O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) enxerga uma situação “administrável” para operar o setor elétrico no momento, mas alerta para riscos crescentes de cortes de geração e perda de carga no sistema nos próximos anos, em meio à falta de recursos flexíveis, como usinas de rápido acionamento, para atender adequadamente o suprimento de energia.

Em evento nesta quinta-feira, o diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, ressaltou que a operação do sistema elétrico brasileiro está cada vez mais complexa em função da alta penetração das energias renováveis intermitentes, mas disse que o órgão consegue garantir o funcionamento do setor de forma “desotimizada”, ou seja, operando apesar das ineficiências”.

Zucarato enfatizou que há riscos cada vez maiores de cortes da ordem de vários gigawatts de geração e carga no Brasil, enquanto o governo avança lentamente na contratação de mais capacidade para o sistema elétrico.

“Minha equipe de planejamento já consegue enxergar o dia em que a gente vai ter que cortar geração, em escala de dezena de gigawatt de manhã, e cortar carga em escala de unidade de gigawatt na noite do mesmo dia. Independente do cenário hidrológico, se está chovendo, se está atrasado o período chuvoso”, alertou o diretor de Planejamento do ONS, durante participação em evento da MegaWhat.

O sistema elétrico precisa operar com um equilíbrio entre geração e consumo de energia. Quando há desbalanços, para evitar problemas sistêmicos, o ONS precisa ou reduzir a geração, limitando a produção dos geradores, ou até mesmo cortar a carga, interrompendo o fornecimento de energia para unidades consumidoras.

Ele mencionou relatório do órgão que aponta uma probabilidade de 96% de que, em 2029, haja algum tipo de perda de carga por insuficiência de potência no sistema elétrico.

“É assustador você olhar que existe 96% de probabilidade de você perder carga por insuficiência de recursos, em todos os cenários… Era para você correr risco de 5% de ter problema, a gente está com 5% (de probabilidade) de dar certo.”

Citando outro relatório, Zucarato apontou que, em um horizonte de cinco anos, haverá necessidade de cortes de geração em mais de 80% das horas diurnas, de 9h às 16h.

Ele ressaltou a importância da realização, pelo governo, do leilão para contratar mais capacidade para o setor elétrico. O certame, que já está atrasado, teve suas regras colocadas em consulta pública no mês passado.

Segundo o diretor do ONS, preocupa o fato de que ainda há muitos passos para o certame efetivamente se concretizar, enquanto a indústria já começa a sinalizar gargalos para entrega de equipamentos.

“A gente ainda tem que garantir que a consulta pública termine, que saia a portaria de diretrizes, a turma não resolva judicializar novamente a portaria de diretrizes porque não gostou do resultado da consulta pública, que o leilão aconteça, que não dê vazio, que a cadeia de suprimento consiga entregar…”

“Não tem mais espaço de hesitação. Estamos chegando muito perto de um ponto de não retorno que preocupa.”

Falta de flexibilidade

O diretor do ONS também observou que o grau de flexibilidade da matriz elétrica brasileira está “aquém do desejável”, mas é possível operar “a custo de desotimização”.

“Se cortar tudo que tem, bateu na inflexibilidade total, vai ter algum colapso, sobrecarga, vai apagar tudo? Não, abre o vertedouro (da hidrelétrica) e está tudo certo. A gente vai operar com os recursos que estiverem. O vertedouro não é pra ser operado como uma ‘antitérmica’, não é pra isso que ele foi feito, mas se o sistema for colapsar… Solução tem, mas a questão é, que eficiência tem essa solução?”, afirmou Zucarato.

A falta de flexibilidade na matriz brasileira tem feito com o setor conviva com uma série de situações indesejáveis e que elevam os custos de operação. Por exemplo, térmicas que só são necessárias apenas no fim do dia, para compensar a saída da energia solar, são ligadas várias horas antes devido à sua rampa de operação, agravando os cortes de geração de outras fontes, como renováveis.

Zucarato disse que o ONS está mobilizando todos os recursos no atual período seco, com manobras operativas hidráulicas e aproveitando o “máximo possível” dos ativos existentes, o que tende a elevar os custos.

Uma das ações é o acionamento de grandes térmicas movidas a gás natural liquefeito (GNL) que tiveram regras flexibilizadas, já que contratualmente o despacho desses empreendimentos têm que ocorrer com 60 dias de antecedência.

“Em Porto Sergipe, estamos falando de 1.500 MW rodando na base, 24/7, durante algumas semanas nessa transição do período seco para o período chuvoso… Quando se pensou no modelo de contrato com 60 dias para viabilizar a entrada de GNL, anos atrás, não se tinha visibilidade à época do que a gente precisaria (hoje)”.