17/06/2022 - 6:26
A Amazônia sempre foi um lugar perigoso para ativistas. Em 1988, Chico Mendes, líder sindical dos seringueiros, foi assassinado a tiros em Xapuri, no Acre. Em 2005, a religiosa Dorothy Stang, ativista social vinda dos Estados Unidos, foi morta em Anapu, no Pará. Outras dezenas de ativistas pagaram com a própria vida por lutarem contra a devastação da Amazônia e por uma sociedade mais justa no norte selvagem do Brasil.
Nesta quarta-feira, o presidente Jair Messias Bolsonaro mencionou Dorothy, dizendo que ninguém culpou o governo do PT pela morte de Dorothy Stang. Ele acha injustas as críticas que está recebendo pelos comentários infelizes que fez sobre Dom Phillips e Bruno Pereira, e pela situação precária de segurança no oeste amazônico.
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Para começar, durante os governos de Lula e Dilma, havia SIM muitas críticas de ambientalistas e ativistas sociais em relação a como o governo petista tratava a Amazônia. “Lula e Dilma passarão para a História como predadores da Amazônia”, disse Dom Erwin Kräutler, em 2012, se referindo à construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O bispo do Xingu também cobrava o governo petista paraense pelo mau desempenho da Justiça estadual em resolver o caso de Dorothy.
Havia também muita frustração por parte do Movimento Sem Terra pelo lento avanço da reforma agrária na região Norte durante os governos petistas. Mas, por outro lado, o governo Lula teve em Marina Silva uma ministra do Meio Ambiente capaz de fortalecer os órgãos de fiscalização na região. Assim, as altas taxas de desmatamento começaram a cair, a partir do primeiro governo Lula, de quase 28 mil quilômetros quadrados por ano em 2004 para 4,5 mil em 2012.
Havia, naquela época, um discurso forte de vontade de preservar a Amazônia. E de pôr ordem na região. O governo Michel Temer abandonou, então, a preservação da floresta em troca de votos da bancada ruralista. Sem ela, Temer não teria terminado seu mandato. Com Bolsonaro, os ventos mudaram de vez. Desde que ele surgiu no cenário político, passou a espalhar seu veneno verbal contra indígenas, ativistas e movimentos sociais. Ele confunde políticas liberais com liberar geral – para garimpeiros, madeireiros, caçadores e fazendeiros.
A partir de 2018, ano em que Bolsonaro alcançou destaque nacional e se elegeu presidente, as viagens para a Amazônia mudaram. Encontramos garimpeiros sem medo da fiscalização, e, ao mesmo tempo, fiscais com medo dos garimpeiros. Cartazes de apoio a Bolsonaro são onipresentes na Amazônia, ao lado das fazendas onde se desmata e se queima a floresta sem medo de punições. Com o governo Bolsonaro, as multas ambientais se foram, levadas pela boiada.
A Amazônia virou uma terra sem lei. Abandonada pelo governo que deveria pôr ordem lá. Aliás, vale lembrar que Bruno Pereira tinha sido exonerado do seu cargo na Funai depois de organizar uma megaoperação contra garimpeiros. Aparentemente, um governo que se diz conservador e de direita não gosta de conservar nem de pôr ordem.
Assim, quem hoje em dia manda em regiões como o Vale do Javari são grupos criminosos, até internacionais, com narcotraficantes vindos do Peru, da Colômbia e da Venezuela fazendo negócios em terras brasileiras. Cadê o Exército brasileiro, que tanto fala da soberania sobre a Amazônia? Está, aparentemente, ocupado em fiscalizar urnas eletrônicas em vez de combater crimes. Cadê a ordem e o progresso?
Quantas vezes ouvimos o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, denunciar ONGs e ativistas estrangeiros por supostamente quererem roubar a Amazônia. Até suspeitava-se que Heleno teria mandado grampear bispos católicos antes do Sínodo sobre a Amazônia, em 2019. Errou o alvo. Buscou comunistas atrás das árvores, mas não viu os narcotraficantes.
Os inimigos do país não são os bispos, nem os fiscais, nem os ativistas ambientaos ou os indígenas. É o crime organizado, que, sob o governo Bolsonaro, se sente livre para se expandir. Não só na Amazônia, aliás, mas também em cidades como Rio de Janeiro, onde cada vez mais áreas estão sob o domínio da milícia.
O Brasil nunca será uma Venezuela, repete Bolsonaro. Bom, pode não ser uma Venezuela, mas cada vez mais, o Brasil parece estar a caminho de se tornar um narco-Estado como o México ou a Colômbia. Uma terra sem lei.
Dom Phillips e Bruno Pereira lutavam contra essa degradação do Brasil. Tarefa que deveria ser do próprio Bolsonaro e seu governo. Por seus serviços pelo Brasil, Dom e Bruno ganharam nada menos que o desprezo presidencial.
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Thomas Milz é correspondente e colunista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.