ocorrido em 2006, foi posto sob suspeita. Quatro vinícolas entraram com uma ação judicial argumentando que o júri não visitou todas as candidatas e foi parcial na decisão. Depois de uma grande discussão, a corte de Bordeaux cancelou as denominações concedidas a todas as 68 vinícolas, inclusive as dos lendários Cheval Blanc e Ausone ? os únicos premier grand cru classé A. O tempo, literalmente, fechou.
Deu-se uma guerra de acusações, ameaças veladas e ações nos bastidores para fazer com que os principais rótulos pudessem ostentar a classificação novamente. Pudera: os negociantes de Bordeaux estimam que a mudança na classificação pode ocasionar numa queda de 30% nos preços das garrafas e no valor de mercado das propriedades. ?É uma aberração o que aconteceu?, disse ao jornal inglês Telegraph, Nicolas Thienpont, o dono do Château Pavie-Macquin, que havia recebido a classificação premier grand cru classé B. ?Por causa de quatro imbecis que não concordaram com a classificação, cancelaram tudo.? Nem tudo. No dia 11 de julho, o Institut National de l?Orgine et la Qualité (Inao), órgão que regulamenta o setor na França, conseguiu que o governo francês decretasse uma emenda de emergência protegendo as vinícolas que já ostentavam as classificações desde 1996. Nesse bolo, entraram os châteux Cheval Blanc, Ausone e outros nove produtores.
O restante briga para entrar na lista e a discussão não tem data para acabar. ?Isso é fruto de burocracia e politicagem?, diz Arthur Azevedo, diretor-executivo da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo (ABS-SP). ?Não é a classificação que faz o vinho. O consumidor deve se ater ao produto?, explica. No caso de ícones como Cheval Blanc, tido por muitos como o melhor vinho do mundo, a classificação pouco importa. Para outros rótulos, contudo, é crucial. Ela funciona como bússola para o consumidor leigo, que busca um norte em meio a bebidas produzidas por mais de 12,5 mil vinicultores. Na prateleira, definitivamente, faz toda a diferença.