Falar com lideranças do varejo envolve uma mistura de sentimentos. Ainda que amem o setor, todos reclamam de seus desafios. Na lista de dificuldades, a “margem apertada” está em primeiro lugar, mas um novo concorrente vem forte para disputar a posição. É a alta taxa de juros. Essas duas condições ganham destaque justamente por influenciarem diretamente o consumo, seja pela composição dos preços de venda, seja pela dificuladade de acesso ao crédito. Sem fórmula mágica para driblar esse cenário, varejistas investem em caminhos que vão da digitalização até a aderência de serviços nas lojas. Para discutir as possibilidades, o setor se reuniu no 11° Fórum do Varejo, organizado pelo Lide — Grupo de Líderes Empresariais, na última semana. Nomes como Luiza Trajano, do Magazine Luiza, Julio Mottin Neto, do Grupo Panvel, e Marcio Waldman, da Petlove, compartilharam o que têm feito e debateram as questões que fazem o setor perder o sono.

Uma das grandes transformações pela qual o varejo passou nos últimos anos foi o fortalecimento do e-commerce, cuja participação saltou de 4,8%, em 2018, para 13,3% em 2022, de acordo com a Boa Vista. A força das vendas on-line permitiu diversificar públicos e abriu espaço para novos competidores em um mercado já bem movimentado. Aqui, o destaque vai para a chegada de grupos estrangeiros. Com a estratégia de preços competitivos e marketing agressivo, novos players prosperaram e ocuparam espaço das redes brasileiras tradicionais.

Claudio Gatti

“Um País como o nosso vive de duas coisas: renda e crédito. Com um juro que não baixou, não vai ter crédito para ninguém” Luiza Trajano presidente do conselho de administração do Magazine Luiza.

A premissa do varejo nacional é que o modelo de atuação de alguns marketplaces estrangeiros gera concorrência desleal, principalmente na tributação dos produtos. Há quem os acuse de práticas recorrentes de sonegação. Uma pesquisa do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) realizada pela McKinsey em 2020, aponta que o varejo eletrônico é responsável por 24% da evasão fiscal do setor; desses, 70% são provenientes de sites estrangeiros. De acordo com o presidente do IDV, Jorge Gonçalves, “a população acha que está sendo beneficiada quando recebe um produto que custa 10% do original. Aquilo não pode ser bom”, afirmou. “Para o bem do País, para o bem do varejo, precisamos mudar isso.”

Além da briga com a concorrência, há a luta para reduzir a taxa Selic, hoje em 13,75%. Para o varejo, ela dificulta o acesso ao crédito e, consequentemente, enfraquece o consumo a prazo. Segundo Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, “um País como nosso vive de duas coisas: renda e crédito. Com um juro que não baixou, não vai ter crédito para ninguém”, disse. Nessa lógica, a diminuição do consumo gera uma redução do nível de emprego e, consequentemente, da renda. “Temos que, juntos, defender isso”, afirmou, referindo-se à necessidade de redução da Selic.

SEGURADOS Com o fortalecimento das redes on-line, as empresas precisaram ser criativas e encontrar o que fazer com seus pontos físicos. A resposta foi criar espaços de experiência e incluir serviços nas opções ao cliente, ou seja, a loja apenas como ponto de venda de produtos ficou para trás. A Petlove, depois de se fortalecer no e-commerce, passou a abrir lojas físicas. De acordo com Marcio Waldman, fundador da empresa, três fatores motivaram a decisão. “A gente precisava ter um contato maior com o cliente, voltar a ter visibilidade nas ruas e expandir a prestação de serviços”, disse. Com essa formatação, o grupo pretende chegar a R$ 1,5 bilhão de faturamento em 2023. No portfólio de serviços, destaque para o plano de saúde pet, que possui 135 mil segurados.

As farmácias também se destacam na oferta de serviços. O Grupo Panvel, que pretende faturar R$ 5 bilhões em 2023, passou a oferecer aplicação de vacinas, testes, exames e estuda métodos para oferecer consultas. Para o CEO da empresa, Julio Mottin Neto, “o serviço é um caminho fundamental para o varejo e não é tão passível de digitalização”.

No cenário de transformação, novos canais de venda digital, como redes sociais e aplicativos de mensagens também se tornam fatores importantes para a diferenciação da concorrência e manutenção da preferência. Nessa montanha russa de desafios, o varejo busca formas para se manter saudável.