As mães adoravam. Um calçado que, se não era para a vida toda, pelo menos durava o ano letivo inteiro e cabia direitinho no orçamento familiar. Os filhos, em compensação… Mais feio do que aquilo só os odiados sapatos colegiais. Eis os tênis Olympikus de 30 anos atrás ? um topa-tudo para ir à escola. Beleza era coisa para sapato de mulher. ?Descobri um pouco tarde que tênis a gente vende para o usuário, não para a mãe dele?, admite o gaúcho Nestor de Paula, controlador do grupo Azaléia, o quinto maior fabricante de calçados do mundo e dono da marca Olympikus. Antes tarde do que nunca. Apoiada no tripé marketing, tecnologia e design, a Olympikus hoje é referência internacional em artigos esportivos. Faz roupas, acessórios e calçados para atletas de primeiro time, como o tenista Gustavo Kuerten, o jogador de vôlei Giba e o velocista Claudinei Quirino. Exporta para 25 países e chega a ter na equipe que desenvolve seus produtos engenheiros da Nasa, a agência espacial americana. Ex-patinho feio, a Olympikus hoje é o cisne do mercado nacional: com 22% das vendas de tênis esportivos, é líder no País, fazendo poeira para pesos pesados como Nike, Adidas e Reebok. ?Eles podem ser bons lá fora. Aqui mandamos nós?, diz De Paula.

A transformação da Olympikus começou ainda nos anos 80, quando De Paula visitou uma feira de calçados na Alemanha e deparou com algo bem diferente do que produzia em suas fábricas no Rio Grande do Sul: novos materiais, modelos multicoloridos, alta tecnologia. ?Fiquei envergonhado do nosso atraso?, conta o empresário, que voltou decidido a reescrever a história da marca. Comprou novo maquinário para as fábricas, mandou funcionários pesquisarem o mercado internacional em busca de inspiração e bateu o martelo: dali em diante, os seus antiquados tênis escolares dariam lugar a calçados apropriados à prática esportiva. No alvo. Em dez anos, a participação da Olympikus no faturamentodo grupo Azaléia (R$ 773 milhões em 2001, com lucro de R$ 41,6 milhões) saltou de 10% para 45%. ?Já tem até tênis Olympikus pirata?, afirma De Paula.

Em 1994, as mudanças impostas por De Paula já eram visíveis nas prateleiras das lojas. Ainda não era possível, porém, enfrentar de igual para igual as marcas internacionais que faziam brilhar os olhos da garotada. Embora morto e enterrado, o Olympikus robusto, de segunda linha, tal qual um fantasma continuava a assombrar o inconsciente do consumidor. ?Precisávamos ser mais incisivos na associação da marca ao esporte?, conta De Paula. A saída? A boa e velha propaganda, principal arma das rivais. Hoje, a Olympikus banca 120 atletas e é a marca oficial do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), das federações brasileira e internacional de vôlei, da Confederação Brasileira de Atletismo e de um punhado de clubes. Entre patrocínios e mídia, a empresa gasta R$ 320 milhões por ano. Começou exibindo os três aros de seu logotipo nas quadras de vôlei, patrocinando torneios, jogadores e times. Depois, deu o pulo do gato ao fechar acordo com o COB. Primeiro, para vestir a delegação canarinha nos Jogos Panamericanos de Winnipeg, Canadá, em 1999. E então pegar o filé mignon ? a Olimpíada de Sidney 2000, na Austrália. Foi a prova de fogo que a Olympikus precisava. A empresa investiu US$ 1,5 milhão na confecção de 65 mil peças de vestuário que os atletas usaram durante o evento. ?Levamos até costureiras para lá. Nada podia dar errado?, relembra De Paula.

 

Deu tudo certo. Com o fiasco do time de futebol, bancado pela Nike, restou ao torcedor brasileiro vibrar com esportes aos quais ele não dava muita bola. Vôlei de praia, atletismo, ginástica olímpica, judô. A Olympikus deitou e rolou com as medalhas de prata e de bronze conquistadas. Finalmente a marca caía no gosto do consumidor nacional e ganhava gás para dar início ao capítulo seguinte dos ambiciosos planos de Nestor de Paula: a expansão internacional. Hoje, a Olympikus é conhecida e admirada em países da extinta cortina de ferro. Até briga por liderança de mercado na República Tcheca e na Polônia. Mas a empresa quer mais. Quer a Europa Ocidental. Por isso, vai pagar R$ 6 milhões ao ano para o tenista Gustavo Kuerten vestir Olympikus dos pés à cabeça até 2004. Camisas, bermudas, bandanas, meias ? tudo o que Guga usar em seus jogos ao redor do mundo vai estar à venda nas lojas. O carro-chefe desse processo de internacionalização são os tênis, que custam, no Brasil, R$ 239. Com numeração a partir do infantil e solado apropriado a cada tipo de quadra, eles foram feitos sob supervisão direta de Guga. O tenista participou de exaustivos testes em laboratórios e deu sugestões até o produto ficar do jeito que ele queria.

