A democratização do acesso à internet para milhões de brasileiros – de acordo com a pesquisa anual We Are Social, o número de usuários saiu de 110 milhões para 149 milhões nos últimos cinco anos – mudou as relações entre clientes e lojistas. Os preços continuam sendo decisivos, mas há muito mais em jogo quando se trata de decisão de compra, seja no online ou em lojas físicas. O presidente da Associação Brasileira de Varejo e Consumo (ABVC), Eduardo Terra, disse que hoje “os consumidores não enxergam o meio de compra, eles enxergam a marca, então as marcas devem trabalhar para essa integração entre os meios.”

A integração de que trata Terra tem nome: omnichannel, ou multicanalidade. Se a palavra em si não é tão nova para o varejo, ao mesmo tempo ela nunca esteve tão presente. Uma pesquisa na plataforma Google Trends mostra que o termo omnichannel teve, na primeira quinzena de junho, seu ápice em buscas globais nos últimos cinco anos. Se já era tendência, agora virou realidade consolidada.

O conceito se baseia na integração dos meios de venda – não importa se por e-commerce ou em lojas físicas, se por aplicativos ou telemarketing – para oferecer a melhor experiência de compra e atendimento aos consumidores. “O atendimento por múltiplas plataformas”, afirma Terra, é a exigência de um público cada vez mais preocupado em otimizar o tempo diante de uma rotina de trabalho, estudos, cuidados com a casa, entre outras tarefas.

“O que gira o comércio é o cliente, e ele está cada vez mais inserido nos meios digitais”, diz. Por isso a adoção de uma visão omnichannel passa por uma série de etapas que devem estar bem consolidadas para a eficiência do sistema. O primeiro passo é a organização de um estoque único para o controle de entregas e o acompanhamento de demanda. Segundo o presidente da ABVC, esse é o estágio que mais exige investimento por parte dos empresários. Em paralelo, é preciso alinhar a nova estratégia com toda a equipe para atender a demanda do consumidor da forma ágil e simplificada.

Marisa

Com duas décadas de experiência no ecommerce, a rede de moda feminina Marisa, por exemplo, expande os canais de relacionamento com clientes através do sistema Clique e Retire. O formato permite que as compras feitas por meio online sejam sacadas em um ponto físico da rede. Atualmente o sistema contempla 115 lojas, em mais de 70 cidades, em 20 Estados mais o Distrito Federal.

O vice-presidente de vendas e operações da Marisa, Marcelo Pimentel, afirma que o formato é a resposta da rede às novas demandas do público. “Muitas clientes não ficam em casa durante o dia e não têm como receber os pedidos”, diz. “Nós percebemos uma aderência muito grande do serviço, principalmente na retirada em lojas localizadas em pontos de grande fluxo de pessoas, como metrôs.” A Marisa já efetivou mais de 30 mil operações de Clique e Retire durante o primeiro trimestre do ano, índice que estimula a expansão para todas as 358 lojas da rede, o que deve ocorrer até o próximo semestre.

“Não importa de onde o produto vai vir, se do estoque da loja ou do estoque do e-commerce. Nós iremos entregar para a cliente em casa ou no ponto que ela achar melhor”, afirma Pimentel. Além de fortalecer as vendas digitais, o Clique e Retira também estimula as vendas tradicionais em pontos fixos. “Nós temos a oportunidade de ‘recompra’, que é quando a cliente vai à loja retirar o produto e acaba fazendo outra compra.”

Piticas

O sistema omnichannel também pode ser adequado para franquias, como a rede de vestuário geek Piticas. Há três anos a marca investe na diversificação do atendimento aos clientes, também com ênfase na comodidade de retirar peças compradas online em diversos pontos fixos. A mudança foi motivada pelo elevado número de desistências de compras online após o cálculo do frete, diz o sócio-fundador, Felipe Rossetti.

Para superar esse gargalo, a rede começou a enviar os pedidos para a unidade mais próxima do cliente, tirando da conta do consumidor o preço da entrega na porta de casa. “O nosso objetivo é atender o cliente com o menor atrito possível. O sistema enxerga qual franqueado está mais próximo desse cliente e, caso não haja o item na loja, nós enviamos para ele do estoque central”, afirma Rossetti. A medida já vale para aproximadamente 120 das 357 unidades no País, sendo que mais de 130 estão em processo de transformação. A previsão é chegar a 100% das operações em até um ano.

Lidar com um sistema de franquia é um desafio a mais, afirma Rossetti. Segundo ele, foi preciso mostrar para os franqueados que o sistema de multicanais com base em vendas online seria um benefício, e não uma concorrência direta nas vendas físicas. Foi preciso mostrar que o e-commerce vai capturar as vendas online e passar para as lojas dos franqueados. “Já temos dados de como as vendas pela internet aumentaram em até 12% o movimento nas lojas físicas”, diz Rossetti.