Em diversos pontos do centro de Milão, há placas indicando como chegar à sede da Pirelli. Na cidade da catedral gótica mais famosa do mundo, a empresa de pneus, que patrocina a Internazionale, líder do calcio italiano, é uma referência tão importante como o Il Duomo, o teatro La Scala ou a galeria Vittorio Emanuelle. Mas os últimos dias têm sido particularmente ruins para a Pirelli, chamada carinhosamente pelos italianos de Bicocca. Na terça-feira 7, seu presidente, Marco Tronchetti Provera, que além da Pirelli controla a Telecom Italia, convocou uma reunião com analistas financeiros e anunciou o que muitos já esperavam: as ações da telefônica tiveram seu valor rebaixado no balanço da Bicocca de 4,2 euros para 3 euros. Com isso, a empresa reconheceu um prejuízo contábil de US$ 2,5 bilhões. Um dia antes, em Roma, a Telecom Italia confirmou que irá vender uma das principais jóias da coroa. Trata-se da operação brasileira da TIM, que deverá ser disputada pela Claro, do bilionário mexicano Carlos Slim, e pela espanhola Telefônica, talvez em consórcio com a Brasil Telecom (BrT). Ao que tudo indica, a TIM será negociada por um valor entre US$ 5,5 bilhões e US$ 7 bilhões, o que faria da transação a maior venda de um ativo brasileiro em toda a história. E como Tronchetti, meses atrás, também colocou à venda a participação que possuía na BrT, esse seu novo movimento representa o adeus definitivo dos italianos. É uma despedida que dá início a uma reestruturação completa da telefonia no Brasil, com duas grandes forças no primeiro plano: os mexicanos e os espanhóis. Para fazer frente a esses dois gigantes, muitos apostam numa futura fusão entre Telemar e Brasil Telecom, que formariam um só grupo nacional, com controle diluído no mercado de capitais ? isso, porém, ainda depende de mudanças legais. Mas o fato é que há um novo xadrez sendo jogado na telefonia brasileira.

Hoje, a TIM brasileira possui 24 milhões de clientes na telefonia móvel e tem uma operação eficiente. A empresa, já em 2006, deverá gerar um caixa superior a US$ 1 bilhão, antes dos impostos e das despesas financeiras. Caso seja comprada pela Claro, o grupo de Slim poderá disparar na liderança da área de celulares, com quase 50 milhões de clientes ? bem mais do que tem no próprio México e em qualquer outro país. Se vier a ser comprada pela Telefônica, sozinha ou acompanhada pela Brasil Telecom, os espanhóis seguirão na dianteira. A BrT, por sua vez, teria acesso a uma base monumental de clientes em São Paulo, onde praticamente não está presente. E o mercado brasileiro, hoje altamente competitivo e pouco lucrativo para as empresas, mas altamente vantajoso para o cliente, passaria a ser mais rentável para as telefônicas. ?É a oportunidade do ano?, diz o presidente de uma grande operadora. ?A aquisição vale qualquer esforço.? E numa semana em que todas as peças do xadrez se mexeram, o BNDES também liberou um empréstimo de R$ 2,4 bilhões para a Telemar, dona da Oi ? é o maior financiamento da história do banco, que talvez também sirva a um lance da Telemar na disputa pela TIM.

A derrocada italiana, de certa forma, também reflete o que se passou na telefonia brasileira nos últimos anos. Em 2001, quando Tronchetti decidiu comprar a Telecom Italia, ele tomou empréstimos junto a alguns banqueiros italianos e pagou um prêmio altíssimo pelas ações, antes em poder da Olivetti. Sua aposta era a de que, com sua gestão, seria capaz de valorizar a telefônica e liquidar suas dívidas. Como isso não ocorreu, e a prova cabal é a perda anunciada dias atrás pela Pirelli, Tronchetti acabou se envolvendo numa disputa suicida com o banqueiro Daniel Dantas, seu sócio na Brasil Telecom. Uma guerra com repercussões policiais no Brasil e também na Itália. Para o italiano, era crucial tomar o controle da BrT, uma empresa altamente lucrativa e com mais de US$ 2 bilhões em caixa. Mas como os contratos garantiam o poder de gestão ao Opportunity, de Dantas, a Telecom Italia buscou uma solução de força e uma das consequências foi a Operação Chacal, deflagrada em 2004 pela Polícia Federal contra o banqueiro. Quando Tronchetti finalmente decidiu compor com seu sócio, em 2005, era tarde demais. A Brasil Telecom havia sido assumida por outros dois acionistas da companhia: os fundos de pensão estatais e o Citibank.

O fato é que o Brasil deverá assistir à reestruturação da sua telefonia sem que haja um protagonista com cores locais. Restarão apenas investidores institucionais, como os fundos de pensão. Para Tronchetti, o revés significa um fracasso pessoal. Quando ele assumiu a Telecom Italia, dizia-se que seria um novo Gianni Agnelli, numa referência ao grande líder da Fiat. Até agora, porém, sua aventura na telefonia já custou US$ 2,5 bilhões aos acionistas da Pirelli e poderá ficar ainda mais cara, uma vez que as ações, mesmo desvalorizadas, continuam registradas no balanço com ágio de 30%. Curiosamente, a região da Bicocca, onde está a fábrica da Pirelli, empresta seu nome a uma batalha épica, travada em 1521, quando os italianos venceram os exércitos mercenários da Suíça. Tronchetti, porém, perdeu a sua Bicocca. E alguns de seus colaboradores hoje estão presos.