15/07/2009 - 7:00
Você já ouviu falar em ?pílulas de veneno?? Nos Estados Unidos, as poison pills são um tipo de restrição imposta pelas companhias abertas para evitar tomadas hostis de controle, tão comuns na história do capitalismo. Fazem parte de um leque de alternativas descritas como ?afasta tubarão? (os sharks, no caso, são grandes acionistas mal intencionados) que inclui, por exemplo, cláusulas conhecidas como Cavaleiro Branco, Joia da Coroa e Paraquedas Dourado. No Brasil, todas essas medidas defensivas presentes no estatuto social das companhias receberam o nome genérico de poison pills. ?Os advogados confundiram uma espécie com o gênero?, reclama Francisco Müssnich, sócio do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. E o que essa discussão tem a ver com o investidor brasileiro? Tudo.
Os donos de ações de mais de 60 empresas listadas na BM&FBovespa são afetados pelas pílulas de veneno. Elas exigem que, se um acionista comprar uma determinada fatia relevante do capital (a participação vai de 8% a 35% conforme o caso ? veja tabela na pág. 90), ele deve fazer uma oferta de aquisição dos papéis de todos os demais acionistas a um determinado preço. Esse preço geralmente é superior ao valor das ações no momento da aquisição e pode ser, por exemplo, baseado na cotação mais alta em bolsa dos últimos 12 meses. Além disso, algumas companhias ainda impõem um prêmio adicional para aceitar o negócio.
Na prática, isso encarece demais a entrada de grandes sócios e inviabiliza a tomada do controle por investidores predadores. Os tubarões, vividos magistralmente no cinema por Michael Douglas (o arrogante Gordon Gekko de ?Wall Street ? Poder e Cobiça?) e Danny DeVito (o detestável Larry Garfield de ?Com o Dinheiro dos Outros?), geralmente tomam o poder para se desfazer de ativos da empresa e obter lucros gigantescos, sem maiores preocupações com a sustentabilidade da companhia.
Leal, Seabra e Passos, da natura: empresa modifica pílula de veneno para atrair investidores
Um bom exemplo local de pílula de veneno é o da Natura. Ao estrear no Novo Mercado da Bovespa em 2004 e abrir a porta da bolsa para uma centena de novas companhias, a empresa de cosméticos impôs a pílula a qualquer um que alcançasse 15% das ações. Ele seria obrigado a estender a oferta a todos os demais acionistas, pagando 50% acima do maior preço segundo três critérios diferentes definidos pelo estatuto social. Dessa forma, os fundadores Antonio Luiz da Cunha Seabra, Pedro Luiz Barreiros Passos e Guilherme Peirão Leal foram tranquilos ao Novo Mercado, onde todas as ações têm direito a voto.
Dezenas de companhias que seguiram a trilha da Natura adotaram pílulas de veneno, que nos estatutos sociais recebem outro nome: cláusulas de proteção à dispersão acionária. O problema é que muitas delas exageraram na dose e acrescentaram mecanismos para coibir os acionistas que votarem a favor de mudanças ou pela exclusão das pílulas nas assembleias. São as cláusulas pétreas. Elas perpetuam controladores no poder ou, no caso de empresas sem grupo de controle definido, garantem o emprego dos executivos da empresa, independentemente de seu desempenho. ?Quem votar a favor da mudança é obrigado a fazer oferta para todos os acionistas. Isso é um absurdo?, afirma Müssnich.
Ninguém reclamou de nada nos anos dourados dos IPOs (sigla de ofertas públicas iniciais, em inglês) da Bovespa, de 2004 a 2007. Porém, a fonte abundante dos recursos estrangeiros secou com a crise do crédito mundial em 2008 e a situação mudou. Algumas companhias provaram do próprio veneno, pois suas pílulas impediram a entrada de acionistas estratégicos, como fundos de private equity, que estavam dispostos a comprar um bom quinhão sem estender a oferta aos demais investidores. A própria Natura voltou atrás na semana passada e propôs a elevação do percentual mínimo de 15% para 25%, além de eliminar o prêmio de 50%. Uma assembleia específica sobre isso será convocada pela companhia, que prepara-se para uma nova emissão na BM&FBovespa.
E isso é bom? ?Foi um atitude positiva?, responde Cristiana Pereira, diretora de relações com empresa da BM&FBovespa. ?Muitas empresas viram que as poison pills e as cláusulas pétreas se tornaram uma barreira à entrada de investidores estratégicos e a alguns negócios que poderiam ser benéficos?, acrescenta.
?Precisamos encontrar o meio do caminho.?
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apoia o uso de pílulas de veneno, mas declarou guerra às cláusulas pétreas, adotadas por cerca de 40 companhias. Recentemente, o xerife do mercado de capitais deixou claro que não irá punir na esfera administrativa os acionistas que votarem contra essas cláusulas nas assembleias. ?Pessoalmente, acreditamos que um modelo que permita poison pills, mas não cláusulas pétreas, seja um regime equilibrado, intermediário entre o regime adotado na União Europeia e o vigente nos Estados Unidos?, afirma Marcos Barbosa Pinto, diretor da CVM. Várias empresas podem seguir a Natura novamente. Algumas devem ir até mais longe. A Cremer simplesmente eliminou sua pílula de veneno no início do ano. A Tarpon Investimentos ampliou sua participação para 24%, aliou-se a outros fundos e tomou o poder na companhia. O presidente e o diretor financeiro foram substituídos. O comando foi entregue a Alexandre Borges, executivo da Tarpon. No primeiro trimestre, a empresa distribuiu 100% do lucro de R$ 10,1 milhões. O veneno se foi, mas só o tempo vai dizer se a mudança foi benéfica ou não para a maioria dos acionistas.
*Obriga os acionistas que votarem a favor da alteração ou pela exclusão da ?pílula de veneno? a realizar oferta pública de ações (OPA) Fonte: Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados