DINHEIRO ? Quais serão as repercussões para a economia mundial dessas turbulências que surgiram no mercado acionário chinês?
SÉRGIO WERLANG
? O que está acontecendo na China, em si, é um fenômeno muito localizado, decorrente de uma mudança regulatória lá dentro, no mercado de capitais. Se o crescimento deles for menor, estaremos falando de 8% em vez de 10%. Ainda assim, é uma expansão muito robusta. E isso deixará o preço das commodities, especialmente daquelas exportadas pelo Brasil, num patamar muito confortável. A crise, portanto, não nos afeta muito.

DINHEIRO ? Mas a China vem sendo o grande motor do crescimento global. O País não perderá exportações?
WERLANG
? Não muito. O Brasil não será muito afetado nem nesse caso chinês nem na hipótese de desaceleração da economia norte-americana. Quando a gente observa os preços das commodities que nós exportamos, eles estão praticamente no pico. E quando se analisa o índice CRB, do Chicago Research Board, ele aponta uma queda de menos de 1% desde o início da crise chinesa. Portanto, nem a China nem a freada nos Estados Unidos, que será pequena, devem nos trazer danos maiores. Na economia americana, estamos falando de um crescimento de 2% ou 2,5%, em vez de 3%. Isso não muda muita coisa.

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“A prudência do Meirelles só faria sentido se a crise tivesse impacto na inflação”

 

DINHEIRO ? O que está segurando esses preços? Estamos esgotando os recursos naturais e operando no limite de produção de minérios e alimentos?
WERLANG
? O que está acontecendo, simplesmente, é o fato de uma grande economia, a China, estar entrando no mercado. Nós já vimos isso no passado. Aconteceu no final da industrialização inglesa, em 1845, aconteceu no final da Guerra da Secessão norte-americana e também aconteceu no fim da Segunda Guerra Mundial. Quando esses fenômenos ocorrem, cria-se uma demanda adicional por recursos naturais. Esse efeito é muito importante no caso dos metais. Mas há também um outro efeito, que é conseqüência do aquecimento global.

DINHEIRO ? Qual é?
WERLANG
? É a transformação do etanol, derivado da cana ou do milho, num combustível alternativo ao petróleo. Ele absorve o carbono e gera um equilíbrio ambiental, mas também demanda terra, o que pressiona os preços dos alimentos. Como os Estados Unidos decidiram subsidiar a produção de milho, isso reduziu o plantio de outros grãos, jogando o preço para cima.

DINHEIRO ? Daí a revolta da tortilla no México.
WERLANG
? Isso mesmo. Temos dois fenômenos simultâneos pressionando os preços das commodities: a entrada da China no mercado mundial e a expansão da chamada agroenergia.

DINHEIRO ? Isso é uma mudança estrutural?
WERLANG
? Ela veio para ficar. Mas toda mudança desse tipo provoca alterações de preços relativos que podem durar muito tempo ou não. Eu mencionei três eventos do passado ? industrialização inglesa, fim da Guerra da Secessão e fim da Segunda Guerra ? em que os valores das commodities permaneceram altos por mais de 15 anos. Mais cedo ou mais tarde, a coisa volta a se acomodar.

DINHEIRO ? De que maneira?
WERLANG
? Aumenta-se a produtividade, aprende-se a economizar, surgem outras alternativas tecnológicas e assim por diante. O etanol, por exemplo, poderá dar lugar no futuro ao hidrogênio.

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“Os IPOs das construtoras vão valorizar os terrenos e os imóveis no País”

 

DINHEIRO ? Ok, a crise não afeta muito a economia real, mas o que ocorrerá nas bolsas de valores?
WERLANG
? É muito difícil dar uma opinião objetiva sobre bolsas de valores. Nestas semanas, a volatilidade foi muito grande no mercado acionário, mas foi bem menor do que no passado. Quando se olha para o índice Standard & Poors, do mercado norte-americano, nota-se que o pico de instabilidade foi muito menor do que os picos passados.

DINHEIRO ? Qual a razão disso? É o fato de os emergentes terem acumulado bilhões em reservas? A China tem US$ 1 trilhão. O Brasil tem US$ 100 bilhões.
WERLANG
? Isso tem implicações claras. No Brasil, por exemplo, o câmbio pouco se mexeu durante esses dias de crise. É um sinal de que a economia está menos vulnerável e mais sólida.

DINHEIRO ? O Henrique Meirelles, do Banco Central, usou a crise como pretexto para defender cautela no corte dos juros. Isso faz sentido?
WERLANG
? Eu não cheguei a ver a declaração do presidente do Banco Central sobre a ligação entre a crise chinesa e a prudência na queda dos juros. Mas acho que essa conexão só faz sentido se a crise externa tiver alguma repercussão na inflação ou na expectativa de inflação. Caso contrário, não há muita relevância.

DINHEIRO ? E há essa conexão?
WERLANG
? Eu não vejo. Mas se o Comitê de Política Monetária avaliar que ela existe, isso poderia sim influenciar a discussão sobre a queda dos juros.

