03/06/2009 - 7:00
Ele largou a carreira de jornalista para beber uísque, e não é só um copinho não. São, no mínimo, três scotchs diferentes por dia – o que, no fim de um ano, chega a quase mil garrafas degustadas. o que poderia ser uma história trágica de alcoolismo foi, na verdade, uma virada na história profissional do britânico Jim Murray, de 51 anos. Atualmente, esse beberrão confesso é a maior autoridade no universo do uísque. Murray é o autor do respeitado livro “Whisky Bible”, a Bíblia do Uísque, uma edição anual que traz a avaliação de mais de 3,8 mil rótulos da bebida produzida ao redor do mundo.
“Se eu engolisse tudo o que experimento, eu provavelmente viraria um alcoólatra, talvez até um alcoólatra morto”, confessa Murray. Qual é o segredo de seu trabalho? Para não errar na dose, ele afirma que apenas sente o gosto da bebida, analisa a cor, os aromas e não engole. Afinal, Murray prova uísques de todos os tipos, idades e ingredientes exatamente como saem da garrafa, ou seja, sem água e sem gelo. E, para a surpresa de quem desconhece esse mundo etílico, existem excelentes destilarias fora da Escócia. “Eu não diria que o uísque escocês é automaticamente o melhor”, aponta Murray. “Há uísques de má qualidade que vêm de lá.
Alguns não foram maturados o suficiente ou foram armazenados sem cuidado e acabam tendo um gosto de sujeira. Há muitos novos players no mercado”, dispara o inglês. Na lista de Murray, porém, o título de melhor uísque do mundo ficou com o Ardbeg Uigeadail, da destilaria Ardbeg, localizada na ilha de Islay, no sudeste da Escócia. Um outro escocês, uma edição limitada do Glenfarclas, foi eleito o melhor na categoria dos uísques acima de 40 anos e o Ballantine’s Finest recebeu o título de melhor blended na categoria dos uísques standard. O segundo melhor do mundo, entretanto, ficou com um exemplar vindo do Japão. Isso mesmo! Do Japão. Trata-se do Nikka Whisky Single Coffey 12 anos.
JIM MURRAY:
“Se eu engolisse tudo o que experimento, eu provavelmente viraria um alcoólatra, talvez até um alcoólatra morto”
Murray tem razão quando fala de novos players. As destilarias escocesas, que antes dominavam o cenário, agora competem com bebidas de qualidade vindas de regiões como a Ásia e a América do Norte. Essa mudança no cenário global aconteceu no início da década de 80, logo após a crise gerada pelo segundo choque do petróleo, quando várias destilarias escocesas fecharam as portas. Como dominavam o setor, deram de ombros quando outros países começaram a se aventurar no negócio do uísque e, de certa forma, perderam terreno.
A Escócia, que exportou US$ 4,7 bilhões em scotch no ano passado, ainda é para o uísque o que a França é para o vinho, mas, aos poucos, está deixando de ter destaque. Nesse cenário, as indicações de Murray são moedas de valor. Assim como as notas do americano Robert Parker têm o poder de influenciar os preços das safras de vinho, as seleções de Murray são convertidas em vendas para as destilarias. “Criamos um selo de uísque do ano para pôr em todas as garrafas do Ballantine’s Finest”, diz Deborah Craig, gerente da Ballantine’s no Brasil. “Murray é a maior autoridade no mundo do uísque. O seu livro tem grande importância”, diz César Adames, professor de tecnologia em bebidas da faculdade Anhembi Morumbi.
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JAPÃO TAMBÉM FAZ UÍSQUE: o Single Coffey Malt 12 Years, da destilaria Nikka, ficou em segundo lugar como uísque do ano | RARIDADE: a edição em comemoração aos 40 anos do escocês Glenfarclas 105 ficou com o título de melhor puro malte envelhecido mais de 40 anos | ACESSÍVEL: o Ballantines’s Finest, sob domínio do conglomerado de bebidas francês Pernod Ricard, foi eleito o melhor da categoria standard | NO TOPO: o escocês Ardbeg Uigeadail, da destilaria Ardbeg, na ilha de Islay, na Escócia, foi eleito o uísque do ano de 2009 |
“Meu livro significa muito para a indústria”
Dinheiro – Como a “Bíblia do Uísque” é escrita?
JIM MURRAY – Tenho uma equipe de trabalho que reúne amostras de uísques de todos os lugares do mundo. Temos que registrar as bebidas, estocar, testar, para depois escrever. Esta parte leva três meses de trabalho sem folga. No resto do ano, visito destilarias e junto material. Chego a experimentar mais de mil uísques por ano.
Dinheiro – Qual o segredo para experimentar tantos uísques?
MURRAY – O segredo é cuspir a bebida. Se eu engolisse tudo o que experimento, eu provavelmente viraria um alcoólatra, talvez até um alcoólatra morto.
DINHEIRO – Como é sua rotina de trabalho?
MURRAY – Nos meses em que estou organizando o livro, evito viajar, evito sair muito e evito até me relacionar, pois não posso ficar resfriado. Também tento caminhar para exercitar o meu nariz, espirro água quente no rosto para abrir os poros, tomo café para limpar as papilas gustativas, entre outras coisas.
DINHEIRO – Isso tudo é necessário?
MURRAY – Sim, pois escrevo um livro que significa muito para a indústria e para os apreciadores de uísque. Se meu nariz não está bom, não testo nada. Se as pessoas me perguntam os motivos de eu ter dado uma nota ruim ao uísque delas, eu posso olhá-las nos olhos e dizer que não acredito no produto. É o que garante minha liberdade para trabalhar.