A crise financeira da Oi levou a empresa a protagonizar três pioneirismos na última década. Em 2016, foi a maior empresa a entrar em uma recuperação judicial até então. Em 2023, tornou-se a primeira empresa a solicitar uma segunda recuperação judicial. Em julho, foi a primeira a solicitar simultaneamente recuperação judicial nos EUA e no Brasil. Agora, a empresa passa por uma nova situação inusitada ao ter um pedido de falência suspenso a pedido de seus credores.

Falências são ocasionalmente suspensas pela Justiça por motivos variados, como um erro de outra instância do judiciário ou um acordo entre a empresa e seus credores após o decreto. Especialistas ouvidos pela IstoÉ Dinheiro não se recordam no entanto de outro caso em que os próprios credores saíram em defesa da devedora. O pedido que ocasionou a suspensão da falência da Oi partiu do Itaú Unibanco, e foi endossado pelo Bradesco.

“Suspender uma decisão de falência não é uma coisa tão original”, afirma o doutor em direito empresarial Francisco Satiro, professor da USP (Universidade de São Paulo). “Original é o fundamento nesse caso, em que a desembargadora analisou que a empresa está mal, mas a liquidação dentro da recuperação judicial pode ser uma solução melhor do que a liquidação da falência.”

Enquanto em uma recuperação judicial há certa flexibilidade para definir quais credores serão priorizados nos pagamentos, a falência conta com uma ordem de pagamentos definida por lei: primeiro, as dívidas trabalhistas, seguidas, na ordem, pelos credores com garantia real (por exemplo, hipotecas), os tributários (municípios, estados e a União) e, por fim, os quirografários, grupo abrangente de remanescentes, no qual provavelmente estavam os críticos da falência. Ficam de fora ainda empréstimos que tenham sido feitos após o início da recuperação judicial.

Dívida bilionária

Dados da lista dos votantes da Assembleia Geral de Credores do Grupo Oi apontam que a dívida da empresa com o Itaú Unibanco, autor do pedido de suspensão da falência, estão em R$ 2,066 bilhões. Já o Bradesco reportou um débito de R$ 47,1 milhões. As instituições financeiras foram procuradas pela IstoÉ Dinheiro, porém declinaram comentar o caso.

Relatório do administrador judicial do final de 2023 informava uma dívida total de quase R$ 20 bilhões. Dois anos depois, o número pode ter apresentado variações.

Relatório de administrador judicial motivou falência

Especialista em recuperação judicial e falências pelo Insper e pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Thiago Groppo Nunes, do escritório IW Melcheds, explica que a falência ocorreu após o administrador judicial reportar três problemas na empresa: a impossibilidade de equacionamento entre ativo e passivo, a inviabilidade financeira para cumprimento de obrigações e a chamada “liquidação substancial”. “O administrador destacou que a empresa estava vendendo os ativos, em bloco ou de forma individual, de forma que faria com que a empresa desaparecesse”, explica sobre o terceiro ponto.

Os advogados ouvidos pela IstoÉ Dinheiro discordam sobre se o caso representa um caso de insegurança jurídica no empresariado brasileiro.

“Nós temos dois entendimentos: a juíza da 7ª vara entende que a Oi deveria ter a a sua falência decretada com a continuidade de alguns contratos específicos e essenciais à população. Por outro lado, o Tribunal entende que não deveria ter a falência, então ela continuaria a sua operação e, aí sim, far-se-ia o pagamento dos credores”, explica o membro da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB/PR, Matheus Kalinke. Ele destaca, no entanto, que a decisão de 2ª instância é liminar e deverá passar por análise de outros desembargadores em uma Câmara colegiada.

O professor Francisco Satiro acredita que há coerência na condução do caso pelo Judiciário. “Tanto a decisão da juíza de primeira instância como a desembargadora do Tribunal do Rio de Janeiro reconhecem que tem que liquidar a companhia. Inclusive, as duas concordam”, afirma Satiro. “O que muda é a preocupação no voto da desembargadora de fazer a liquidação com o menor impacto possível.”

Na visão do professor, entre os vários aspectos que tornam a Oi um caso único, está seu tipo de negócio. “A Oi é uma concessionária de serviços públicos. Claro que ela tem ativos, bens, imóveis, mas o grande valor da empresa não está propriamente nos ativos, mas no fato de que ela desenvolve uma atividade empresarial baseada numa autorização pública”, explica. “Em casos como esses, de concessionárias, é comum que na falência o valor de liquidação na falência seja menor do que o valor de liquidação enquanto ela não tiver falida.”

