Congresso e governo receberam de operadoras de saúde uma proposta para abrandar as regras que regulamentam o setor. A ideia apresentada pelo grupo é facilitar a oferta de planos individuais, permitindo a criação de contratos com menor cobertura e mensalidades mais baixas.

Caso a solicitação seja atendida, será possível a oferta de planos para atender apenas determinados tipos de doença – como cardíacas ou renais – ou para procedimentos específicos. A ideia é fazer um “pay-per-view” da saúde, em que clientes montam o plano de atendimento conforme seu interesse e pagam de acordo com as opções que incluírem.

Se a proposta for aceita, poderá haver no mercado convênios que não façam atendimento para câncer ou problemas renais, por exemplo. Pacientes que necessitarem do tratamento, e não tiverem previsão de cobertura, terão de recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Especialistas em saúde preventiva e direito do consumidor dizem temer que, uma vez aceita essa modalidade, planos deixem de colocar no mercado modalidades de coberturas que impliquem tratamentos muito caros. Ou, então, que cobrem preços proibitivos.

Pela proposta, esses novos contratos não responderiam às regras atuais para reajuste. Os porcentuais seriam determinados caso a caso, de acordo com a característica de cada carteira. Operadoras reivindicam ainda o fim da proibição do reajuste por idade para usuários com mais de 60 anos, a possibilidade de o setor privado “alugar” equipamentos do SUS para atender clientes, a permissão do uso da telemedicina, prazos mais longos para a regra que fixa um limite de espera para a obtenção de uma consulta ou terapia e punições mais leves em caso de descumprimento de regras.

Uma carta com as diretrizes gerais foi encaminhada para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O assunto também é debatido por um grupo restrito de parlamentares. De acordo com assessores de Maia, ele ainda não fez uma análise aprofundada do tema. A intenção de operadoras é de que a pauta comece a ser debatida tão logo a reforma da Previdência seja concluída.

Governo

A reportagem apurou que parte das mudanças conta com o apoio do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que no passado foi presidente da Unimed. O setor tem ainda outro aliado no governo: Rogério Marinho, atual secretário especial de Previdência. Há dois anos, como deputado federal, Marinho foi relator de um projeto na Câmara para reformular a atual Lei de Planos de Saúde.

Em vigor desde 1998, essa legislação fixa garantias mínimas de atendimento para usuários. Atualmente não é permitida a existência de planos segmentados que ofereçam, por exemplo, apenas alguns tipos de consultas. Há ainda a garantia de acesso a um rol mínimo – uma lista de exames e terapias que são de oferta obrigatória. O rol é atualizado periodicamente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O relatório apresentado por Marinho apresentava muitas semelhanças com as sugestões agora feita pelas operadoras de saúde. Na época, no entanto, a discussão não avançou, uma vez que havia resistência de empresas que atuam como administradoras de planos.

O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Reinaldo Scheibe, avalia que o relatório inicial era muito extenso, o que aumentava os riscos de pontos divergentes. A estratégia agora é apresentar uma proposta enxuta, com pontos em que todo o setor esteja de acordo.

O Estado de S. Paulo teve acesso à carta encaminhada para o Legislativo com as principais reivindicações. Com 11 páginas, o documento sugere ainda a reativação do Conselho de Saúde Suplementar, uma instância que, para analistas, esvaziaria as atribuições da ANS. Caberia ao conselho definir as estratégias principais do setor, incluindo as regras para reajustes de planos.

Procurado, o ministro da Saúde afirmou que não teria como comentar as propostas neste momento. Mandetta argumentou que planos são de responsabilidade da ANS, quando envolvem resoluções e normas para o setor, e do Congresso, em relação à legislação.

Estancar perda de clientes

A mudança na lei e a criação de formatos mais acessíveis é considerada por empresários do setor uma alternativa para atender pessoas que deixaram o mercado de trabalho formal e hoje estão sem cobertura. A saúde suplementar perdeu, entre 2014 e junho de 2019, cerca de 3 milhões de beneficiários. Atualmente, 47 milhões de pessoas têm algum tipo de plano de saúde. Desse total, 30 milhões têm planos coletivos empresariais.

Contratos individuais foram aos poucos deixando de ser ofertados no mercado com a lei de 1998. Ela estabelece uma lista de procedimentos mínimos e regras claras para o reajuste das mensalidades. O documento a que o Estadão teve acesso, preparado pelas entidades, argumenta haver um risco de a saúde suplementar se transformar em um “artigo de luxo destinado a uma pequena parcela da população”. O documento atribui o cenário atual ao aumento de custos médicos, à tributação excessiva e às distorções na regulação do setor.

As entidades criticam ainda o rol de procedimentos médicos. E reivindicam que a lista seja substituída por protocolos – que contariam com a participação de representantes de operadoras de saúde. “Está clara a intenção de reduzir o acesso”, critica a professora da Universidade Federal do Rio Lígia Bahia.

E a proposta não se restringe à criação de planos individuais com regras mais brandas. Há também um esforço por convênios empresariais com coberturas menos extensas. Scheibe afirma haver uma demanda de empresários por contratos mais simples. “A lei exige uma Ferrari, mas o mercado consegue pagar por um carro mais simples. Não seria melhor atender?”

Integração

O documento propõe ainda a integração entre saúde pública e privada. Scheibe afirma que isso pode ser feito com base no compartilhamento do histórico do paciente. Hoje, afirma, se um paciente do SUS é atendido na rede privada não há como ter acesso a exames ou prontuários. Essa interação, completa, poderia se dar também por meio do pagamento direto de empresas de planos de saúde para o SUS. Hoje, a regra determina o ressarcimento dos gastos.

O presidente da Abramge cita como exemplo o caso de um usuário de plano de saúde que sofre um acidente e é encaminhado para um hospital do SUS. “Por que não pagar diretamente a diária e, numa segunda etapa, transferi-lo para uma unidade do plano?” Questionado sobre a carta enviada para alguns parlamentares, Scheibe afirmou se tratar apenas de linhas gerais, um primeiro passo para fazer discussões mais aprofundadas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.