10/11/2000 - 8:00
O grupo Vicunha, dono do maior parque têxtil da América Latina, sufocado por uma dívida de R$ 1 bilhão, decidiu dar marcha à ré. Sua saída da Companhia Vale do Rio Doce, determinada pelo governo para que se restrinja à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no ramo do aço, já era conhecida. Só que é apenas a ponta do iceberg. Ricardo Steinbruch, um dos principais acionistas, revelou à DINHEIRO que o grupo será partido ao meio até dezembro. De um lado ficará o ramo têxtil, do outro, o siderúrgico. Os dois constituirão empresas totalmente independentes. ?Eles terão que responder pelas suas decisões e as dívidas serão separadas?, declarou Ricardo. A decisão é corajosa, pois o braço têxtil, a cargo do empresário, é o que tem mais problemas. Responde por mais da metade da dívida do grupo e não tem um desempenho fantástico. Seu lucro operacional foi de R$ 120 milhões no primeiro semestre, contra os R$ 212 milhões da CSN.
A mudança significa que o plano traçado por Mendel Steinbruch, fundador da Vicunha ao lado de Jacques Rabinovich, em 1966, vai por água abaixo. A partir de 1994, diante da abertura do mercado e do bombardeio da importação de têxteis e confecções, Mendel apostou na diversificação dos negócios. Além da aquisição de parte da CSN, o grupo entrou no consórcio que levou por R$ 520 milhões a Maxitel, empresa de telefonia celular da banda B da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, e comprou ainda 41,50% da Cegás, empresa de gás do Ceará. ?A estratégia inicial do meu pai estava correta, mas exageramos na diversificação?, admite Ricardo. Nos últimos meses, enquanto seu irmão Benjamin Steinbruch, presidente da CSN, se digladiava com a Bradespar e a Previ no processo de descruzamento de ações da siderúrgica e da Vale, Ricardo passou a estudar uma maneira de preservar a saúde financeira das 17 fábricas do ramo têxtil e de confecções. Promoveu em outubro um road show com 76 representantes de investidores no Hotel Renaissance, em São Paulo, e no centro de convenções RB1, no Rio de Janeiro, para defender aplicações na companhia. Vai colher os frutos nesta semana, quando R$ 100 milhões em debêntures devem ser captados no mercado. O valor significa 20% da dívida de R$ 575 milhões que a Vicunha Nordeste, holding que administra os negócios com tecidos e confecções, carrega nas costas. ?Esses papéis fazem parte da estratégia de alongamento da nossa dívida. Depois vamos até mesmo adquirir empresas do setor.?
O tom de confiança é de estranhar. As ações da Vicunha são muito pouco negociadas na Bovespa, e o mercado sabe das dificuldades enfrentadas pelo grupo. ?Não acompanhamos o desempenho dos papéis da Vicunha porque eles têm pouca liquidez?, afirma Einar Rivero, gerente da Economática, empresa especializada no levantamento de dados financeiros. A Vicunha é ainda conhecida por viver de benefícios do governo, como os concedidos pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e de financiamentos baratos, como os R$ 106 milhões que deve atualmente ao BNDES. Ricardo garante, no entanto, que os tempos de dificuldades econômicas do grupo são passado. ?Modernizamos radicalmente a companhia na última década. Fechamos fábricas e reduzimos o número de empregados pela metade. Hoje, os 16 mil trabalhadores produzem praticamente o mesmo que em 1994.? Apesar de o faturamento no ano passado ter sido de R$ 1,4 bilhão, praticamente o mesmo que há sete anos, o lucro operacional cresce, ainda que lentamente. No primeiro semestre chegou a R$ 120 milhões, 15% a mais que os R$ 103 milhões do mesmo período de 1999.
A cisão completa do grupo Vicunha, com o fim da holding Textília, que administrava todos os negócios, é uma jogada importante, pois os problemas no braço têxtil não repercutirão no siderúrgico e vice-versa. Os investidores poderão, portanto, apostar em quem confiam mais. Ricardo afirma que a expansão de sua companhia está garantida sobretudo com o crescimento das exportações. ?Hoje somos capazes de competir com as maiores empresas têxteis do mundo. Vendemos produtos para os EUA, América Latina, Europa e Ásia?. As vendas externas avançaram 15% somente neste ano e já representam 11% do faturamento da Fibrasil, Fibra, Vine Têxtil e Fibra Du Pont, empresas que estão sob o guarda-chuva da Vicunha Nordeste. A maioria da produção é de brim e índigo. No segmento de confecções, boa parte é encomendada por empresas de artigos esportivos, como a Nike e a Adidas. Mas a Vicunha tem planos de entrar de novo na produção de calças jeans, peça que deixou de fabricar em 1997 depois que a Lee reclamou de volta sua licença no Brasil. ?Estamos negociando com os norte-americanos a produção de calças e vamos exportá-las, em vez de entregar apenas o brim. Sai mais barato para eles.? Só que a Vicunha esbarra em uma recente decisão tomada pelo governo dos Estados Unidos, que dá isenção total de imposto de importação aos fabricantes de jeans no exterior que utilizarem tecidos norte-americanos. A companhia brasileira permanece sujeita à tributação de 16%. É mais um capítulo da novela de subsídios e incentivos adotados pelos EUA contra vários países. Um problema que pode ficar a cargo do Itamaraty e do novo governo norte-americano.