Apesar de toda tecnologia, os tênis de Guga são apenas uma amostra do poder de fogo que a Olympikus forjou ao longo dos últimos anos. Depois de consolidar a marca no Brasil e botar as asas de fora no exterior, agora é hora de a empresa mostrar que não está para brincadeira. Por exemplo: ela se dá o luxo de contratar escritórios de design nos Estados Unidos e na Itália para criar as suas coleções; torrou US$ 3,5 milhões e cinco anos em pesquisas para desenvolver o Gravitor, um tênis de corrida cujo sistema de amortecimento e tração foi desenvolvido pelo americano All Gross, ex-engenheiro do departamento de vestimentas da Nasa; e até perde dinheiro produzindo sapatilhas de atletismo, como as usadas pelo time brasileiro na conquista da medalha de prata na prova dos 4 x 100 metros na Olimpíada de Sidney. Elas são feitas artesanalmente, uma a uma, e não vendem mais de 30 pares por mês. ?Nos dão prejuízo, mas servem para mostrar o nosso potencial?, diz De Paula. Em fevereiro último, a Olympikus forneceu guarda-roupa completo à delegação brasileira que disputou os Jogos Olímpicos de Inverno, em Salt Lake City (EUA). Sem experiência em neve e temperaturas negativas, De Paula mandou pesquisar no exterior os principais fornecedores de matéria-prima. E em parceria com um fabricante austríaco, levou oito meses para confeccionar 2 mil peças, entre botas, macacões, agasalhos e jaquetas. ?As roupas estão aí, agora quero ver as medalhas?, disse o empresário ao entregar a remessa ao presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman.

 

Não por acaso, os concorrentes internacionais estão de olho nos passos da Olympikus. Todos eles já tentaram fechar acordos com a empresa para transformá-la em fabricante de suas marcas no Brasil. Nenhum dos contatos vingou e, aos poucos, Adidas, Nike, Reebok etc. passaram a ter de baixar seus preços para penetrar na seara em que a Olympikus dá as cartas ? a de tênis que custam entre R$ 40 e R$ 100. Nestor de Paula se defende atacando. No começo do ano, assinou contrato com a gigante japonesa Asics para produzir e comercializar a marca por aqui. Os tênis começarão a ser vendidos em junho e ocuparão o segmento dos ?premium?, com preços entre R$ 100 e R$ 200. Além de aumentar o faturamento da Azaléia em cerca de R$ 50 milhões nos próximos dois anos, a idéia é manter a concorrência ocupada. ?Enquanto eles se preocupam com a Asics, nós ganhamos tempo para fortalecer a Olympikus?, afirma De Paula. O empresário também não pensa em terceirizar a produção, como fazem os grandes fabricantes internacionais. Acha que o grupo Azaléia não tem vocação para isso. Só a Olympikus conta com 80 linhas de tênis e 120 de roupas e acessórios ? tudo feito em três plantas no Rio Grande do Sul e uma na Bahia. Tirando o tecido, a Azaléia produz sozinha todas as partes dos seus calçados. Chega a plantar as árvores que fornecem a madeira usada nos fornos das fábricas. ?Eu tenho fábricas modernas, produto de qualidade e preço. Para brilhar lá fora me falta apenas um pouco mais de marketing?, diz De Paula. ?Só não sei se vou ter tempo suficiente para ver isso.?

