22/08/2014 - 20:00
No cargo de ministro do Turismo desde março deste ano, o engenheiro agrônomo alagoano Vinicius Nobre Lages, 56 anos, quer colocar o setor no mapa da economia brasileira. O modelo a ser seguido é o do agronegócio. Não se trata exatamente de estimular as visitas rurais – embora ele também veja potencial nesse mercado, como fazem vários países europeus –, mas de seguir o modelo vitorioso do setor que mais cresce e gera divisas para a economia brasileira. Com a experiência acumulada como gerente de turismo no Sebrae, Lages quer intensificar a colaboração entre governo e empresas do setor, para aumentar o número de visitantes estrangeiros. Hoje são apenas seis milhões ao ano, e a meta é chegar a dez milhões até 2019. “O governo não é bom de vender”, diz Lages. “Temos que internacionalizar a cadeia do turismo, e para isso precisamos ampliar as parcerias com o setor privado”, afirma nesta entrevista à DINHEIRO, em seu gabinete, em Brasília.
DINHEIRO – Qual foi o legado da Copa ao turismo e aos trabalhadores?
VINiCIUS LAGES – Fizemos o Pronatec Copa, focado em quem já trabalhava no setor, que ofereceu 177 mil vagas. Ter colocado essas pessoas em contato com mais de um milhão de turistas, que visitaram cerca de 400 cidades, gerou uma maior interação e um legado de formação profissional. Mas isso é insuficiente. Precisamos fazer mais. Ainda temos uma necessidade muito grande de melhorar a mão de obra. Em três meses, vamos lançar uma política nacional de qualificação, que vai atacar esse problema. O turismo oferece uma porta de entrada para o trabalhador no setor de serviços, que é a parte da economia que mais cresce. O próprio turismo está em transformação. A inclusão de 20 milhões de brasileiros no mercado de trabalho nos últimos anos criou um novo mercado para o turismo, já que são pessoas que passaram a ter direito a férias remuneradas.
DINHEIRO – Os estrangeiros reclamaram de dificuldades com a língua?
LAGES – Boa parte das pessoas que vieram para a Copa tinha aplicativos para celular, e com isso a barreira do idioma foi superada. Mas isso não dispensa a necessidade de nos tornarmos um país bilíngue ou trilíngue. Temos de, pelo menos, falar espanhol, já que a maioria dos turistas que nos visitam vem da América Latina.
DINHEIRO – Por que o Brasil ainda tem poucas cadeias de hotéis internacionais?
LAGES – Precisamos internacionalizar a cadeia do turismo e, para isso, precisamos ampliar as parcerias com o setor privado. Há empresas que já fizeram investimentos e precisam aumentar a ocupação para ter o retorno. Temos de olhar para os três elos: as grandes operadoras, que têm o canal de distribuição para vender o Brasil, as grandes cadeias de hotéis e as companhias aéreas. Se tivermos mais cadeias internacionais, eles vão fazer acordos com as companhias aéreas, a quem interessa ocupar os aviões, e serão nossos aliados para trazer mais turistas para cá. Se trouxermos um grupo hoteleiro como o Marriot, podem vir também mais franquias de fast-food, restaurantes, operadoras de viagens. Quanto mais internacionalizada for nossa cadeia de serviços, mais ela estará articulada com os países emissores de turistas. Já temos cinco operadoras de turismo com musculatura para vender o Brasil lá fora, por meio de alianças. E as de fora que viriam para cá também nos ajudariam a vender o País internamente. Essa internacionalização da cadeia do turismo é um dos temas que quero tocar aqui no Ministério.
DINHEIRO – De que forma o governo e o setor privado podem trabalhar juntos?
LAGES – O Ministério do Turismo precisa ser um parceiro do setor privado. Por exemplo, junto com a TAM Viagens e a Azul Viagens, podemos olhar os locais onde o turismo será desenvolvido. Não podemos ficar sozinhos na Esplanada imaginando que vamos desenvolver o turismo dali. Com a minha experiência de 15 anos no Sebrae, sei que não faz sentido trabalhar na produção de oferta turística, e sobretudo na venda, de maneira isolada. O governo não é bom de vender. Minha agenda pós-Copa é capitalizar essa melhoria dos serviços que tivemos, somada à brasilidade. Temos todas as condições para transformar nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas. Além disso, queremos reformular a Embratur, dar-lhe mais autonomia, para que possa fazer parcerias com o setor privado e ganhar mais agilidade.
DINHEIRO – Mas há uma parte que cabe ao governo, que é a facilitação do visto, dos procedimentos de imigração. Os estrangeiros reclamam que a entrada no Brasil ainda é muito complicada…
LAGES – Exatamente, isso é papel do governo. Durante a Copa, fizemos um programa para facilitar a emissão de vistos. O que precisamos, agora, é que isso se torne permanente, o que ainda depende das autoridades ligadas à fronteira. Outro legado dessa Copa é a melhora da comunicação entre os órgãos do governo. Quem vende algum produto para o Exterior tem de vender também o turismo, mostrar os lugares onde aquilo é feito. Estamos conversando sobre isso com a Confederação Nacional da Agricultura. Queremos que eles mostrem de onde vêm a nossa carne e o nosso café. Podemos criar circuitos mostrando produtos brasileiros, como o café, a cachaça, as frutas. O agronegócio é o nosso modelo. O turismo pode ser o novo agronegócio da economia brasileira.
