DINHEIRO ? Nos últimos quatro anos, o sr. foi um dos principais críticos da política econômica. O sr. pretende agora mudar o discurso?
JOSÉ ALENCAR ?
Eu nunca fui contra a política econômica no que diz respeito à austeridade fiscal. Eu sempre fui contra ? e continuo contra ? o regime de juros. Quando nós chegamos, em 2003, a taxa Selic do Banco Central era de 25%. Hoje, ela é de 13,75%. Recuou exatamente 45%, mas ainda é um maná. Na minha opinião, a taxa de juros brasileira poderia ser, no máximo, a metade dessa. E mesmo assim ela ainda seria uma das maiores do planeta.

DINHEIRO ? O sr. acha que isso mudará num eventual segundo mandato do presidente Lula?
ALENCAR ?
O Lula sempre se utiliza de metáforas futebolísticas. E ele sempre me dizia o seguinte: ?Olha, Alencar, para você chutar no gol, tem que antes limpar a jogada.? E ele tinha razão. Nós limpamos a jogada. A inflação foi dominada e está num patamar muito semelhante ao dos grandes países do mundo. A dívida pública, que recebemos em 57% do PIB, hoje é 50%. A parcela indexada ao dólar acabou. E o governo passado ainda nos entregou uma carga tributária de 37% do PIB ? que antes era de 25% do PIB.

DINHEIRO ? Mas com vocês ela subiu.
ALENCAR ?
Não, conosco ela não subiu. O que cresceu foi o lucro das empresas e o imposto de renda das pessoas jurídicas. E deve-se lembrar que as coisas não estavam fáceis quando nós chegamos. O governo anterior privatizou US$ 100 bilhões em ativos, elevou impostos, aumentou a dívida e nos entregou uma inflação que recrudescia perigosamente. Eu digo, com convicção, que as pessoas têm que aplaudir o governo Lula. Até porque, paralelamente ao ajuste na economia, houve a maior transferência de renda da história do País. Não só em função dos programas sociais, mas também porque a inflação foi contida. No tempo do Juscelino Kubitschek, a gente dizia que o salário mínimo comprava 120 quilos de arroz. Hoje, ele compra 350 quilos. E isso é só um exemplo. No governo passado, o saco de cimento custava R$ 22 . Hoje, custa R$ 10 reais. A vida das pessoas melhorou. Essa é a verdade.

DINHEIRO ? Isso explica as pesquisas?
ALENCAR ?
Explica. Mas existem outras coisas. Todo mundo sabe que o Lula fez um sucesso tremendo na política externa. O Brasil hoje é muito respeitado. Nos comícios do PT em 1989, 1994, 1998 e 2002, havia um refrão que sempre se ouvia. Era ?Fora FMI?. E o curioso é que o FMI saiu mesmo do País sem nenhuma quebra de contrato. Hoje, as pessoas lá fora querem saber como o Lula conseguiu isso. Sem falar no crescimento do comércio exterior com o mundo inteiro, que é espetacular. Dispararam as exportações para os países ricos e para os mercados emergentes.

 

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“No nosso governo, o preço do cimento caiu mais de 0%. O fato é que a vida do pobre melhorou”.

 

 

DINHEIRO ? Mas, voltando aos juros, o sr. diria que, depois de ?limpar a jogada?, virão os gols?
ALENCAR ?
O que o Lula chama de marcar gols é o crescimento. E agora acho que já existem as condições para baixar juros sem risco de recrudescimento da inflação.

DINHEIRO ? Mas o Henrique Meirelles, do Banco Central, pensa da mesma forma?
ALENCAR ?
Eu tenho o maior respeito pelo Meirelles e pelo Comitê de Política Monetária. Aliás, eu nunca critiquei uma decisão do Copom, que é um órgão técnico. Só defendo a ampliação do Conselho Monetário Nacional, que hoje tem apenas três membros: o presidente do BC e os ministros da Fazenda e do Planejamento.

DINHEIRO ? Mas os juros caem ou não?
ALENCAR ?
Existem as condições.

DINHEIRO ? Nos últimos dois anos, o Brasil só cresceu mais do que o Haiti.
ALENCAR ? As pessoas que dizem isso nem conhecem o Haiti. O Brasil tem dimensão continental e dispõe de riquezas naturais que talvez nenhum outro país possua. Além disso, tem um trabalhador flexível e versátil, o que advém da miscigenação da nossa raça.

DINHEIRO ? Por isso mesmo, não deveria crescer mais?
ALENCAR ?
Ele pode crescer. Mas quando nós chegamos a situação era delicadíssima. O risco era que a inflação comesse o poder de compra do trabalhador. No passado, o Brasil já cresceu muito com alta de preços. Agora, vai crescer sem inflação. Junto com a queda dos juros, que virá, é preciso que ocorram investimentos em infra-estrutura, em especial em energia e transportes. É aquela mesma história. A jogada está limpa. Já dá para chutar para o gol.

DINHEIRO ? Os recursos virão da queda dos juros? Os jornais de hoje apontam que o Brasil gastou R$ 1,2 trilhão com o serviço da dívida nos últimos seis anos.
ALENCAR ?
No governo passado, tivemos juros de 45%. Quando chegamos, era 25%. A economia cresce abaixo do seu potencial por uma razão simples como água. Enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar com vantagem os custos de capital, é claro que não haverá investimentos compatíveis com o crescimento. Isso é elementar. E por isso é tão necessário que os juros brasileiros sejam semelhantes aos do resto do mundo.

