20/04/2020 - 12:00
Matheus Aciole, de apenas 23 anos, foi diagnosticado com a covid-19 e, embora tenha recebido atendimento médico adequado, morreu em poucos dias, em 31 de março, tornando-se a mais jovem vítima da doença no país à época, para espanto de parentes e amigos. O diagnóstico havia sido feito dois dias após o surgimento dos primeiros sintomas, uma dor de garganta leve e febre baixa. Matheus foi imediatamente levado para a UTI de um hospital privado em Natal e foi entubado.
Mas os esforços dos médicos foram incapazes de deter o vírus. Os pais do jovem gastrólogo contaram que ele sempre foi saudável e não entendiam como o que parecia um resfriado leve se tornou uma doença fulminante. Embora fosse muito jovem e saudável, Matheus pesava mais de 100 quilos.
Conforme os últimos relatos do governo, há uma relação importante entre as formas mais graves da covid-19 em jovens e uma outra doença pandêmica de alta prevalência no Brasil: a obesidade. Ao menos 20% da população do País é considerada obesa e mais da metade está acima do peso normal.
Dados do Ministério da Saúde divulgados há uma semana revelam que a obesidade já é o principal fator de risco nas vítimas da covid-19 com menos de 60 anos – à frente até de problemas respiratórios e cardiológicos. Médicos que estão na linha de frente também já fazem essa constatação. Foi o caso de Matheus e do músico Robson Lopes, de 43 anos, enterrado no dia 31 em Manaus, e da atriz e ativista social Érika Ferreira, de 39 anos, de São Gonçalo, no Rio, entre outros 43 casos no País.
“Ao menos 60% dos pacientes que estão hoje (na sexta-feira) no CTI do Hospital Pedro Ernesto são obesos e são os de pior evolução”, disse a endocrinologista Eliete Bouskela, da Uerj, à frente de um estudo sobre a evolução de pacientes de covid do ponto de vista da massa corporal e distúrbios de coagulação sanguínea. “Depois da idade, é o maior fator de risco.”
Porcentual parecido é constatado na UTI do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, no Rio, que está atendendo só pacientes com covid, diz a endocrinologista Monica Gadelha, da UFRJ. “O tecido adiposo não é inerte, não é apenas um estoque de nutrientes; é um tecido ativo e importante para um grande número de condições fisiológicas e patológicas”, explicou ao Estado a endocrinologista Amy Rothberg, professora de Medicina da Universidade de Michigan (EUA). “A obesidade contribui para um estado inflamatório, produzindo moléculas citoquinas. Elas afetam outros sistemas, causando estresse celular, falta de oxigenação celular e morte celular.”
A inflamação natural do obeso se junta à grave inflamação produzida pela covid, potencializando a produção das citoquinas e agravando o processo decorrente. Para piorar, pessoas com excesso de peso, em geral, têm capacidade pulmonar mais restrita porque o excesso de gordura abdominal tende a reduzir o volume da caixa torácica.
Para a endocrinologista Bouskela, que também faz parte da Academia Nacional de Medicina, os dados mais recentes o mostram que a gravidade do quadro clínico do paciente é diretamente proporcional a seu peso. Quanto mais gordo é o indivíduo, mais chance de ter quadro grave de covid. Conforme as especialistas, essa interação já havia sido notada em outras enfermidades que comprometem o sistema respiratório, mas nunca de modo tão grave. “Mas acredito que não esteja tão bem caracterizada como na covid-19”, disse Monica Gadelha.
Contágio
Segundo Bouskela, no caso do H1N1 foi comprovado que obesos transmitem o vírus por período mais longo do que magros. “No caso do H1N1, foi demonstrado que o obeso é contagioso por período 42% maior do que o magro”, disse. “Supomos o mesmo na covid-19.” Por isso, diz, uma medida diferenciada no tratamento de obesos poderia ser um período de isolamento mais estendido.
Para o endocrinologista Walmir Coutinho, ex-presidente da Federação Mundial de Obesidade, as condições das UTIs agravam o desafio. “Faltam aos hospitais leitos apropriados para essa população, a entubação é mais difícil e, frequentemente, não estão disponíveis aparelhos de imagem que comportem pessoas muito pesadas”, listou Coutinho, professor da PCU-RJ. “No esforço de abrir hospitais de campanha, seria importante levar em consideração necessidades de obesos.”
EUA
Dois estudos da Universidade de Nova York (EUA) feitos com milhares de pacientes de covid e divulgados este mês também apontam a obesidade como o maior fator de risco para jovens – mesmo quando não têm outro problema de saúde. A condição crônica com maior associação a casos críticos, sem considerar a idade avançar, é a obesidade, com mais prevalência que qualquer a doença cardiovascular ou pulmonar, concluiu Christopher M. Petrilli, da Universidade de Nova York, principal autor de um dos maiores estudos já feitos, reunindo 4,1 mil pacientes da cidade, atual epicentro da pandemia.
Outro estudo teve como foco pacientes não idosos e mostrou que obesos têm duas vezes mais probabilidade de serem hospitalizados e tinham risco maior de internação numa UTI. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.