A peça de ficção que se tornou a proposta orçamentária para 2023 parece daqueles truques de circo que servem para distrair a plateia. Com previsões superestimadas, acochambradas capazes de reeditar, imoralmente, o orçamento secreto – com generosos R$ 38,8 bilhões –, garantindo aos parlamentares o deleite das emendas sem controle, enquanto áreas vitais do Estado têm seus recursos cortados, ela é inexequível como está. Para inglês ver. Soma cifras que são 8,7% superiores às das emendas do relator aprovadas no presente ano – e que já foram tidas e havidas como insustentáveis. Um escárnio ali está montado. E a chave geral do cofre acabou mesmo entregue aos congressistas. Não existe previsão de correção da tabela do Imposto de Renda, muito menos do Auxílio Brasil, fixado ali em R$ 405, abaixo, portanto, dos atuais R$ 600, que parecem servir apenas à tentativa de reeleição. Ciência, Educação, Cultura, setores essenciais, sofreram cortes significativos. Não há dinheiro para nada que não seja aquele gordo e fácil lote para os caixas políticos. Nem mesmo o salário mínimo experimentará qualquer ganho real no período. Um festival de armadilhas parece montado para o próximo governo. Como não prever despesas que deveriam ser dadas como certas, enquanto se realocam recursos no que nem deveria estar em pauta? No paralelo, o tsunâmi dos precatórios avança. Temendo ser criticado e perder com isso votos, Bolsonaro resolveu falar durante a campanha que irá estender o valor de R$ 600 para o Auxílio Brasil. Mas isso somente será possível com um novo furo do teto de gastos. O governo diz que não, que as receitas de privatizações serão suficientes, mas está contando com o ovo antes da galinha. O truque de mágica não cola. O benefício turbinado, ao que tudo indica, tem mesmo data e hora para acabar e seu prazo de validade termina com o fechamento das urnas. Ter um orçamento fiscal bem distante da realidade que se desenha para 2023 é uma temeridade. Projeções estão descoladas por completo das estimativas de mercado. As incoerências são inúmeras. A emenda constitucional 109 previa, por exemplo, uma redução pela metade das desonerações. Na direção contrária, o governo propôs no seu orçamento um aumento dessas benesses. Não para de pé, enquanto os investimentos públicos são seriamente afetados, com um valor projetado que está bem abaixo do necessário para repor a depreciação do capital. O que o País pode esperar é por uma alteração do marco legal do teto, contratando-se assim uma nova PEC. Isso é muito ruim porque apenas agrava o clima de pressões e desconfianças devido ao ambiente de segurança jurídica fragilizada. O governo parece não querer se comprometer com pautas difíceis e prejudiciais à campanha. Pratica o populismo até na hora de fechar as contas. Mesmo que elas não batam ou fiquem no vermelho. Novos gastos virão, todos sabem, embora ninguém em Brasília admita de público. O Ministro Guedes teve uma ideia, no mínimo, heterodoxa para contornar a dificuldade e atender à demanda de um Auxilio a R$ 600 ano que vem: sugeriu prorrogar o estado de calamidade enquanto a guerra da Ucrânia perdurar. Somente assim.

Carlos José Marques
Diretor editorial