Seu Nestor, como é chamado pelos 16 mil funcionários do grupo, venceu um câncer recentemente e não dá mais expediente todos os dias na Azaléia. Ele fundou a companhia em 1958 em sociedade com dois irmãos e dois cunhados. ?Precisei pedir 20 mil cruzeiros emprestados a um tio da minha mulher que nunca tinha visto na vida?, lembra De Paula, que antes ganhava a vida como marceneiro em Novo Hamburgo. Atualmente, ele vai à sede da empresa, em Parobé (a 80 km de Porto Alegre), duas ou três vezes por semana. Até já tem um sucessor, o executivo paulista Gumercindo Moraes Neto, atual diretor de marketing. Mas De Paula ainda é o dono da última palavra nas decisões da empresa. Forte e bem disposto, ele é o mesmo furacão dos velhos tempos. A passos ligeiros, percorre diversos departamentos e, por onde passa, sem bom dia ou boa tarde, vai logo querendo saber de todo mundo: ?O que é isso que você está fazendo?? No pátio, ele pára e chama a atenção de um motorista de caminhão que tirou uma ?fininha? de uma árvore. Anda mais um pouco e, num gesto largo, aponta para os 175 mil m2 do complexo Azaléia em Parobé. ?Aqui está a minha vida?, diz. ?Que Deus me dê tempo de ver a Olympikus fazer bonito lá fora.? Ao que o diretor de marketing Gumercindo Neto intervém rapidamente: ?Já estamos fazendo, seu Nestor. Já estamos fazendo.?

 

GIGANTES EM CAMPO
Nike e Adidas duelam pela atenção do torcedor na Copa

? Os números do jogo

 Zeca Caldeira / Regis Filho
 investimento: Sartori, da Nike (primeira foto à esq.), e Kleiman, da Adidas: marketing de US$ 500 milhões para o Mundial

Além da preocupação com a Olympikus, Nike e Adidas vivem um momento especial de tensão por causa da Copa do Mundo. O mercado mundial de material esportivo movimenta cerca de US$ 20 bilhões anuais, e as duas gigantes estão carecas de saber que não existe vitrine melhor do que um Mundial. São 40 bilhões de espectadores em todo o planeta. Por isso, elas se armaram até os dentes para exibir suas marcas. Lançamento de produtos, promoções, troca de farpas, estratégias secretas ? a temperatura entre as duas maiores forças mundiais no segmento de artigos esportivos esquenta no ritmo da contagem regressiva para o pontapé inicial. Dia desses, dois jogadores da seleção da França criticaram publicamente a bola da Copa. ?É leve demais?, disseram. A Adidas, que veste a atual campeã do mundo e também fornece a bola do Mundial, ficou furiosa. E quase perdeu as estribeiras ao descobrir que os falastrões eram Henry e Thuram, ambos patrocinados pela Nike.

Quem saiu em defesa da Adidas foi a Fifa, chamando a multinacional americana de ?parasita do futebol?. A crítica se refere às ações de marketing de guerrilha adotadas pela Nike. Ao contrário da Adidas, ela não é patrocinadora oficial da Copa. Mas, gastando mais de US$ 400 milhões, já conseguiu espalhar a sua campanha publicitária do ?Torneio Secreto? pelo mundo inteiro. E nenhum centavo dessa bolada foi parar nos cofres da Fifa. ?O patrocinador oficial fica preso à competição. Nosso compromisso é com o torcedor?, ataca Celso Sartori, diretor de marketing da multinacional americana. A Adidas, que pagou US$ 40 milhões à Fifa, acha que fez um ótimo negócio. A empresa alemã exibirá suas três listras em placas colocadas em todos os estádios da Copa, nos uniformes dos árbitros, dos bandeirinhas, dos gandulas e dos 25 mil voluntários que trabalharam na organização do torneio. ?Vai ser difícil alguém conseguir mais exibição do que a gente?, rebate Luciano Kleiman, gerente de marketing da Adidas no Brasil.

No campo dos lançamentos, a Nike pela primeira vez põe no mercado nacional a linha completa de vestuário da Seleção Brasileira, do agasalho completo (R$ 380) a capas de chuva para treino (R$ 290). A Adidas contra-ataca com 60 produtos licenciados. Mochilas, bonés, camisetas, calções ? todos com o logotipo do Mundial estampado. ?Nosso objetivo é dar alternativas ao torcedor que rejeita a Nike na Seleção?, diz Kleiman. E a guerra está só começando. A próxima batalha já tem data e local marcados: 3 de junho, no estádio de Ibaraki, Japão. De um lado, a Argentina e seus uniformes Adidas. Do outro, a Nigéria vestida de Nike. É difícil apostar num vencedor. Mas já dá para saber que a Seleção Brasileira pode ficar entre os feridos dessa guerra. A 20 dias antes da estréia na Copa, o time de Felipão, patrocinado pela Nike, não havia treinado uma única vez com a bola da Copa, fabricada pela Adidas.