Diversas paróquias católicas em todo o Brasil prepararam-se para celebrar, no sábado 23, um rito pascal que se popularizou na Idade Média, o Ofício de Trevas. Essa devoção costumava ser celebrada na Quarta-Feira Santa, mas, nos últimos tempos, vem sendo antecipada para a véspera do Domingo de Ramos por praticidade. É uma cerimônia comovente: em um castiçal triangular, conhecido como tenebrário, são colocadas 15 velas acesas, simbolizando Cristo, os 11 apóstolos remanescentes após a traição de Judas, e as três Marias. À medida que a congregação canta salmos referentes à Paixão, as velas vão sendo apagadas uma a uma. 

 

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Ao final, resta acesa apenas a mais alta delas, representando Jesus. O objetivo é frisar que Cristo é a fonte de luz e salvação, e preparar espiritualmente os fiéis para o luto da Sexta-Feira Santa. Neste fim de Quaresma, o mercado acionário antecipou mais ainda o ofício das trevas. Na quarta-feira 20, as ações da estatal mineira Cemig fecharam com uma forte queda de 14,7%, para subir 1,4% no pregão seguinte. O que obscureceu as perspectivas sobre a empresa foi uma inesperada revisão preliminar dos ativos regulatórios da estatal energética controlada pelo governo de Minas Gerais, anunciada na quarta-feira pela Aneel. 

 

Para explicar essa mudança de forma a não alongar as penitências quaresmais, a Aneel alterou, preliminarmente, a forma de a Cemig calcular suas próximas revisões de tarifas. Pelos cálculos do BTG Pactual, a diferença foi de R$ 1,6 bilhão a menos nas contas da distribuidora. É como se uma cidade de médio porte subitamente desaparecesse do balanço. O impacto dessa medida, cuja divulgação não era esperada pelo mercado, ainda não ficou claro. O único ponto em que há concordância é que haverá abstinência de lucros. A estatal vai ganhar menos dinheiro ao distribuir energia. Os analistas do Crédit Suisse calculam que a geração de caixa deverá encolher 24%. 

 

Menos pessimista, o Citi projeta uma redução de 18% nesse indicador. Na dúvida, os investidores – homens de pouca fé – venderam ações. Duas corretoras colocaram suas recomendações para a Cemig em revisão. Na tentativa de dissipar as trevas, Luiz Fernando Rolla, diretor de relações com investidores da Cemig, realizou uma teleconferência na quarta-feira. Ele foi veemente ao descartar a hipótese de que a decisão fosse uma retaliação política, provocada pelo fato de a estatal mineira não ter aderido às mudanças nas regras de concessão para as geradoras de energia, decretadas pelo Planalto no dia 7 de setembro passado. No entanto, o que desagradou ao mercado foi a falta de comunicação. 


A Aneel informou que a reavaliação foi preliminar e ainda terá de ser submetida ao colegiado de diretores. Essa incerteza, porém, provocou a reação automática dos investidores. Não apenas as ações da Cemig foram vendidas. Praticamente, os papéis de todas as empresas do setor caíram na bolsa e, na ponta do lápis, R$ 5,4 bilhões do valor de mercado dessas companhias evaporaram-se em apenas um dia. O risco de mudanças faz parte do dia a dia de qualquer negócio e, no mercado acionário, oscilações sem aviso prévio, que ferem o bolso do investidor, fazem parte do jogo. No entanto, repetindo o que ocorreu em setembro, uma comunicação inadequada provocou choro e ranger de dentes ao espalhar as trevas. Que os próximos movimentos tragam a luz.