Com mais de US$ 80 bilhões de valor de mercado, a Dell não tem nenhum segredo ou formula mágica para ter alcançado a liderança de vários dos seus segmentos de atuação e ter se perpetuado em meio a ondas de mercado e revoluções tecnológicas. Segundo o executivo que comanda a companhia no Brasil, o segredo da empresa é ‘apenas fazer o óbvio bem feito’.

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Diego Puerta, Presidente da Dell no Brasil, conta que a trajetória da empresa mistura crescimento rápido, decisões fora do consenso do mercado e uma cultura de execução que atravessa décadas.

Ao Dinheiro Entrevista, o executivo relata que viveu vários dos momentos-chave da companhia, incluindo o fechamento de capital em 2013 e a posterior reestruturação que mudou o perfil do negócio.

Segundo Puerta, entender a Dell passa menos por fórmulas complexas e mais por escolhas consistentes ao longo do tempo. A influência do fundador é central nesse processo. “O Michael Dell é um empreendedor nato.”

A História da Dell

Fundada em 1984, a empresa nasceu com um modelo direto ao consumidor que reduzia custos e acelerava a entrega de tecnologia, algo que se refletiu no desempenho das ações nos anos 1990, quando a Dell se tornou uma das companhias mais valiosas do setor de tecnologia nos Estados Unidos e teve o crescimento mais vertiginoso da bolsa americana na década.

Com o estouro da bolha da internet e a desaceleração do mercado de PCs nos anos seguintes, a empresa entrou em um período de pressão. Analistas passaram a questionar o futuro do computador pessoal, enquanto a Dell via sua capitalização de mercado cair de forma relevante.

Esse cenário abriu espaço para movimentos externos. “O valor de mercado caiu tanto que a Dell se tornou um alvo fácil para uma aquisição hostil”, relata Puerta.

O fechamento de capital

A resposta veio em 2013, quando Michael Dell, em parceria com o fundo Silver Lake, decidiu fechar o capital da companhia. A leitura interna era de que a estrutura de empresa listada limitava decisões estratégicas de longo prazo.

“Muitos associaram o fechamento a cortes de custos, mas, na verdade, nós investimos”, afirma o CEO da Dell no Brasil, Diego Puerta. Segundo ele, o período fora da bolsa permitiu contratações, aquisições e a ampliação do portfólio, mesmo com impacto nos resultados de curto prazo.

O movimento mais emblemático desse ciclo foi a compra da EMC, em 2016, por cerca de US$ 67 bilhões, uma das maiores aquisições da história do setor de tecnologia. À época, a Dell valia menos da metade desse montante.

A operação transformou a companhia em um grupo com atuação que vai do hardware à infraestrutura de dados, armazenamento, segurança e nuvem híbrida. Informações públicas mostram que a integração da EMC deu origem à Dell Technologies, estrutura que concentrou essas frentes sob uma única organização.

Puerta acompanhou esse processo em um momento de transição pessoal dentro da empresa. “Eu era gerente de vendas e estava em transição para ser diretor de vendas nacional”, diz.

O anúncio do fechamento de capital foi rápido, em meio a rumores de mercado. A mensagem do fundador foi direta: o objetivo era ganhar espaço para investir sem a pressão do trimestre seguinte – “Sem precisar reportar resultados trimestrais desafiadores se decidíssemos investir no longo prazo”, relata Puerta.

Receita anual beira US$ 120 bilhões

Os números atuais ajudam a dimensionar o resultado dessa estratégia. No último trimestre reportado, a Dell registrou receita de US$ 29,8 bilhões, o que projeta algo próximo de US$ 118 bilhões no ano fiscal.

Dados divulgados pela própria companhia indicam que a maior parte desse faturamento vem hoje de soluções corporativas, infraestrutura e serviços, e não apenas da venda de PCs.

No Brasil, essa mudança também se reflete no discurso sobre tecnologia e formação profissional. Puerta destaca a importância da educação e da exposição internacional como parte do desenvolvimento de lideranças. Para ele, a tecnologia segue como ferramenta central de produtividade. “A demanda por dados vai continuar crescendo e a IA faz parte disso”, afirma, ao comentar a incorporação de recursos de inteligência artificial aos produtos da empresa.

Apesar da escala global, a cultura interna segue marcada pela figura do fundador. “Ele é pragmático: faz o óbvio bem feito”, afirma Puerta, ao explicar por que Michael Dell segue como referência dentro da organização e optou por tocar um ‘negócio de dono’, sem se afastar da gestão e de cargos executivos.

Retorno à bolsa de valores

O fechamento de capital da Dell em 2013 foi estruturado como uma compra alavancada liderada por Michael Dell e pelo fundo Silver Lake. A transação retirou a empresa da Nasdaq e permitiu que decisões estratégicas fossem tomadas sem a obrigação de responder a acionistas a cada trimestre.

Durante esse período, a Dell reorganizou ativos, absorveu a EMC e manteve participações relevantes em empresas como a VMware, que mais tarde seria vendida para a Broadcom por cerca de US$ 65 bilhões.

O retorno ao mercado ocorreu de forma indireta, em 2018, por meio de uma reorganização societária envolvendo a VMware, sem um IPO tradicional. Esse modelo permitiu reduzir endividamento e devolver liquidez a investidores, mantendo o controle nas mãos do fundador.

Para analistas do setor, o caso da Dell se consolidou como um exemplo de como sair da bolsa pode ser parte de uma estratégia para voltar maior e com outro perfil de negócio.