“A simplicidade é o mais alto grau da sofisticação.” A frase atribuída ao polímata italiano Leonardo da Vinci se encaixa quase que perfeitamente no modelo de negócio da BIC, fabricante de canetas, isqueiros e lâminas de barbear e depilar. Seu produto mais icônico é a caneta esferográfica cristal, clássica, criada em 1950. É tão simples quanto sofisticada, a ponto de o modelo original, desenhado pelo fundador da companhia, Marcel Bich, sofrer mínimas mudanças em 74 anos de existência – uma delas a abertura na tampinha para gerar fluxo de ar para segurança infantil. Isso décadas atrás. O produto continua 99% o mesmo.

Assim como seu sucesso de vendas.
 São 5,1 bilhões de canetas cristal BIC comercializadas por ano no mundo.
 Ou 14 milhões por dia.
 Ou ainda 583,3 mil por hora, 9,7 mil por minuto, 162 por segundo.
 No Brasil, são 400 milhões delas vendidas por ano.
 Praticamente duas por habitante.

A identificação é tanta, que muitos pensam que a empresa de origem francesa, com headquarter nos Estados Unidos, é brasileira. Apesar de não ser, é preponderante para a marca, ao tornar-se a segunda maior operação da BIC no planeta, a partir de crescimento em dois dígitos, próximo dos 20%, nos últimos cinco anos, enquanto a média da companhia foi de um dígito alto, em torno dos 9%. O mercado nacional puxa os resultados da corporação na América Latina, responsável por 20% do faturamento global de 2023, na ordem de 2,263 bilhões de euros.

A BIC quer continuar escrevendo sua história no País com resultados positivos. Para isso, aposta em lançamentos. Os inéditos lápis premium em madeira, com estojos de 12, 24 e 36 cores, estão nas prateleiras para disputar mercado com gigantes como Faber-Castell. Fazem parte da linha BIC Kids, apresentada ao público na 27ª edição da Bienal do Livro de São Paulo, realizada em setembro. São diversos produtos para colorir, em embalagens modernas e lúdicas, agora decorada com novos personagens.

Outras novidades lançadas na feira foram as canetas de gel BIC Gelocity Stick e a BIC 4 Cores, com novas estampas e uma versão em que uma das quatro saídas é lapiseira, além de modelos com paleta de cores diferenciadas. Essas são as inovações no segmento de “expressão humana”, como é tratada internamente o portfólio de canetas. Mas há também lançamentos na vertical de “chama para a vida”, como o novo acendedor Ez Reach, e na “lâmina de excelência”, com depiladores da marca Soleil Escape, setor em que, por exemplo, enfrenta a concorrência da Gillette.

“O Brasil continua sendo um mercado estratégico para BIC, consolidando-se como a segunda maior operação no mundo e contribuindo significativamente para nossos resultados globais”, disse Olivier Debruyn, CEO da BIC Brasil e Argentina, ao projetar resultados positivos para o fechamento de 2024. “Vemos um cenário promissor com projeção de crescimento em todas as categorias”, salientou.

Segundo Gustavo Didier, CEO e fundador da Unio Company, gestora e transformadora de negócios, o sucesso da BIC no Brasil pode ser atribuído a fatores como qualidade e preço acessível, distribuição ampla e capilaridade, inovação simples, força da marca, marketing estratégico e vantagem acumulada. “Consolidou-se como uma referência em artigos do dia a dia, como as canetas esferográficas BIC Cristal, que combinam durabilidade e preço baixo. Essa relação custo-benefício se alinha com a realidade do mercado brasileiro, onde consumidores buscam produtos confiáveis que caibam no orçamento”, avaliou. “Continua a ganhar espaço e preferência nos pontos de venda, tornando-se uma escolha quase automática para muitos consumidores”, completou.