DINHEIRO – O governo já está convencido disso?
LAGES – Estamos fazendo um trabalho de convencimento. As áreas de travel & tourism (viagem e turismo) são separadas dentro do governo. É preciso que elas conversem. O Brasil pode ser o maior destino rural do mundo. Podemos ter parques temáticos. Estamos sempre disputando também o uso das áreas. Agora estamos discutindo a questão dos portos. Se algumas áreas não forem declaradas de interesse para o turismo, vamos ter portos que estragarão o litoral. Conversei com a ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, e seria muito bom que algumas áreas fossem declaradas de relevante interesse turístico para que tenhamos participação no licenciamento. Podemos compatibilizar os usos e conservá-las.
DINHEIRO – Por que é mais barato viajar para o Caribe do que para o Nordeste?
LAGES – Um dos motivos é o combustível, que no Brasil tem muitos impostos. Há as taxas cobradas nos aeroportos. Um americano pode pagar passagem e hotel no Caribe com o preço do nosso visto. Tem uma questão ligada à expansão da aviação regional que nos interessa.
DINHEIRO – Os destinos turísticos estão no plano de aviação regional?
LAGES – Não vi o plano. Estou tentando entrar nesse processo justamente por isso.
DINHEIRO – No Peru, o incentivo à gastronomia local é uma política de Estado, e o resultado é que a culinária peruana se tornou conhecida no mundo inteiro. O Brasil não deveria ter uma política de Estado que reconhecesse a importância do turismo e de outros atributos?
LAGES – Acho que sim. Eu defendo isso. Estou escrevendo um documento com propostas para o novo governo. E temos de mexer no paradigma e enquadrar todas as áreas de governo. Alguns chefs, como Alex Atala e Helena Rizzo, fizeram isso por conta própria. Precisamos criar a nossa capacidade de projetar ainda mais o Brasil gastronômico, assim como outros países fizeram o enoturismo, a rota dos queijos. Nós temos as frutas, as bebidas. É curioso que somos o maior produtor de alimentos do mundo e não temos um parque temático sobre isso. Os países que nos colonizaram nos ensinaram a apreciar os produtos que eles criaram. Temos de criar uma linguagem, rituais. Quero fazer uma aliança com o audiovisual. Precisamos usar nossos filmes e nossa literatura para fazer merchandising. É necessário que o turismo entre na agenda. A presidenta, se ganhar a eleição, quer um novo paradigma.
DINHEIRO – O turismo já é visto como atividade econômica?
LAGES – Sim, pela presidenta Dilma Rousseff. Estamos começando a dialogar com as demais áreas. Não foi por acaso que o turismo entrou nas desonerações da folha de pagamento. Isso é fruto de um trabalho de convencimento. No Congresso, mais e mais parlamentares começaram a ver as coisas assim. Por isso, quando formos vender café, precisamos vender também o Cerrado de Minas. Quem vai tomar café precisa ficar com vontade de conhecer o Cerrado. O turismo representa hoje 3,7% do PIB.
DINHEIRO – O Brasil recebe apenas seis milhões de turistas estrangeiros por ano, de um total de 1,1 bilhão de viajantes pelo mundo. O que falta?
LAGES – Antes da Copa, faltava dar visibilidade ao Brasil. O que nos cabe agora é sustentar isso nesse imaginário de consumo. Vamos fazer campanhas agradecendo aos turistas que vieram, convidando-os a voltar. Vamos aproveitar a janela de oportunidade aberta com a Copa. Mostrar que, além de praia, montanha, floresta, temos o brasileiro. Este é o nosso diferencial. Em qualquer lugar tem aeroporto bacana, mas não é em qualquer lugar que tem brasileiro trabalhando. Nossas pesquisas mostram que 62% vieram ao Brasil pela primeira vez, e 96% dos jornalistas e 95% dos estrangeiros de um modo geral disseram que voltariam. A chance está dada. O produto saiu da prateleira, foi consumido. Cabe a nós mantermos este produto na prateleira, porque os outros países também estão aí, competindo. Temos uma meta de chegar a dez milhões de turistas em cinco anos.
DINHEIRO – Qual é o impacto da internet no turismo?
LAGES – Muito grande. Não sabemos exatamente qual é a proporção de pessoas que decidem pela internet, mas muita gente faz suas pesquisas pela internet. No futuro, muitas informações estarão disponíveis na tela dos smartphones. O mundo ficou menor. Tem muita informação. Mas muitos turistas ainda dependem de auxílio dos agentes. E a interação ainda é muito importante. Traz mais confiança.