09/11/2005 - 8:00
No último dia 14 de setembro, dois diretores da americana Bausch & Lomb, fabricante de lentes de contato, desembarcaram em Porto Alegre, onde fica a filial da multinacional. O objetivo era apurar uma denúncia anônima: um funcionário brasileiro, por meio de um 0800 interno, acusava executivos de desviarem dinheiro do caixa e sonegar impostos. Uma semana depois, no dia 21, o presidente da companhia no Brasil, Jorge Temer, e o diretor financeiro, Rodrigo Corrêa, foram afastados de suas funções. Mais sete dias e os dois estavam demitidos por justa causa. A acusação que pesa sobre eles é a de deixarem de recolher US$ 21 milhões em impostos para a Receita Federal, quase o faturamento da empresa no País (US$ 25 milhões) e usar dinheiro indevido para criar um fundo de previdência complementar para 16 executivos, não autorizado pela matriz, no valor de US$ 1,6 milhão. O escândalo leva a empresa a uma crise sem precedentes em sua história de 60 anos no Brasil.
Como sempre acontece nessas histórias, cada um tem sua versão para os fatos. A Receita Federal não se manifesta, alegando ?tratar-se de assunto protegido pelo sigilo fiscal, tendo em vista a identificação do contribuinte?. Já um ex-funcionário que trabalhou durante muitos anos na BL Indústria Ótica, nome da Bausch no Brasil, conta o que viu enquanto estava lá. Em relação ao plano complementar de previdência, ele afirma que o programa foi criado em 2000 como forma de benefício aos funcionários de nível gerencial para cima. A irregularidade estaria no fato de ele ter sido feito sem o conhecimento da empresa, de forma retroativa ao tempo de casa de cada funcionário. No final das contas, dos US$ 1,6 milhão de rombo, US$ 1 milhão está sob suspeita. O restante seria legal, relativo à contribuição dos funcionários.
Outra questão, a da dívida com a Receita, de acordo com o ex-funcionário, teria chegado a esse montante por conta da incompetência dos executivos no entendimento do recolhimento de impostos. Por conta disso, a empresa deixou de recolher US$ 5 milhões, mais juros de US$ 7 milhões e multa que totalizam US$ 25 milhões, segundo comunicado publicado no site da Bausch & Lomb. O advogado de Temer, Claudio Pimentel, tem outra versão. Ele diz que esse rombo se deve exclusivamente a uma transação legal envolvendo ICMS. A tal operação, prevista na lei complementar 87/96, permite que empresas exportadoras, isentas do recolhimento do ICMS, transfiram os créditos excedentes para outras companhias, com deságio. Ou seja, o valor que a exportadora deixa de pagar, ela pode vender à vista, com desconto. Quem compra pode reduzir o valor do seu recolhimento. Até aí tudo bem. O problema é que a Bausch & Lomb lançou mão de uma tal de Canopi, exportadora de São Paulo, para fazer a operação. Essa Canopi duplicava as notas fiscais com o objetivo de dobrar os créditos. Foi aí que a Receita pegou todo mundo. O esquema envolveu, da mesma forma, mais de uma dezena de companhias de primeira linha, que teriam sido levadas à transação por grandes consultorias financeiras. O prejuízo da Receita é calculado em R$ 1 bilhão.
No caso da BL do Brasil, o advogado acusa a gigante Delloite Touche Tohmatsu, uma das maiores consultorias do mundo ? que segundo ele intermediava o negócio entre a BL do Brasil e a Canopi – de não ter auditado corretamente a operação. ?Entrarei com uma ação cobrando indenização rescisória da Bausch & Lomb, reclamando ainda danos morais contra a empresa e a Delloite?, afirma Pimentel. A Delloite nega ter feito qualquer negócio com a Bausch brasileira. ?Ela não é cliente da Delloite?, informou sua assessoria de imprensa. ?O caso da Canopi é conhecido. Já nos acusaram antes, nós nos defendemos e estamos processando quem levantou suspeitas contra a Delloite?. De toda forma, as investigações continuam.