O relançamento de produtos da linha kids é acompanhado de uma campanha de marketing ”Criando o UAU!“, que visa conectar ainda mais as crianças aos familiares (Crédito: Divulgação)

EVOLUÇÃO

O desenvolvimento dos negócios da BIC no Brasil ocorreu nos últimos cinco anos, basicamente, por uma evolução substancial nas vendas de isqueiros durante a pandemia (a subida do dólar e o aumento do valor do frete prejudicou o mercado ilegal e favoreceu produtos de procedência), os avanços na linha de lâminas para mulheres e, claro, a manutenção dos bons índices de vendas da linha de canetas.

Para se ter ideia da penetração dos produtos BIC no Brasil, os isqueiros da marca estão em mais de 600 mil pontos de vendas. É a segunda maior capilaridade de um produto no País, de acordo com relatório da empresa de análise de dados Nielsen – atrás apenas da Coca-Cola.

A operação da fabricante francesa por aqui já é 10% maior do que o período pré-pandêmico. “Nesses últimos anos, ganhamos um protagonismo mais forte, ao crescer o dobro da média do grupo. Saímos da 5ª ou 6ª posição global para ser o segundo mais importante para a companhia no mundo conta dessa aceleração”, disse Abner Pizzo, diretor de Marketing da BIC Brasil e Argentina.

Mas os resultados de hoje também são de frutos plantados ao longo dos anos.
• Na última década, a fábrica de Manaus (AM) recebeu investimentos de R$ 500 milhões.
• A planta manauara opera desde 1973, quando iniciou com 500 metros quadrados e 50 colaboradores.
 Atualmente, conta com mais de 50 mil m² e 820 funcionários.
 É a primeira no mundo da companhia a produzir as três categorias de produtos em uma única unidade.
 Das máquinas saem 370 tipos de produtos. Por dia, são 3,7 milhões de unidades produzidas.

(Divulgação)

“Nesses últimos anos, ganhamos um protagonismo mais forte, ao crescer o dobro da média do grupo, Saímos da 5 a ou 6 a posição global para ser o segundo mais importante para a companhia”, diz Abner Pizzo, diretor de marketing da BIC Brasil e Argentina.

DESAFIOS

Com produtos simples, acessíveis e confiáveis, o desafio da BIC é levar inovação ao consumidor. Confiar na tradição da marca não significa estar parada no tempo. Pelo contrário.

•No Brasil, em uma espécie de rejuvenescimento, a empresa criou o BICverso para se aproximar da Geração Z.

 Lançou um mapa no Fortnite, um dos jogos mais populares.

 Também está em plataformas como o Roblox, onde se apresenta com o DrawPlanet: Go Make WOW, onde os usuários podem liberar sua imaginação e se expressar pro meio dos produto BIC. É mais branding. Com conexões ao público-alvo. Mas gera venda na ponta do processo.

Negócios diferenciados, de fato, a BIC tem desenvolvido na Europa e América do Norte. Desde 2022 está forte no mercado para aquisições. Entre elas a canadense Inkbox, em 2022. A marca de tatuagem temporária faz parte da estratégia para “alargar o portfólio de expressão humana da BIC”, disse a companhia em comunicado dois anos atrás. A fabricante de canetas também comprou a AMI (antiga ISKN), criadora do tablet ISKN Repaper, que permite aos usuários capturar elementos escritos ou desenhados em papel normal em um formato digital. E ainda adquiriu a empresa detentora do Rocketbook, um caderno inteligente que a pessoa pode escrever e imediatamente o conteúdo é digitalizado ou tira uma foto de um documento e a ferramenta transcreve para o digital.

Para Rafael Rebola, sócio do RVF Advogados, especializado em Direito Empresarial e M&A, essas aquisições são fundamentais para transformar a BIC em uma empresa mais digital e diversificada. “Busca não apenas fortalecer suas operações principais, mas também se posicionar em novas áreas de crescimento, incluindo e-commerce, tecnologia sustentável e serviços digitais, para aumentar seu alcance no mercado global.”

Essas soluções estão sendo trabalhadas para serem difundidas de forma massiva. Talvez sejam mais sofisticadas do que simples. Mas nesse aspecto entra outra frase atribuída a Leonardo da Vinci: “Quem pensa pouco, erra muito”. A BIC tem pensado. E agido. Para fazer o simples. E o sofisticado. E vice-versa.