A segunda-feira 25 amanheceu cinzenta. Como que prevendo o que estava por acontecer, o ministro Antonio Palocci saiu de sua casa, na Península dos Ministros, e instalou-se em seu gabinete do Palácio do Planalto, sem número, placa ou qualquer identificação. Ali submergiu no trabalho, recusando-se a participar de qualquer evento público. Saiu apenas na tarde da quinta-feira 28, para comandar a reunião do Conselho Monetário Nacional. Nesse meio tempo, o dólar oscilou entre uma alta de 2,66%, na segunda-feira, e uma queda de 1,31%, na quinta-feira. A Bolsa saiu de 3,39% negativos e subiu 2,88%. Palocci monitorou de perto. Na sala de pouco mais de 20 metros quadrados, franciscanamente decorada e a 30 metros do gabinete presidencial, o ministro montou um pequeno bunker, de onde disparou telefonemas com o intuito de blindar a economia. Enquanto Lula foi às ruas atacar as elites, Palocci conversou com elas. Os interlocutores foram empresários como Abílio Diniz, Eugenio Staub e Antonio Ermírio de Morais. Entraram na lista o ex-ministro Pedro Malan e até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A todos Palocci pediu análises do cenário. Ouviu que não deveria haver mudanças nos fundamentos macroeconômicos. Palocci captou a mensagem e a repassou ao presidente. Na mesma quinta-feira, lá estava Lula, durante uma visita a Canoas, no Rio Grande do Sul, dando o seu recado. ?Somos, ainda, uma economia muito vulnerável?, disse para o espanto dos presentes. ?Temos problemas sérios e não podemos brincar nessa parte, para que não haja um retrocesso?.

Palocci vem trabalhando em duas frentes. Divide a análise do mercado com os colegas do Banco Central e da Fazenda, principalmente o secretário-executivo, Murilo Portugal, que tem conversado diariamente com analistas internacionais. Ele vem fazendo um trabalho de mesa de operações que há tempos não se via no governo. Foi Portugal quem estimulou o BC a optar pela redução na oferta de títulos dolarizados e pela interrupção na compra da moeda norte-americana. O governo poderia comprar até US$ 4,9 bilhões para honrar compromissos da dívida externa que vencem no segundo semestre deste ano. Mas decidiu esperar até que o mercado acalmasse. Na mesma linha, o Tesouro acabou reduzindo o volume do leilão de títulos públicos. Na semana passada, foram ofertados R$ 6 bilhões em papéis pré-fixados. O leilão dessa semana foi de apenas R$ 2,5 bilhões. É ele, também, quem tem realizado uma monitoração diária no câmbio ? nos mesmos moldes que Armínio Fraga fazia. Nessas investidas no mercado, Portugal tem escutado alguns recados: a visão que se tem do Brasil lá fora é a de que a crise política é uma excelente oportunidade de compra de ativos por preços mais baratos. Afinal de contas, o País sempre se recupera e os papéis voltam a subir. Parece uma teoria simplista, mas é esta a grande diferença entre a percepção nacional e internacional da economia. ?O mercado interno vinha dando sinais de desânimo desde abril, quando viu que os juros seriam maiores que o esperado?, analisa Sergio Werlang, diretor-executivo do Itaú. ?O mercado externo, no entanto, ainda acha que o Brasil é uma boa oportunidade, tem dado lucros e não parece estar chegando no esgotamento?. Ainda assim, dizem os especialistas, o Brasil não pode se dar ao luxo de abandonar a confiança que conquistou até o momento. ?Blindagem sempre depende do poder de fogo do míssil?, atesta Paulo Leme, economista-chefe do banco Goldman-Sachs em Nova York. ?Não há economia que seja imune a ataques. Uma boa avaliação internacional se reverte em menos de 24 horas se os fundamentos não forem mantidos?.

A outra frente a que Palocci tem se dedicado ? até com mais afinco ? é a negociação política. Para grupos distintos, propôs três iniciativas. Todas complementares. A primeira, lançada há um mês, é a proposta do ex-ministro Delfim Netto de zerar o déficit nominal. A outra iniciativa é para agradar a indústria. Trata-se de uma agenda mínima e um cronograma de votações de interesse dos empresários. Palocci a tem discutido com os presidentes da CNI, Armando Monteiro Neto, e da Fiesp, Paulo Skaf. ?Não é uma agenda corporativista?, explica Monteiro. ?Precisamos disso para que a economia continue intacta?. A última idéia, lançada na semana passada, foi verbalizada pelo senador Jefferson Perez. Ele compara a situação brasileira à do Chile pós-ditadura, onde a transição do governo militar de Pinochet poupou a economia. A idéia é que a oposição e Palocci ? e eles não aceitam outro interlocutor ? sentem à mesa para fechar um acordo no qual se elevaria o superávit primário para 5% do PIB. Em compensação, o governo faria um corte drástico de custeio. ?Nossa preocupação é manter a economia inteira?, afirma Perez.

