27/11/2002 - 8:00
Como é ser o chefe do departamento de design da Bentley, a mítica montadora inglesa de carros de luxo? Desde que virou o queridinho do mundo automotivo com o seu Continental GT, apresentado no último Salão de Paris, o brasileiro Raul Pires não agüenta mais ouvir essa pergunta. A resposta vem sempre com uma pitada daquele humor britânico, de muita sutileza e pouca arrogância, que ele aprendeu nos três
em que está vivendo na terra da rainha: ?Meu trabalho é moleza. Tenho que desenhar carros que ofusquem o brilho das mais fantásticas Ferraris, só isso?. Podia ficar apenas na piada se Pires realmente não tivesse conseguido cumprir a missão. As linhas do Continental GT, que este paulistano de 33 anos criou para representar um marco na história da Bentley, receberam elogios até de Sergio Pininfarina, designer da Ferrari e maior autoridade mundial no assunto. Na mostra parisiense, o mestre rodeou o cupê, acariciou-o e, com ar apaixonado, mandou uma expressão italiana que não se aplica a qualquer carro: ?Che bella macchina!?
Não havia exagero nenhum. O Continental GT combina com perfeição os conceitos que fizeram da Bentley uma lenda no segmento luxo. Ele tem potência (o motor de 500 cavalos o empurra a 100 km/h em menos de cinco segundos), sofisticação (partes internas em madeira de lei), exclusividade (vai custar US$ 150 mil) e presença (as fotos ao lado ajudam a entender o que isso significa). Começará a ser produzido em Crew, a duas horas e meia de Londres, em janeiro. Trata-se do primeiro carro desenvolvido pela Bentley depois que ela foi incorporada pelo grupo Volkswagen, em 1998. E, apesar do preço, é o modelo mais barato da marca. Os alemães estão empolgadíssimos. Investiram US$ 500 milhões na ampliação da fábrica inglesa para montar três mil Continental GT ao ano. É um salto e tanto. Somando os quatro modelos da empresa, a produção nunca passou das duas mil unidades.
A façanha do garoto-prodígio brasileiro é ainda maior. Pires devolveu à Bentley suas raízes esportivas, perdidas durante os 70 anos em que a empresa pertenceu à Rolls-Royce. ?Daqui em diante, quem tiver dinheiro para comprar um Bentley vai comprar. Não precisa mais optar por uma Ferrari?, orgulha-se Pires, que é formado em desenho industrial. Depois de passar pela filial brasileira da Volks e pela Skoda, a marca tcheca do grupo, ele chegou a Crew em 1999 para integrar um time de quatro designers ingleses. O Continental GT lhe rendeu uma promoção (agora ele manda nos quatro) e uma dor de cabeça: como dar vida a novos Bentleys que deixem Porsches e Auston Martins no chinelo. Bom, para quem já fez bonito diante da Ferrari, isso deve ser moleza.