19/11/2008 - 8:00
DE TEMPOS EM TEMPOS, DISCUTE-SE no Brasil a necessidade de políticas industriais para o desenvolvimento deste ou daquele setor. No sul de Minas Gerais, mais precisamente em Santa Rita do Sapucaí, há um exemplo de como isso pode ser feito. Desde meados da década de 80, surgiram ali 132 empresas do setor eletroeletrônico. Juntas devem faturar R$ 1 bilhão neste ano. A receita para a criação desse Vale do Silício brasileiro repete uma fórmula clássica em países desenvolvidos, mas raramente utilizada no Brasil: uma estrutura educacional sólida com doses de incentivos fiscais que dão condições de desenvolvimento para os empreendedores locais. A cidade possui três instituições de ensino com cursos técnicos. As empresas se beneficiam da redução de IPI e ICMS. Além disso, há um elemento cultural que serviu para aproximar os homens de negócio da região: a maçonaria. Embora tratem o assunto com muita discrição, muitos dos empreendedores são adeptos dos preceitos da maçonaria, que prega a construção de uma sociedade melhor e o trabalho em conjunto. Isso atenua até a concorrência entre elas. “Participamos de encontros mensais para trocar informações. É bem verdade que alguns dados estratégicos não são divulgados. Afinal, somos empresários”, conta Fernando Mota, da JFL Alarmes.
A previsão é de que as 132 empresas que atuam no Vale da Eletrônica
faturem R$ 1 bilhão até o final do ano
Esse espírito permite que as empresas locais estabeleçam um estreito intercâmbio entre elas. Mais de 70% delas terceirizam parte de sua produção para suas vizinhas. Cada produto ali fabricado envolve mão-de-obra e peças de, em média, 15 empresas do parque industrial. “Temos praticamente tudo que precisamos e, literalmente, ao alcance das mãos. O tempo de frete varia de 4 a 6 minutos”, disse José Carlos Ribeiro, diretor da Enterplak, especializada em montagem de placas e equipamentos eletrônicos, com um faturamento anual de R$ 10 milhões. Liderados pelo Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindvel), os empresários compartilham estandes em feiras e a participação em missões nacionais e internacionais. “A concorrência existe, mas, se nos preocuparmos com isso, perderemos os benefícios dessa união”, conta Roberto de Souza Pinto, presidente do sindicato. A união facilita também a captação de linhas de fomento oficiais. Só neste ano, o Sindvel obteve R$ 42,5 milhões por esse caminho. “Dificilmente uma empresa de pequeno porte teria acesso a esse dinheiro se não tivesse o respaldo do sindicato”, acrescenta.
Mas o salto mais ambicioso do Vale da Eletrônica, como é chamado, acontecerá em breve. O parque industrial se prepara para abrir cinco escritórios do Vale da Eletrônica no Exterior: no Chile, no Uruguai, no México, em Hong Kong e em San José, na Califórnia. O intuito é prospectar novos negócios e facilitar a compra de matéria-prima na Ásia. Mais: o grupo está de olho na fabricação de amostras de produtos desenvolvidos anualmente no Vale do Silício, nos EUA. Essas amostras, entre 800 e mil unidades, são utilizadas para testes preliminares. “A China não tem interesse em fabricá-las porque a quantidade é pequena. Mas para nós seria fantástico”, afirma Souza Pinto. Os incentivos fiscais que recebem do Estado contribuem para que os produtos do Vale do Silício mineiro se tornem mais competitivos, mesmo com a invasão de produtos chineses. Luiz Carlos Paduan, diretor da Condupar, fabricante de cabos, conta que os empresários recebem desconto do ICMS na importação de matéria-prima e na venda do produto acabado. Além disso, a prefeitura local pode doar terrenos ou pagar aluguel de galpões para quem quiser se instalar na cidade. Recentemente o município adquiriu uma área de um milhão de metros quadrados para a criação de um novo distrito industrial. O motivo de tanta “bondade”: boa parte do orçamento municipal de R$ 40 milhões vem dos impostos cobrados do pólo. “Em Santa Rita, não há desemprego”, diz Pedro Sérgio Monti, secretário municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação. Cerca de nove mil habitantes – de um total de 34 mil – trabalham no parque industrial.
As três instituições de ensino da cidade formam a maior parte dos funcionários e empresários do Vale. “Enquanto o resto do País sofre com a falta de mãode- obra especializada, nós somos contemplados com talentos saídos direto do forno”, conta Armando Lemes, diretor comercial da STB, fabricante de conversores e transmissores digitais – faturamento de R$ 18 milhões em 2008. Cerca de 90% das empresas do Vale da Eletrônica foram criadas por ex-alunos das escolas da região. Uma das grandes responsáveis por esse desempenho é a incubadora do Inatel, Instituto Nacional de Telecomunicações. Além da infra- estrutura da universidade, os microempresários têm à disposição um belo incentivo financeiro. “Os custos para abertura da empresa diminui em 65%”, conta Jaci Alvarenga, coordenador da incubadora. A Devise Tecnologia é a sua mais nova cria. Os sócios Juliano Andrade e Tiago Reis desenvolveram um sistema de automação residencial por controle remoto. Através da Inatel, receberam dois fomentos do governo no valor de R$ 100 mil. “Dificilmente teríamos aberto a empresa sem a ajuda da incubadora”, diz Andrade. Nasce ali mais uma integrante da bemsucedida fraternidade do Vale do Silício mineiro.