Um claro retrato do que têm sido os últimos tempos de manifestações no Brasil: no desfile de Sete de Setembro, na última quarta-feira, um palanque em frente ao camarote presidencial foi montado para convidados do governo e lá acomodava uma espécie de claque organizada para saudar Lula, com palavras de ordem. Só entraram no palanque especial aqueles que receberam convites emitidos diretamente pelo gabinete da presidência. Outro grupo, bem mais longe, protestava veemente contra a corrupção e, também aos gritos, pedia o ?Fora Lula?. Nos dois movimentos, uma característica comum: o pequeno número de manifestantes, limitados quase ao time de organizadores de cada um. O povo lá não estava. Embora o País enfrente um dos períodos mais turbulentos de falta de credibilidade das instituições, os brasileiros parecem assistirem resignados ? indignados, porém apáticos, diante da enxurrada de escândalos. O abismo entre o grave momento e a resposta que a sociedade vem dando a ele não encontra paralelo histórico no País. No início da década de 1980, exaustos do regime militar, milhões foram às praças pedir ?Diretas Já?. Quase dez anos depois, quando o então presidente Fernando Collor era acusado de corrupção, os caras-pintadas ocuparam as ruas pelo impeachment. Mas e agora, onde está o povo?

Uma explicação para a ausência das massas é o fato de entidades como a CUT, a UNE a até o MST, com longa tradição em movimentos de protesto, estarem alocadas dentro do próprio governo. Usufruindo da distribuição de cargos, remessas de verbas e execuções de convênios específicos, cada uma delas comprometeu-se sem possibilidade de retorno com a atual administração. Na segunda-feira 5, fiel a esses compromissos, a CUT reuniu cerca de dois mil militantes, em São Bernardo, num ato em que era proibido falar mal do governo, apesar de ser livre a crítica à corrupção. Dias antes, num gesto histórico às avessas, a UNE puxara em Brasília uma passeata com cerca de mil caras-pintadas. Foi uma claque a favor. Ambas tentaram carregar o andor do governo, mas o povo não apareceu. Como também não apareceu na quarta-feira 6, no centro de São Paulo, quando a Força Sindical, a Fiesp e a OAB buscaram fazer sua passeata contra a corrupção. Dirigentes de entidades sindicais e empresariais telefonaram para empresas, pediram a liberação de funcionários e uma logística de transporte e alimentação girou a favor do sucesso da manifestação. Mesmo assim, o ato com ares de oposição ao governo não juntou mais de 3 mil pessoas. ?A desmobilização das massas é um fenômeno conjuntural?, avalia o líder do MST, João Pedro Stédile. ?As manifestações que têm havido são de militância, nas quais os setores de oposição tentam forçar o ?Fora Lula? e os que são a favor buscam o ?Fica Lula?. Não são massivas?.

Abatido pelos flagrantes de corrupção, o principal puxador de atos de protesto dos últimos 25 anos está fora de combate. O PT, com a nata de sua cúpula dirigente envolvida nos escândalos, sequer ousa chamar qualquer tipo de manifestação pública. ?O silêncio do PT equivale à omertá dos inimigos da lei?, registra o filósofo Roberto Romano, da Unicamp. ?É má fé e desonestidade intelectual jogar sobre a imprensa as culpas da liderança petista?.

Na outra face da moeda, o PSDB e o PFL enfrentam agora sua histórica aversão à mobilização das ruas. ?Dá para imaginar o pessoal que freqüenta a Daslu indo a passeatas??, diverte-se o psicanalista Jurandir Freire da Costa. ?Para eles, mobilização de massa é coisa do fascismo. Assim como nunca quiseram manifestações públicas de repúdio, eles não querem agora. Vão apelar ao julgamento das urnas para voltar ao poder?.

Na semana passada, uma pesquisa do Ibope apurou que 90% da população não têm confiança nos políticos. ?A ausência do povo nas ruas é um problema de motivação?, define o antropólogo Roberto da Matta. ?Há uma decepção geral com o sistema político. As pessoas se perguntam: vamos para a rua derrubar o Lula e colocar quem no lugar? Tudo isso é resultado desse quadro vergonhoso que o PT vem nos oferecendo?. Quanto ao presidente Lula, ele acredita ter encontrado a fórmula para garantir aplausos a si mesmo. Na quinta-feira 8, ao lançar no Peru a pedra fundamental da rodovia transoceânica, o presidente arrastou atrás dele um claque em dez ônibus que saíram do Acre levando convidados do governo. Depois de 11 horas de viagem, os convidados exaustos puderam ficar ao pé do palanque presidencial, aplaudir e, mais tarde, voltar para casa, distante outras 11 horas. Será mesmo que Lula acredita nisso?

Passeatas em baixa
Entidades não conseguem mais atrair multidões

Os sem-motivação
90% da população, segundo pesquisa do Ibope, não têm confiança nos políticos

A tentativa da oposição
3 mil foram ao ato da Força Sindical (esq.) e da Fiesp, que esperavam 15 mil pessoas em São Paulo

O apoio do ABC
2 mil sindicalistas comparecem ao comício a favor do governo em São Bernardo do Campo e frustraram os organizadores