Há salvação para a Oi?

É consenso no entanto que a Oi está em vias de extinguir-se. A única dúvida é se a liquidação ocorrerá dentro de uma recuperação judicial ou em um processo de falência.

“Tanto a sentença quanto a decisão monocrática da desembargadora relatora são no sentido de alienação dos ativos de forma organizada. Então não se tem a esperança de que a Oi volte a operar, mas sim de que a Oi venda patrimônio, ativos e contratos, para que outras outros players interessados para assumir o lugar que um dia foi da Oi”, diz Kalinke.

Apesar de destacar como previsões sobre um caso complexo são muito arriscadas, o professor Francisco Satiro acredita que os credores buscarão uma saída negociada para liquidar os ativos com menor dano possível. “Como essa empresa vale muito menos liquidada na falência, eles vão aceitar na recuperação judicial para não perder.”

A trajetória da Oi teve início em 1998, com a privatização do sistema de telefonia estatal Telebrás. A empresa foi inicialmente constituída como Tele Norte Leste. Mais tarde, adotou a marca Telemar, operando em grande parte do território nacional.

O marco de virada ocorreu em 2002, quando a Telemar lançou a sua unidade de telefonia móvel sob a nome Oi. Em 2007, a marca Oi consolidou-se de vez, absorvendo a Telemar e concentrando todos os serviços de telefonia fixa, móvel e banda larga do grupo. A empresa acelerou seu crescimento com aquisições, como uma ambiciosa fusão em 2013 com a Portugal Telecom. A estratégia acabou por gerar grande endividamento.

Orelhão da Oi
Orelhão da Oi (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Crise já dura quase 10 anos

O primeiro pedido de recuperação judicial da Oi ocorreu em junho de 2016. Naquela altura, o otimismo com a empresa era tanto que as ações chegaram a subir após a solicitação. Em dezembro de 2017, o pedido foi oficialmente aprovado.

A recuperação judicial é um instrumento legal que permite a empresas que se encontram em dificuldades financeiras renegociarem suas dívidas e reestruturarem suas atividades, buscando evitar a falência e manter a sua produção, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores.

Durante a recuperação, a Oi chegou a vender em leilão toda a sua operação de telefonia móvel, que foi dividida entre as outras três empresas líderes do mercado (Claro, Tim e Vivo). A venda foi aprovada pela Anatel e concluída em abril de 2022. Em dezembro do mesmo ano, a empresa solicitou o encerramento do processo de recuperação judicial, cinco anos após sua aprovação.

Quase em seguida, em fevereiro de 2023, a empresa solicitou a tutela antecipada, um processo preparatório para a nova recuperação judicial. Como a lei determina um prazo de cinco anos entre uma recuperação judicial e outra, o caso gerou a jurisprudência de que o tempo seria contado a partir da aprovação da primeira, e não de sua conclusão.

“Nós não podemos dizer que houve má fé ou falha, porque cada empresa, ainda mais tratando de uma empresa do tamanho da Oi, está sujeita a questões mercadológicas, de adaptação, de gestão… Enfim, são diversos fatores que influenciam uma atividade empresarial”, analisa Kalinke. “Mas se você ajuíza o segundo pedido de recuperação judicial logo quando possível, isso demonstra que o primeiro não foi exitoso por completo.”

Dados de uma pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) apontam que as recuperações judiciais no Brasil duram, em média, entre 3,3 e 4,3 anos. Apontam ainda que a taxa de falência após a conclusão está próxima de 30%, e que processos muito longos prejudicam a recuperação.

Em julho de 2025, a crise ganhou uma nova proporção quando a empresa tentou acionar o Chapter 11, a lei de recuperações judiciais dos Estados Unidos. Caso fosse aprovado, o caso geraria uma nova situação única, com processos de recuperação judicial correndo em paralelo no Brasil e no exterior. “Não é errado ou proibido, mas aí realmente geraria um caso de uma insegurança complicada”, analisa Francisco Satiro.

Em 10 de novembro, a juíza Simone Gastesi Chevrand, da 7ª Vara Empresarial da Capital, decretou a falência da Oi. Quatro dias depois, a desembargadora Mônica Maria Costa, da Primeira Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), suspendeu a falência, em análise a um agravo de instrumento do Itaú Unibanco.

Atualmente, a Oi tem um portfólio voltado principalmente para o mercado corporativo e para serviços públicos, sendo a única a ainda operar “orelhões” no país. A empresa não respondeu ao convite da IstoÉ Dinheiro para se manifestar sobre a crise.