DINHEIRO – Mas o sr. não se impacienta com a lentidão desse processo de redução de juros no Brasil?
ALENCAR ?
O presidente Lula tem um cuidado extremo e eu entendo. Não podemos fazer a queda dos juros como se fosse uma aventura. Quando ele me convidou novamente para ser vice, eu perguntei: ?E as minhas diatribes contra os juros?? Ele disse que nunca foi contra o que eu digo. Mas sabe que demora um pouco mais para chegar lá.

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“No tempo do JK, diziam que, se eleito, ele não poderia governar. Isso não pode se repetir”.

 

 

DINHEIRO ? Seus colegas empresários não estão frustrados com essa demora?
ALENCAR ?
Eu sou empresário e também sou 100% Lula. Tem muito industrial que pensa como eu.

DINHEIRO ? A oposição apontou um investimento da Coteminas na China como uma prova de que o sr. não estaria tão confiante em relação ao Brasil.
ALENCAR ?
Eu fiquei muito chateado com isso. Uma revista publicou o retrato do meu filho [Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas], dizendo que ele havia chegado de Pequim e que faria uma fábrica lá. E o Geraldo Alckmin usou isso num debate. Só que ele se esqueceu de dizer que nós estamos fazendo aqui quatro megafábricas no Brasil. São projetos gigantescos. E eu, como estou afastado da empresa, liguei hoje mesmo para o Josué para levantar todos os dados. Na grande Natal, tem uma fábrica para 150 milhões de metros quadrados/ano de pano. Em Macaíba, também no Rio Grande do Norte, teremos a confecção de lençóis para esses tecidos. Tudo com qualidade e preço popular, de arrebentar. Em Campina Grande, na Paraíba, estão sendo instalados 444 teares a jato de ar. Em João Pessoa, são mais 100 teares. E também estamos expandindo nossas atividades na fábrica de Blumenau, em Santa Catarina, e na Argentina.

DINHEIRO ? E a China?
ALENCAR ?
Nós temos uma joint-venture, nos Estados Unidos, com a Springs. E eles têm um escritório de compra na China, com mais de 100 pessoas. Mas nós estamos trazendo as fábricas da Springs dos Estados Unidos para o Brasil. E isso porque confiamos no nosso futuro. Essas fábricas poderiam estar indo para a China ou para países como o Egito, que também são competitivos. Mas se o Josué voltar à China e encontrar uma boa oportunidade por lá, por que não? Não há nada de mal nisso. O Alckmin poderia ter me ligado. Porque assim ele estaria me respeitando. Afinal, nós temos meio século de atividade empresarial séria no Brasil. Isso não é brincadeira.

DINHEIRO ? O Alckmin tem batido muito na questão ética. O governo atual não pecou muito nessa área?
ALENCAR ?
Ao contrário do que dizem, o Lula é um bom exemplo. Nunca se investigou tanto a corrupção como agora. E nunca houve tanta liberdade de ação como agora. O que nós temos que fazer é aplaudir essas ações.

DINHEIRO ? Mas e as confissões de caixa 2?
ALENCAR ?
Cabe ao presidente da República afastar as pessoas envolvidas e entregar as investigações a quem de direito. E isso está acontecendo. Agora, você me pergunta: ?O sr. é a favor de sanguessuga, de caixa 2 e de mensalão?? É claro que não. Eu sou contra, mas a forma de punir, na democracia, é abrir investigações e dar amplo direito de defesa às pessoas.

 

DINHEIRO ? Há quem insinue que Lula poderá vir a sofrer um processo de impeachment num segundo mandato. Como vice, o que o sr. diz a respeito?
ALENCAR ?
Em época de guerra, boato é como terra. A democracia tem de ser respeitada. Nós temos de aprender a respeitar a vontade do próximo. O voto do mendigo vale tanto quanto o do maior empresário do País. Na época da eleição do Juscelino, dizia-se que ele não poderia ser candidato. Mas que, se fosse, não poderia ser eleito. E ainda que, se eleito, não poderia ser empossado nem governar. Isso é muito sério e não pode se repetir. Muitas pessoas se esquecem de que quem confere a governabilidade é o povo. Hoje, a vontade popular não deseja só dar a vitória ao Lula. Deseja lhe dar uma votação exuberante. E isso tem de ser respeitado.

DINHEIRO ? Na campanha, Lula se colocou como candidato do povo e atacou o candidato das elites. Isso não é perigoso?
ALENCAR ?
O Lula nunca foi contra as elites. Ele aplaude o lucro até dos bancos. Como é que ele é contra os ricos? Ele tem medo é de que o Brasil precise fazer um outro Proer, tirando dinheiro do povo. Você sabe qual é o problema do Lula?

DINHEIRO ? Qual é?
ALENCAR ?
Ele é nordestino, retirante, não tem diploma e ainda se chama Silva. Mas se é esse o problema, que seja.

DINHEIRO ? O sr. também veio de baixo. Isso o aproxima do presidente?
ALENCAR ?
Isso nos dá a mesma visão em relação ao problema da exclusão social. Não nos conformamos com isso. O que defendemos é um crescimento que inclua o pobre.

DINHEIRO ? O sr. disse muitas vezes que o discurso que venceu as eleições em 2002 ainda não assumiu o poder. Ele assume em 2007?
ALENCAR ?
Repito a metáfora do Lula: a jogada está limpa. Está na hora de colocar a bola no gol.