A maioria das montadoras que atuam no Brasil optou – e fez lobby – para que o País apostasse nos carros híbridos, em detrimento dos elétricos. O que inicialmente foi visto como sinal de atraso na corrida pela descarbonização do setor, agora dá tranquilidade para os fabricantes levarem adiante novos projetos e investimentos.

Com opções como etanol para automóveis e outros biocombustíveis para veículos comerciais, o Brasil tenta se posicionar como referência na transição energética do setor. “Não faria sentido irmos direto para a produção de veículos elétricos pois temos um combustível sustentável e disponível no País em ampla rede de distribuição”, diz Ricardo Roa, sócio líder do segmento automotivo da consultoria KPMG.

Com dimensões continentais, o Brasil precisaria também de ampla rede de recarga, infraestrutura que ainda é insuficiente até nos EUA.

ESTÍMULO

O Mover, novo programa do governo para o setor automotivo, estabelece o método chamado de “poço à roda” para contabilizar as emissões de gases de efeito estufa dos automóveis – o cálculo é feito desde a produção do combustível até o uso do veículo. No caso do etanol, o cultivo da cana absorve gás carbônico da atmosfera e, assim, compensa as emissões do carro movido pelo combustível.

Nos demais países, vigora a metodologia do “tanque à roda”, que mede apenas as emissões do escapamento. Pelo método adotado aqui, um carro elétrico produzido na Europa ou na China, por exemplo, tem emissões maiores porque a energia utilizada lá vem, em parte, de usinas a carvão.

Marcus Vinícius Aguiar, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), diz que o uso do combustível derivado principalmente da cana-de-açúcar é suficiente para que o País cumpra, até 2030, sua meta de 50% de descarbonização em relação aos índices de 2015. Além disso, os híbridos não exigem uma disrupção do modelo atual de produção, o que geraria fechamento de fábricas e demissões em massa.

Executivos e consultores do setor automotivo concordam que se o País optasse por fazer a transição de forma disruptiva, como vem ocorrendo em vários países, haveria um custo muito alto. Significaria a desativação, por exemplo, de fábricas de motores a combustão e de seus agregados (sistemas de refrigeração, de alimentação de combustível, de escapamento e de aspiração).

“Isso tudo desapareceria da cadeia automotiva; seria desligar a chave, jogar as fábricas e os ferramentais que já temos e gerar desemprego”, afirma João Irineu Medeiros, vice-presidente de Assuntos Regulatórios da Stellantis América do Sul. Para ele, um país em desenvolvimento não tem condições de arcar com as consequências de um rompimento dessa proporção.

MERCADO DE NICHO

Os carros 100% a bateria, opção dos principais mercados automotivos do mundo, como China, Europa e EUA, só devem entrar forte nas linhas brasileiras de produção em cerca de 10 anos, segundo o presidente da Volkswagen do Brasil, Ciro Possobom. Até lá, diz, é possível que alguns modelos com essa tecnologia sejam produzidos no País, enquanto as versões importadas vão continuar chegando. “Mas, ao longo dos próximos anos, os elétricos serão um nicho de mercado, principalmente com modelos mais premium”, diz Roa, da KPMG.

Por aqui, até montadora da China (onde o governo determinou há cerca de dez anos que sua indústria automotiva focasse em modelos elétricos) aderiu aos híbridos. Na fábrica que vai inaugurar no segundo semestre, a Great Wall Motors (GWM) produzirá, inicialmente, apenas SUVs híbridos plug-in (que podem ser recarregados na tomada e também recebem combustível normal).

A empresa está investindo R$ 4 bilhões para adaptar às suas necessidades uma planta que era da Mercedes-Benz, em Iracemápolis (SP). “Não temos planos para produzir 100% elétrico no Brasil. Acredito que vamos produzir um dia, porque nosso projeto é de longo prazo. Só que hoje isso não está nos planos”, diz o diretor de relações institucionais da GWM no Brasil, Ricardo Bastos.

O mercado de veículos elétricos no Brasil ainda é pequeno. Em 2023, foram vendidos 19,3 mil carros movidos apenas a bateria (todos importados), mais que o dobro de 2022 e o equivalente a 0,9% das vendas totais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.