Com medo de que a crise política respingue nos mercados, o Tesouro lança medidas de agrado à banca internacional. Na quinta-feira, Joaquim Levy anunciou uma mudança de política para reduzir a dívida externa. Nos próximos dois anos, vencerão US$ 11,8 bilhões em títulos da dívida. No entanto, o governo vai rolar 80% desse valor ? cerca de US$ 9 bilhões. Tradicionalmente, a rolagem é total. Para isso, Levy decidiu usar parte das reservas internacionais de US$ 54,6 bilhões. A decisão de reduzir a exposição cambial agradou aos investidores: a Bolsa voltou a subir e o dólar caiu. Era o sinal que a equipe econômica precisava de que o teste tinha sido superado. ?Essas mudanças diminuem a possibilidade de um choque externo na economia brasileira?, disse Levy. O discurso foi encampado por Henrique Meirelles. Enquanto isso, Palocci tem mantido o máximo de discrição. Faz até o percurso entre sua casa e o trabalho protegido pelos vidros escurecidos do carro. Encontros? Somente em sua casa. Palocci chegou a ponto de ser o único ministro a não presenciar a ascensão de seu próprio subordinado, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, durante a cerimônia que criou a Super-Receita. Ele acha que se aparecer demais pode dar sinais de relaxamento e enfraquecer a blindagem anti-crise. Palocci acredita que é a hora de ficar calado – e trabalhar.

Os interlocutores do ministro Palocci

Eugênio Staub
Do presidente da Gradiente Palocci ouve mais
sugestões e menos queixas. Liga sempre

Antônio Ermírio
Maior industrial brasileiro, é consultado por
Palocci sobre os impactos das ações do governo

Fernando Henrique
O ex-presidente monitora o cenário internacional
e abre as portas do resto da oposição

Abílio Diniz
O homem do Pão de Açúcar é o termômetro
de Lula. Palocci o respeita como promotor do diálogo

 
Medo de Ribeirão
Mercado teme que denúncias atinjam ministro da Fazenda

Os operadores financeiros trabalham por esses dias com um olho nos mercados e outro nas notícias. Estão especialmente atentos às novidades de Ribeirão Preto, próspera cidade do interior de São Paulo que por duas vezes foi governada por Antonio Palocci. Desde que o ventilador de lama foi ligado em Brasília, o mercado financeiro e o meio empresarial de um modo geral temem que algo de podre espirre no ministro da Fazenda. ?Se descobrirem algo sobre o Palocci será o fim do mundo?, resume o tesoureiro de um banco paulista. ?Ele é o fiador da austeridade.? O sentimento é generalizado. Ex-trotsquista, sanitarista de formação, Palocci é o ídolo dos mercados, que se derretem com o seu estilo discreto e com o vigor da sua ortodoxia. Mas o ministro tem atrás de si uns cacos quebrados que vira e mexe fazem barulho. Em geral o ruído está associado ao nome de Rogério Tadeu Buratti, secretário de governo na gestão Palocci que está para ser indiciado por formação de quadrilha e fraude em licitações no município. Buratti também é acusado de receber propina para renovação de contratos da Caixa Econômica Federal no caso Waldomiro Diniz. Ele é uma espécie de homem-bomba político, embora não se tenha provado nenhuma vinculação entre suas malfeitorias e o prefeito a quem serviu. Outro nome que causa arrepios é o de Roberto Costa Pinho. Um dos beneficiados no listão de Marcos Valério ? tendo sacado mais de um milhão de reais ? ele foi contratado por Palocci em 2002 para tocar um projeto de revitalização urbana que custou R$ 2 milhões e nunca saiu do papel. Em tempos normais, a soma dessas histórias ? e de outras que andam por Ribeirão ? não encheria uma página. Agora esse material ganhou consistência de pólvora. Ou assim teme o mercado.