29/07/2015 - 19:00
É difícil saber qual idioma usar nos corredores do prédio da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suíça. Desde que o brasileiro Roberto Azevêdo assumiu o posto mais alto da instituição, em 2013, no entanto, ficou mais corriqueiro ouvir o português entre as línguas oficiais (inglês, francês e espanhol) usadas no local. Nascido em Salvador e formado em engenharia, o diplomata foi o primeiro brasileiro a assumir a direção-geral da entidade. No cargo, Azevêdo é hoje o responsável por lidar com 161 nações e carrega a dura missão de destravar as negociações da Rodada Doha, que desde 2001 pretende reduzir barreiras comerciais no mundo, com ênfase nas demandas dos países em desenvolvimento. Enquanto aguarda a conferência ministerial de Nairóbi, no Quênia, em dezembro, Azevêdo tenta aprovar programas para facilitar as negociações. Em julho, ele recebeu a DINHEIRO na sede da instituição, e falou sobre o futuro do comércio e o seu papel no combate à pobreza extrema.
DINHEIRO – Uma reunião na Organização Mundial do Comércio (OMC), neste mês, tratou das negociações da Rodada Doha. O sr. acredita que haverá progresso na Conferência Ministerial de Nairóbi?
ROBERTO AZEVÊDO – Tínhamos um mandato para concluir um programa de trabalho voltado a finalizar a Rodada de Doha. O programa discutido na última reunião seria uma espécie de meio de caminho. No entanto, não acredito que estejamos em condições de definir um programa de trabalho que hoje seja útil. Se o aprovássemos agora, seria muito vago. Temos até 31 de julho, pode ser que até lá isso mude. Mesmo sem um documento de meio de caminho, não nos impedirá de negociar e de chegar ao que planejamos para Nairóbi. Nosso objetivo final é chegar a resultados significativos no Quênia.
DINHEIRO – Quais serão os próximos passos?
AZEVÊDO – Continuaremos as negociações de maneira intensa. Na OMC, tudo é sempre muito difícil. Mesmo em Bali, na Indonésia, conseguimos os resultados no último minuto, foi por um fio. Concluir essa discussão não será diferente, mas não acho que será impossível. Se vamos ou não conseguir, só com bola de cristal. Sou engenheiro, não posso ser pessimista e nem otimista. Sou realista. Acredito que há espaço para algum acordo, mas é muito reduzido. É um exercício de extrema delicadeza e sensibilidade.
DINHEIRO – Nas últimas semanas, avançaram as negociações para a ampliação do acordo sobre tarifas de eletrônicos. Qual é a importância desse acordo?
AZEVÊDO – A expansão do Acordo de Tecnologia da Informação (ITA) é um passo importante para uma maior integração global nesse setor, que alavanca a competitividade de toda a economia. Os países que negociaram o acordo vão zerar as tarifas para mais de 200 produtos de tecnologia. O acordo cobre cerca de US$ 1,3 trilhão por ano em comércio global. Essa cifra é comparável ao comércio anual de automóveis. O acordo original tem 81 membros e 54 deles decidiram negociar a ampliação. Todos os membros da OMC poderão aproveitar as tarifas reduzidas para mais produtos, inclusive o Brasil e os demais que não participaram da negociação. A conclusão do acordo também mostra que há vontade negociadora na OMC. Há criatividade e disposição dos membros. Isso revigora os esforços para avançar as negociações existentes, de olho na Conferência Ministerial no Quênia.
DINHEIRO – Qual a sua opinião sobre o fato de o Brasil não fazer parte do acordo?
AZEVÊDO – Cabe a cada país ponderar os prós e contras de fazer parte do acordo. Esse cálculo deve levar em conta fatores como o perfil da indústria doméstica, as implicações para atração de investimentos e inserção em cadeias de valor, além do impacto para consumidores finais e para diferentes setores que usam esses produtos como insumos. De qualquer forma, o acordo é aberto para quem quiser participar num momento posterior.
DINHEIRO – A última previsão da OMC, de maio, sugeria um avanço de 3,3% no comércio neste ano. Qual será o impacto da crise na Grécia?
AZEVÊDO – Crises como a que se vê hoje na Grécia, assim como em outras áreas do mundo, com crises geopolíticas, provocam um claro clima de instabilidade e imprevisibilidade. Tais incertezas tendem a impactar o clima econômico. Quanto mais instabilidade se tem, menores as probabilidades de um crescimento rápido. Desse modo, crises como as da Grécia impactarão a economia global e, por consequência, o comércio. A quantificação disso é de enorme dificuldade, não consigo dizer quanto e, tampouco, quem será afetado.
DINHEIRO – A tendência, então, é que as previsões para o comércio fiquem ainda piores no relatório do segundo semestre?
AZEVÊDO – Claramente os acontecimentos na Grécia não irão ajudar o crescimento do comércio mundial. Quando anunciamos as previsões, dissemos, na ocasião, que já enxergávamos várias áreas de instabilidade e a maior parte dos riscos era no sentido negativo. Na eventualidade de revisões, elas ocorrerão para baixo, não para cima. E não mudamos de ideia.
DINHEIRO – O presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, tem trabalhado para finalizar o acordo Parceria Trans-Pacífico (TPP). Haverá prejuízo para a OMC?
AZEVÊDO – A OMC avalia acordos como esse de uma maneira muito positiva. O comércio é contagiante. Quanto mais integrados os países-membros estiverem, melhor fica a nossa situação para efeitos de negociações, de adoção de regras e de regulamentos que facilitem a liberalização comercial. Acordos como o TPP são complementares aos nossos. Não disputam espaço com a OMC, até porque são disciplinas diferentes. Algumas das dificuldades que são encontradas nas negociações desses acordos também apareceram aqui. Espero que, se bem sucedidas, essas negociações inspirem Genebra.
