20/11/2002 - 8:00
Não se assuste se encontrar este senhor aí ao lado parado na porta de sua loja, uma pasta de documentos na mão direita e dois celulares caindo dos bolsos. Nem se desespere se ele sacar uma câmera e fotografar a sua vitrine. Ele não é louco, embora já tenha sido chamado disso por seus colegas. Há 39 anos na Renasce ? maior empresa de administração de shopping centers do País, do Grupo Multiplan ?, José Olímpio Sodré, 76 anos, ganha a vida assim, andando de loja em loja. Ex-corretor de imóveis, seu Sodré é hoje um olheiro de shopping centers. O cargo em seu cartão de visitas, ?Gerente Geral Comercial?, esconde uma missão e tanto. Ele é responsável por descobrir novos talentos do varejo de rua e levá-los para brilhar nos shoppings. ?É um trabalho de garimpo?, brinca. Um exemplo? Há dez anos, ele se encantou com uma loja de gravatas de 10 m2 em plena Rua Pedroso de Moraes, centro de São Paulo. Conseguiu convencer seu proprietário da força que a marca tinha. Lapidada, a Via Veneto transformou-se numa holding com 80 lojas e marcas como Brooksfield e Harry?s. ?Percebi que eles iriam longe. Só precisavam de uma mãozinha?, diz Sodré.
Mas o trabalho de olheiro vai além disso. Primeiro, a equipe de corretores sai para dar uma volta no mercado. Olhar vitrines e conversar com vendedores. Depois, seu Sodré comanda um ?arrastão?, a ampla coleta de cartões de lojistas que possam ter futuro. Nessa fase, entra em ação o time de mais de 40 homens de venda, cujo trabalho é convencer o lojista a migrar para o shopping. Engana-se quem pensa que qualquer um pode abrir sua loja. O mosaico de pontos de vendas nos shoppings obedece a regras rigorosas. Alguns pontos são reservados desde o princípio para lojas âncoras, como C&A e Riachuelo. Além disso, há uma lista de grifes que os administradores querem ter em sua carteira. Cabe ao olheiro trazê-las a qualquer custo. E há também os pontos vagos, cerca de 20% do empreendimento, que se transforma num celeiro de novos talentos. E, mais uma vez, seu Sodré tem carta-branca para fazer suas apostas. Quando ele indica um lojista, a administradora do shopping arruma um ponto, com aluguel menor, e um contrato de experiência por dois anos. ?O bom lojista não pára de crescer. E a gente ganha apostando nele a longo prazo?, explica.
Viciado em shoppings. Como são escolhidas as lojas? ?No olho?, resume. O mais importante é avaliar a disposição das vitrines e a qualidade dos produtos. Depois, é preciso observar o atendimento. Segundo o olheiro, um sorriso sempre aberto na cara do vendedor faz até o mais pão-duro gastar uns trocos. Em suma: é o detalhe que faz a diferença. Veja um exemplo da varejista holandesa C&A ? que a empresa de Sodré também foi responsável por trazer ao Brasil em 1975. Depois de abaixar em 35 centímetros a altura de suas ?araras? este ano, deixando as roupas mais acessíveis, as vendas da rede cresceram 30%. Detalhe também foi o que chamou a atenção de Seu Sodré na Fascar, varejista de sapatos e cintos de couro. A empresa foi descoberta quando ele andava na Rua Frei Caneca, no bairro paulistano dos Jardins. Como era só uma fábrica, seu Sodré não hesitou. Convenceu o proprietário a emprestar-lhe alguns pares de sapato e levou para o Rio, sede de sua empresa. A Fascar virou uma rede de franqueados e opera hoje cerca de 30 lojas, a maioria em shoppings. Pelas mãos de seu Sodré passou também um dos mais recentes acordos comerciais europeus. Coube a ele o papel de convencer os espanhóis da Zara a internacionalizar sua marca. A rede feminina abria, então, sua primeira loja em Portugal, no Cascais Shopping. E depois vinha para o Brasil. ?Tive de viajar 10 vezes para fechar o acordo?, conta. O trabalho de olheiro é quase que instintivo. Aprendido com os anos de visitas a lojas. Aliás, mesmo fora do trabalho, seu Sodré não passa um dia sem dar uma passadinha num shopping.