01/11/2006 - 7:00
DINHEIRO ? Nos últimos quatro anos, o sr. foi um dos principais críticos da política econômica. O sr. pretende agora mudar o discurso?
JOSÉ ALENCAR ? Eu nunca fui contra a política econômica no que diz respeito à austeridade fiscal. Eu sempre fui contra ? e continuo contra ? o regime de juros. Quando nós chegamos, em 2003, a taxa Selic do Banco Central era de 25%. Hoje, ela é de 13,75%. Recuou exatamente 45%, mas ainda é um maná. Na minha opinião, a taxa de juros brasileira poderia ser, no máximo, a metade dessa. E mesmo assim ela ainda seria uma das maiores do planeta.
DINHEIRO ? O sr. acha que isso mudará num eventual segundo mandato do presidente Lula?
ALENCAR ? O Lula sempre se utiliza de metáforas futebolísticas. E ele sempre me dizia o seguinte: ?Olha, Alencar, para você chutar no gol, tem que antes limpar a jogada.? E ele tinha razão. Nós limpamos a jogada. A inflação foi dominada e está num patamar muito semelhante ao dos grandes países do mundo. A dívida pública, que recebemos em 57% do PIB, hoje é 50%. A parcela indexada ao dólar acabou. E o governo passado ainda nos entregou uma carga tributária de 37% do PIB ? que antes era de 25% do PIB.
DINHEIRO ? Mas com vocês ela subiu.
ALENCAR ? Não, conosco ela não subiu. O que cresceu foi o lucro das empresas e o imposto de renda das pessoas jurídicas. E deve-se lembrar que as coisas não estavam fáceis quando nós chegamos. O governo anterior privatizou US$ 100 bilhões em ativos, elevou impostos, aumentou a dívida e nos entregou uma inflação que recrudescia perigosamente. Eu digo, com convicção, que as pessoas têm que aplaudir o governo Lula. Até porque, paralelamente ao ajuste na economia, houve a maior transferência de renda da história do País. Não só em função dos programas sociais, mas também porque a inflação foi contida. No tempo do Juscelino Kubitschek, a gente dizia que o salário mínimo comprava 120 quilos de arroz. Hoje, ele compra 350 quilos. E isso é só um exemplo. No governo passado, o saco de cimento custava R$ 22 . Hoje, custa R$ 10 reais. A vida das pessoas melhorou. Essa é a verdade.
DINHEIRO ? Isso explica as pesquisas?
ALENCAR ? Explica. Mas existem outras coisas. Todo mundo sabe que o Lula fez um sucesso tremendo na política externa. O Brasil hoje é muito respeitado. Nos comícios do PT em 1989, 1994, 1998 e 2002, havia um refrão que sempre se ouvia. Era ?Fora FMI?. E o curioso é que o FMI saiu mesmo do País sem nenhuma quebra de contrato. Hoje, as pessoas lá fora querem saber como o Lula conseguiu isso. Sem falar no crescimento do comércio exterior com o mundo inteiro, que é espetacular. Dispararam as exportações para os países ricos e para os mercados emergentes.
“No nosso governo, o preço do cimento caiu mais de 0%. O fato é que a vida do pobre melhorou”.
DINHEIRO ? Mas, voltando aos juros, o sr. diria que, depois de ?limpar a jogada?, virão os gols?
ALENCAR ? O que o Lula chama de marcar gols é o crescimento. E agora acho que já existem as condições para baixar juros sem risco de recrudescimento da inflação.
DINHEIRO ? Mas o Henrique Meirelles, do Banco Central, pensa da mesma forma?
ALENCAR ? Eu tenho o maior respeito pelo Meirelles e pelo Comitê de Política Monetária. Aliás, eu nunca critiquei uma decisão do Copom, que é um órgão técnico. Só defendo a ampliação do Conselho Monetário Nacional, que hoje tem apenas três membros: o presidente do BC e os ministros da Fazenda e do Planejamento.
DINHEIRO ? Mas os juros caem ou não?
ALENCAR ? Existem as condições.
DINHEIRO ? Nos últimos dois anos, o Brasil só cresceu mais do que o Haiti.
ALENCAR ? As pessoas que dizem isso nem conhecem o Haiti. O Brasil tem dimensão continental e dispõe de riquezas naturais que talvez nenhum outro país possua. Além disso, tem um trabalhador flexível e versátil, o que advém da miscigenação da nossa raça.
DINHEIRO ? Por isso mesmo, não deveria crescer mais?
ALENCAR ? Ele pode crescer. Mas quando nós chegamos a situação era delicadíssima. O risco era que a inflação comesse o poder de compra do trabalhador. No passado, o Brasil já cresceu muito com alta de preços. Agora, vai crescer sem inflação. Junto com a queda dos juros, que virá, é preciso que ocorram investimentos em infra-estrutura, em especial em energia e transportes. É aquela mesma história. A jogada está limpa. Já dá para chutar para o gol.
DINHEIRO ? Os recursos virão da queda dos juros? Os jornais de hoje apontam que o Brasil gastou R$ 1,2 trilhão com o serviço da dívida nos últimos seis anos.
ALENCAR ? No governo passado, tivemos juros de 45%. Quando chegamos, era 25%. A economia cresce abaixo do seu potencial por uma razão simples como água. Enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar com vantagem os custos de capital, é claro que não haverá investimentos compatíveis com o crescimento. Isso é elementar. E por isso é tão necessário que os juros brasileiros sejam semelhantes aos do resto do mundo.