DINHEIRO – Enquanto a economia chinesa vem se desacelerando, a americana voltou a crescer de forma mais sustentada. Isso cria um certo equilíbrio no comércio global?
AZEVÊDO – A expansão do comércio está acompanhando o ritmo de quase “um para um” a economia global. Havia um efeito multiplicador antes, de quase “dois para um” – se a economia crescesse 4%, a expansão do comércio seria de 8%. Em situações em que todas essas instabilidades levem a um crescimento mais modesto, o fluxo de comércio tenderá a acompanhar. A situação dos Estados Unidos está bem melhor, embora ainda seja possível ver oscilações, mas seguramente com perspectivas melhores do que as que víamos antes. No caso da China, ela já estava desacelerando, mas agora enfrenta turbulências cujo grau exato de impacto é difîcil de prever. É difícil dizer o quanto que os Estados Unidos conseguirão compensar áreas nas quais as notícias não estão positivas. Porém, é um cenário melhor do que se estivessem em crise.
DINHEIRO – Como o sr. avalia o impacto da crise mundial de 2008 no fluxo comercial. Foi maior do que a OMC previu?
AZEVÊDO – Tivemos momentos distintos. Logo após a crise, em 2008, ou até quando ela eclodiu de maneira clara, tivemos um impacto comercial muito forte, mas nem próximo do que aconteceu na crise de 1929, quando perdemos mais da metade do comércio mundial quase que da noite para o dia. A última crise causou um impacto modesto e, quase em seguida, a economia mundial conseguiu se recompor com crescimento razoável. Em parte, isso ocorreu pela pujança de emergentes como China, Índia, Brasil, Indonésia, Turquia e México.
DINHEIRO – Em junho, a OMC e o Banco Mundial lançaram uma publicação sobre o papel do comércio na erradicação
da pobreza. Como pode se dar essa contribuição?
AZEVÊDO – A OMC sempre favoreceu uma postura que fosse menos simplista, no sentido de afirmar que, por exemplo, o comércio poderia ser uma panaceia. Ou que, simplesmente, abrir mercados e promover o comércio internacional seriam a solução para tudo. Intuitivamente, eu não acreditava nisso e o que os economistas estão estudando, desenvolvendo e comprovando é que o comércio é um elemento importantíssimo para alavancar o crescimento econômico, mas os benefícios não são sentidos sem que sejam tomadas medidas complementares. Em particular, nesse processo de erradicação de pobreza extrema, porque ela está localizada em bolsões que têm pouca conexão com a economia internacional. E alguns problemas não têm necessariamente relação apenas com a economia ou comércio, mas, também, com padrões culturais.
DINHEIRO – O que é possível fazer para resolver essa questão?
AZEVÊDO – O comércio e as oportunidades comerciais não resolverão isso por si só. As áreas rurais, por exemplo, são locais em que o pequeno produtor, às vezes, não está sequer conectado com o mercado interno. Algumas vezes, ele é um produtor de subsistência. Então, é preciso que se criem medidas e políticas que permitam que essas oportunidades, que são reais, cheguem a eles. O que estamos fazendo é tentar mapear esses problemas para facilitar a chegada dos benefícios e das oportunidades comerciais a todos, principalmente para os mais pobres. Em países como Quênia e Etiópia, oferecemos uma boa rede de cobertura de celular para que eles recebessem dados do mercado e preço das commodities, por exemplo. Dessa maneira, o pequeno produtor terá mais acesso a esses negócios. E nós concluímos que a qualidade dos dados estatísticos e a disseminação das informações influenciam muito na capacidade dos produtores de se beneficiarem das oportunidades do comércio.
DINHEIRO – Recentemente, o governo brasileiro lançou o Plano Nacional de Exportação. Qual a importância de medidas como essa?
AZEVÊDO – Medidas que levem a uma maior participação do Brasil nos fluxos globais de comércio, seja como exportador, importador, enfim, qualquer ação que proporcione uma maior competitividade do País, maior integração da cadeia produtiva do País com a internacional, são positivas. Um exemplo é o acordo de facilitação de comércio que assinamos recentemente em Bali. A partir dele, concluímos que um acordo pode contribuir muito no esforço de desburocratizar e reduzir custos.
DINHEIRO – Desde que o sr. assumiu a direção-geral da OMC, em 2013, quais foram as maiores dificuldades e conquistas?
AZEVÊDO – Felicidade e complexidade caminham juntas, na OMC. Tudo aqui é de uma extrema complexidade, o que torna nossos ganhos particularmente memoráveis. Na Conferência de Bali, tivemos um grande momento. Conseguimos finalizar o primeiro acordo multilateral desde a criação da OMC. Fiquei muito feliz de ter presenciado isso em um momento crítico para a organização. Se tivéssemos falhado, o impacto poderia ser muito negativo para a organização. Logo que assumi, os acordos tinham muitos detalhes para serem acertados e tínhamos menos de três meses para finalizar. Mas com muito trabalho e dedicação, conseguimos concluir. A complexidade continua, porque tentar finalizar uma rodada, lançada há 14 anos, que está emperrada há sete anos e que não tinha nenhuma perspectiva de avançar, também é um desafio de proporções quase épicas. Mais inclusão e equidade são outra área que queremos estudar um pouco, sobre como o comércio pode ajudar na redução de assimetria, o que torna o dia a dia desafiante e agradável.