Na semana passada, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tomou várias decisões na economia que deixaram os investidores de cabelo em pé.

O governo federal insiste, por exemplo, na proposta de emenda constitucional (PEC) que permite gastos extras de cerca de R$ 200 bilhões acima do limite legal, a chamada PEC da Transição. Isso equivale a uma despesa extra de mais de 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

O motivo é que o governo quer elevar o Auxílio Brasil para R$ 600, além de financiar outros programas sociais que, de outra maneira, estariam ameaçados.

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Para isso, porém, bastariam cerca de R$ 100 bilhões. Torna-se evidente que o governo, ao tentar obter o dobro desse valor, pretende conseguir luz verde para elevar fortemente os gastos públicos.

E a dívida brasileira já é, hoje, bem maior do que a de outras economias emergentes, o que torna ainda mais problemático o fato de estar plenamente em aberto como essas despesas extras serão financiadas. O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espera que uma arrecadação maior possa financiar despesas maiores.

Mas não há garantias de que será assim. Certo é que as despesas extras previstas já estão cobrando agora o seu preço: em vez de reduzir a taxa básica Selic já nos próximos seis meses (dos atuais 13,75%) porque a inflação está em queda, o Banco Central deverá, ao contrário, elevar novamente os juros.

O ex-diretor do Banco Central Fabio Kanczuk calcula que a Selic poderá até mesmo subir para 16% no próximo ano. Isso iria desaquecer a economia e elevar o desemprego. E o Brasil teria uma das taxas de juros mais elevadas do planeta.

Lei das Estatais

Também as mudanças previstas na Lei das Estatais deixaram os investidores desconfiados. A lei havia sido aprovada em 2016, com base nas experiências trazidas pela Operação Lava Jato. Uma quarentena de três anos deveria impedir que políticos obtivessem posições influentes em bancos e empresas estatais.

Lula quer reduzir a quarentena para um mês. Além disso, empresas estatais poderão novamente colocar até 2% de seu faturamento em publicidade e patrocínio, em vez dos atuais 0,5%. O projeto foi aprovado às pressas pela Câmara e está agora no Senado.

O motivo para a mudança é evidente: com regras menos rígidas, o governo poderia preencher cerca de 700 cargos-chave em empresas estatais com aliados políticos.

Essa é uma medida importante para as negociações para obter maioria no Congresso. Cargos em empresas como Petrobras e Banco do Brasil permitem a Lula ganhar votos no Congresso. E ele precisa urgentemente desses votos, pois o PT e os demais partidos de esquerda têm apenas uma minoria de mandatos.

Isso explica também porque os deputados do chamado centrão aprovaram com tanta pressa a proposta. Eles serão, afinal, os primeiros beneficiados com a distribuição de postos nas estatais.

E a ampliação do teto de gastos com publicidade e patrocínio também é uma benção para muitos políticos: a Petrobras, por exemplo, poderia investir R$ 13 bilhões em vez de R$ 3 bilhões só este ano. Nos governos anteriores do PT, a Petrobras patrocinou, em várias regiões do Nordeste, “projetos culturais” que, no fim das contas, serviram apenas para angariar eleitores.

O senador Tasso Jereissati criticou a alteração da legislação e afirmou que se trata de um “retrocesso histórico” rumo a uma “República de bananas”.

Cargos para dividir entre aliados

A isso se soma que Lula deseja preencher os postos de chefia no BNDES e na Petrobras com aliados políticos próximos. O motivo: o novo governo quer ter novamente uma política industrial, e um papel central deverá ser desempenhado pelo BNDES.

O porém é que a chamada “política dos campeões nacionais” do BNDES, nos governos anteriores do PT, ajudou sobretudo conglomerados que poderiam ter se financiados sozinhos e que, mais tarde, se envolveram várias vezes em escândalos de corrupção.

Lula ainda declarou que não haverá privatizações no seu governo. Especialistas dizem que o futuro governo gostaria também de rever a participação de empresas privadas no setor de saneamento básico, o que se tornou possível com o novo marco legal do saneamento .

Só que o tradicional controle das prefeituras sobre as empresas públicas de água e esgoto fez com que milhões de brasileiros não tivessem rede de esgoto nem água potável. E essas empresas costumam virar cabides de emprego.

Muitos ficam também desconfiados por Lula querer ampliar a capacidade das refinarias estatais, bem como reavivar o setor naval para a indústria de petróleo e gás. Isso tudo faz lembrar os escândalos da Lava Jato: justamente os projetos de refinarias e os estaleiros mostraram ser, mais tarde, os principais focos de corrupção nos governos do PT, nos quais bilhões da Petrobras se perderam.

Que Lula queira reavivar uma política industrial estatal justamente nesses setores — isso traz más lembranças. Até então, os investidores tinham esperanças de que o ex-presidente fosse adotar pragmatismo nas políticas econômica e fiscal, como nos seus primeiros governos. Mas essas esperanças estão se esfacelando.

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Alexander Busch é jornalista e colunista da DW Brasil. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.