Não chegou a ser um tombo feio, mas foi um tropeço que abalou o milionário mundo das passarelas. No último dia 11, a filial nova-iorquina da agência de modelos Elite pediu concordata e, com isso, expôs algumas feridas então encobertas pela aura de charme e glamour que historicamente envolve o setor. O apelo ao Capítulo 11 do Código de Falências dos Estados Unidos, que protege as empresas da sanha dos credores, não representa o fechamento definitivo da empresa que lançou Gisele Bündchen, Cindy Crawford e Naomi Campbell. E também não se estende às outras 33 filiais do grupo, que tem 600 funcionários e fatura US$ 120 milhões ao ano. A situação, no entanto, é delicada. A companhia admitiu recentemente que deve US$ 7 milhões, mas seu ativos não passam de US$ 4,5 milhões. Com a concordata, a Elite NY tenta amansar os credores e afrouxar um cerco judicial no qual está metida há quatro anos. São apenas dois processos, mas os gastos para se defender nos tribunais, de US$ 200 mil mensais, corroem as finanças da empresa.

 

O primeiro processo é o mais bizarro. Envolve uma ex-funcionária chamada Victoria Gallegos, que trabalhou no escritório de Manhattan por seis semanas, foi demitida e resolveu que não sairia de mãos abanando. Ela reclamou na Justiça que era obrigada a respirar a fumaça dos cigarros de seus colegas e, por isso, saiu da agência com a saúde abalada. Sentença: Elite culpada e condenada a pagar uma indenização de inacreditáveis US$ 5,7 milhões ? depois reduzida a US$ 4,3 milhões. No segundo processo, a agência já gastou US$ 1,5 milhão nos últimos dois anos e divide o banco dos réus com outras grandes agências, incluindo Ford e Next. A acusação, que parte de quatro ex-modelos, é de formação de cartel. As moças alegam que todas as empresas do ramo cobram a mesma comissão, de 20%, para gerenciar a vida profissional de suas pupilas. A falta de concorrência entre as agências, dizem elas, atrapalha a carreira das modelos. ?Que absurdo! As agências vivem diminuindo suas comissões para roubar topmodels das rivais?, disse à DINHEIRO John Casablancas, fundador da Elite. ?Eu perdi a Gisele Bündchen para a IMG por isso. Eles reduziram a comissão em 3/4 e ela foi embora.?

 

Casablancas vendeu sua parte na Elite a um banqueiro suíço em 2000, mas é réu nos dois processos. ?Estou fazendo um acordo com os advogados da Victoria Gallegos?, conta. ?Não quero ter a Justiça nas minhas costas pelo resto da vida.? A Elite tentou outra saída. Para não pagar a indenização, achou melhor pedir concordata. ?Estamos fartos desses litígios. Agora podemos voltar a nos ocupar com nossos negócios?, disse Monique Pillard, diretora do grupo. A estratégia é cansar os advogados de Victoria até que eles aceitem um valor infinitamente menor que os US$ 4,3 milhões. ?Eles vão levar 10% disso e vão ficar satisfeitos?, prevê Casablancas. Um caso sob o Capítulo 11 pode não se encerrar jamais.

 

Pode ser. Mas o empresário sabe que se isso não acontecer pode ser o fim da Elite. ?Nenhuma agência do mundo tem US$ 4 milhões em caixa hoje em dia?, afirma. ?Elas faturam alto, é verdade, mas ficam só com 20% das receitas. O lucro líquido de uma grande agência não passa de US$ 1,5 milhão ao ano.? O fato é que a fórmula do negócio que o próprio Casablancas ajudou a forjar está esgotada. Para analistas britânicos, o mercado agora é das empresas menores, as chamadas ?agências butiques?. Por cuidar de apenas 15 ou 20 modelos, elas têm mais tempo e competência de transformar cada uma delas em estrela internacional. São meninas, digamos, com alto valor agregado. Justamente o contrário do que ocorre nas grandes agências, que têm um batalhão de duas mil modelos, mas quase todas com cachês de fome. Casablancas falou sobre isso ao se aposentar, quando escreveu uma carta aberta aos profissionais da área que começava assim: ?Parabéns por vocês matarem a galinha dos ovos de ouro…?

Na semana passada, apareceram as primeiras conseqüências da concordata. A filial brasileira da Elite conseguiu arrancar da concorrente Marilyn a novata Fabiane Nunes, a grande promessa do ano. ?Até o último momento antes de assinar o contrato o pessoal da Marilyn pressionou a menina?, conta um executivo da Elite. ?Diziam para ela: ?Você vai se arrepender, a Elite está falida?.? Falida não está, mas também não é mais aquela que proporcionou tanta fama a Linda Evangelista que um dia se sentiu no direito de esnobar os pobres mortais dizendo ?Eu não saio da cama por menos de US$ 10 mil?. Essa Elite não existe mais.