DINHEIRO ? Se a crise externa reduz preços de commodities e não mexe no câmbio, ela não pode ser deflacionária?
WERLANG
? Existe essa possibilidade. Mas o mais provável é que ela não afete a inflação nem para cima nem para baixo. Vejo um quadro estável.

DINHEIRO ? A crise acabou?
WERLANG
? Eu não vejo razões fundamentais para que ela se propague. Para causar impactos aqui, a queda das bolsas teria de ter sido bem maior. E ela não foi tão significativa assim.

DINHEIRO ? Passando para o Brasil, o sr. acredita que o Pais será capaz de sustentar altos superávits comerciais apesar do câmbio desfavorável?
WERLANG
? O cenário que eu enxergo para a economia nacional é positivo e estável. O real continua valorizado em relação ao dólar, perto de R$ 2,10 e R$ 2,15, os juros seguem cadentes e a inflação fica sob controle, até bem abaixo da meta neste ano, por volta de 3,5%. Além disso, teremos um crescimento do PIB em 2007 por volta de 3,7%, bem em linha com a expectativa feita pelos técnicos do Banco Central.

DINHEIRO ? Não é pouco. No ano passado, ficamos em 2,9%, só acima do Haiti. O BC não é conservador demais?
WERLANG
? Há duas críticas possíveis. Uma delas diz respeito a eventuais excessos na política monetária, que estariam reduzindo crescimento, em meio ponto percentual ou coisa parecida. Outra é estrutural. É aquela que indaga: por que não crescemos 5% ou 6%? E isso é totalmente diferente. Mesmo que o juro hoje estivesse num nível mais razoável, por volta de 11%, não estaríamos crescendo a essas taxas que eu mencionei.

DINHEIRO ? Por que não?
WERLANG
? Porque a estrutura da economia brasileira apresenta um sem-número de ineficiências. Basta você imaginar que nós gastamos com previdência social quase a mesma coisa que gasta a Espanha. E a nossa população acima de 60 anos é metade da população deles nessa mesma faixa etária. É chocante, inconcebível. Nós não podemos mais viver dessa forma, a menos que queiramos continuar sustentando uma estrutura tributária tão elevada.

DINHEIRO ? Mas e os R$ 150 bilhões que o Brasil gasta por ano com os juros, no serviço da dívida?
WERLANG
? Essa crítica nem existe mais. A relação dívida/PIB está caindo, os juros também são cadentes e dívida é algo que tem que ser pago. Não existe dúvida em relação a isso. O ponto hoje é a sustentabilidade fiscal de longo prazo. E o problema da previdência é muito mais grave do que essa questão do nível dos juros.

DINHEIRO ? O sr. mencionou uma taxa de juros de 11%. Essa poderia ser a taxa hoje?
WERLANG
? Essa é a taxa que alcançaremos até o fim do ano. Se eu estivesse lá, teria baixado os juros mais rapidamente. Não teria baixado 0,25 nas duas últimas reuniões do Copom. Teria baixado 0,5 em cada uma delas. Mas, ainda que as coisas pudessem estar sendo mais rápidas, tudo caminha na direção correta.

DINHEIRO ? Mas a inflação, como o sr. mencionou, está abaixo da meta. Isso também não seria um erro?
WERLANG
? Errar por menos é errar. Isso é verdade. Mas assim como há anos em que ocorrem choques negativos, que obrigam o BC a mirar acima da meta, existem outros em que os choques são positivos, e permitem ao País fechar o ano abaixo da meta. Neste ano que passou, a valorização do câmbio surpreendeu a todos e foi um choque positivo em termos de inflação.

DINHEIRO ? Essa valorização do câmbio também obriga o BC a comprar muitas reservas. Isso é bom?
WERLANG
? Uma das razões pelas quais eu defendo um corte maior dos juros seria evitar um acúmulo excessivo de reservas internacionais, porque está entrando muito capital no Brasil.

DINHEIRO ? Boa parte desse capital entra nas bolsas, com a onda dos IPOs. Como o sr. avalia esse fenômeno?
WERLANG
? É uma transformação muito positiva na economia brasileira, que reduz muito o custo de financiamento das empresas e muda a própria cultura no mundo corporativo. Veja o que está acontecendo no mercado imobiliário, onde houve vários lançamentos de ações. O que isso vai provocar? Como as construtoras estão capitalizadas, haverá uma valorização dos terrenos e, em seguida, dos imóveis. E esse dinheiro vai irrigar toda a economia.

DINHEIRO ? Como diretor de crédito do Itaú, como o sr. avalia o ânimo dos empresários?
WERLANG
? É muito positivo. As empresas estão investindo e tirando os seus projetos da gaveta. A tendência de crescimento nos próximos anos é sólida e sustentável. Poderia ser melhor? É claro que sim. Mas, para isso, temos que encarar de frente reformas como a previdenciária, a trabalhista e muitas outras. A nossa lei trabalhista, convém não esquecer, é do tempo de Getúlio Vargas. Com estruturas tão arcaicas, o Brasil terá muita dificuldade de competir com países como Índia e China, em setores que são intensivos em mão-de-obra.