DINHEIRO – Mas o sr. não se impacienta com a lentidão desse processo de redução de juros no Brasil?
ALENCAR ? O presidente Lula tem um cuidado extremo e eu entendo. Não podemos fazer a queda dos juros como se fosse uma aventura. Quando ele me convidou novamente para ser vice, eu perguntei: ?E as minhas diatribes contra os juros?? Ele disse que nunca foi contra o que eu digo. Mas sabe que demora um pouco mais para chegar lá.
“No tempo do JK, diziam que, se eleito, ele não poderia governar. Isso não pode se repetir”.
DINHEIRO ? Seus colegas empresários não estão frustrados com essa demora?
ALENCAR ? Eu sou empresário e também sou 100% Lula. Tem muito industrial que pensa como eu.
DINHEIRO ? A oposição apontou um investimento da Coteminas na China como uma prova de que o sr. não estaria tão confiante em relação ao Brasil.
ALENCAR ? Eu fiquei muito chateado com isso. Uma revista publicou o retrato do meu filho [Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas], dizendo que ele havia chegado de Pequim e que faria uma fábrica lá. E o Geraldo Alckmin usou isso num debate. Só que ele se esqueceu de dizer que nós estamos fazendo aqui quatro megafábricas no Brasil. São projetos gigantescos. E eu, como estou afastado da empresa, liguei hoje mesmo para o Josué para levantar todos os dados. Na grande Natal, tem uma fábrica para 150 milhões de metros quadrados/ano de pano. Em Macaíba, também no Rio Grande do Norte, teremos a confecção de lençóis para esses tecidos. Tudo com qualidade e preço popular, de arrebentar. Em Campina Grande, na Paraíba, estão sendo instalados 444 teares a jato de ar. Em João Pessoa, são mais 100 teares. E também estamos expandindo nossas atividades na fábrica de Blumenau, em Santa Catarina, e na Argentina.
DINHEIRO ? E a China?
ALENCAR ? Nós temos uma joint-venture, nos Estados Unidos, com a Springs. E eles têm um escritório de compra na China, com mais de 100 pessoas. Mas nós estamos trazendo as fábricas da Springs dos Estados Unidos para o Brasil. E isso porque confiamos no nosso futuro. Essas fábricas poderiam estar indo para a China ou para países como o Egito, que também são competitivos. Mas se o Josué voltar à China e encontrar uma boa oportunidade por lá, por que não? Não há nada de mal nisso. O Alckmin poderia ter me ligado. Porque assim ele estaria me respeitando. Afinal, nós temos meio século de atividade empresarial séria no Brasil. Isso não é brincadeira.
DINHEIRO ? O Alckmin tem batido muito na questão ética. O governo atual não pecou muito nessa área?
ALENCAR ? Ao contrário do que dizem, o Lula é um bom exemplo. Nunca se investigou tanto a corrupção como agora. E nunca houve tanta liberdade de ação como agora. O que nós temos que fazer é aplaudir essas ações.
DINHEIRO ? Mas e as confissões de caixa 2?
ALENCAR ? Cabe ao presidente da República afastar as pessoas envolvidas e entregar as investigações a quem de direito. E isso está acontecendo. Agora, você me pergunta: ?O sr. é a favor de sanguessuga, de caixa 2 e de mensalão?? É claro que não. Eu sou contra, mas a forma de punir, na democracia, é abrir investigações e dar amplo direito de defesa às pessoas.
DINHEIRO ? Há quem insinue que Lula poderá vir a sofrer um processo de impeachment num segundo mandato. Como vice, o que o sr. diz a respeito?
ALENCAR ? Em época de guerra, boato é como terra. A democracia tem de ser respeitada. Nós temos de aprender a respeitar a vontade do próximo. O voto do mendigo vale tanto quanto o do maior empresário do País. Na época da eleição do Juscelino, dizia-se que ele não poderia ser candidato. Mas que, se fosse, não poderia ser eleito. E ainda que, se eleito, não poderia ser empossado nem governar. Isso é muito sério e não pode se repetir. Muitas pessoas se esquecem de que quem confere a governabilidade é o povo. Hoje, a vontade popular não deseja só dar a vitória ao Lula. Deseja lhe dar uma votação exuberante. E isso tem de ser respeitado.
DINHEIRO ? Na campanha, Lula se colocou como candidato do povo e atacou o candidato das elites. Isso não é perigoso?
ALENCAR ? O Lula nunca foi contra as elites. Ele aplaude o lucro até dos bancos. Como é que ele é contra os ricos? Ele tem medo é de que o Brasil precise fazer um outro Proer, tirando dinheiro do povo. Você sabe qual é o problema do Lula?
DINHEIRO ? Qual é?
ALENCAR ? Ele é nordestino, retirante, não tem diploma e ainda se chama Silva. Mas se é esse o problema, que seja.
DINHEIRO ? O sr. também veio de baixo. Isso o aproxima do presidente?
ALENCAR ? Isso nos dá a mesma visão em relação ao problema da exclusão social. Não nos conformamos com isso. O que defendemos é um crescimento que inclua o pobre.
DINHEIRO ? O sr. disse muitas vezes que o discurso que venceu as eleições em 2002 ainda não assumiu o poder. Ele assume em 2007?
ALENCAR ? Repito a metáfora do Lula: a jogada está limpa. Está na hora de colocar a bola no gol.