Artifício clássico na barganha política entre os poderes Executivo e Legislativo, as emendas parlamentares vão ganhando contornos novos no Brasil. Se antes a compra de votos era chamada de “mensalão”, nas últimas semanas o chamado “orçamento secreto” se tornou o fiel da balança e garantiu ao governo Jair Bolsonaro a votação em dois turnos da PEC dos Precatórios na Câmara.

As emendas parlamentares são recursos destinados por um parlamentar para serem gastos em diversas áreas do serviço público. Essas destinações, usadas nas bases eleitorais desses parlamentas, são gastos previstos anualmente e até obrigatórios no orçamento, já que compõem o que se conhece como orçamento impositivo.

Apesar da obrigatoriedade, é prática comum dos governos segurarem essas emendas para pressionar deputados, senadores e vereadores a votarem projetos que sejam polêmicos e que necessitam de votação com quórum qualificado – caso de uma alteração na Constituição, por exemplo, que só é aprovada com um mínimo de 308 deputados.

+ Entenda o que são precatórios e por que eles são a salvação do governo

Para viabilizar a PEC dos Precatórios, projeto que vai turbinar o orçamento federal em ano de eleição e que fura o Teto de Gastos para promover a criação do Auxílio Brasil, o governo precisou abrir a torneira dos gastos públicos e liberou cerca de R$ 909 milhões através das chamadas emendas do relator.

O mecanismo é previsto nas emendas parlamentares para liberar a distribuição de dinheiro a aliados governistas sem a identificação de quem recebeu o dinheiro. Ou seja, o parlamentar fica “invisível” para órgãos independentes de controle do Orçamento brasileiro.

Furo do Teto de Gastos vai mexer no seu bolso

No Orçamento deste ano, as emendas previstas para parlamentares individuais entre senadores e deputados bateram os R$ 9,6 bilhões, seguidos por emendas de bancadas dos partidos que acumulam outros R$ 7,3 bilhões e as de relator R$ 18,5 bilhões. Os dados são da Consultoria de Orçamento da Câmara.

Com uma medida polêmica que altera o Teto de Gastos e permite ao governo sinal livre para viabilizar pautas de interesse próprio, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), precisou de um ostensivo corpo-a-corpo com os deputados para viabilizar a PEC. Pelos dados da Câmara, até este mês foram empenhados nas emendas de relator aproximadamente R$ 9,3 bilhões dos R$ 18,5 bilhões reservados para 2021, folga que permitiu ao governo Bolsonaro liberar quase R$ 1 bilhão para os deputados votarem a PEC dos Precatórios entre a semana passada e esta terça-feira (9).

“Depois de tantos bons serviços prestados, o teto de gastos está sendo sacrificado no altar do populismo fiscal, na esperança de que os deuses tragam uma chuva de votos para os deputados do Centrão”, disse em nota o economista do Mackenzie, Josilmar Cordenonssi Cia.

E o resultado para contornar todo o afrouxamento das regras fiscais, segundo o economista, será sentido no bolso do contribuinte, que terá de lidar com uma taxa de juros maior para controlar a inflação, que deve fechar o ano próximo dos 10% e vai deixar literalmente tudo mais caro.

“Apesar de termos apresentados resultados fiscais bastante promissores, nossas lideranças estão jogando fora todo o esforço realizado em troca de vantagens eleitorais bastante duvidosas. Com o fim prematuro do teto de gastos, o Banco Central terá que subir a taxa Selic acima do que seria necessário”, completou o professor.

STF deve mudar regra do orçamento secreto

Para dar mais transparência aos gastos da emenda de relator, o Supremo Tribunal Federal (STF) debate uma espécie de intervenção branca no orçamento do Legislativo, alterando a forma como essas emendas controladas pela cúpula do Congresso são identificadas.

Ministros da Suprema Corte avaliam a manutenção do dispositivo, mas querem transparência nos repasses, tornando público quem recebe o dinheiro e como ele é gasto. Na prática do mundo político isso inviabiliza as negociações de bastidores, uma vez que o preço das emendas não é fixo e o governo pode pagar mais caro pelo voto de um parlamentar e menos pelo de outro.

O tema deve ser finalizado ainda nesta quarta-feira (10), mas já existe maioria para barrar os pagamentos feitos entre a semana passada e ontem.

Bolsonaro criticou o que considera intervenção entre poderes, mas nesta quarta-feira (10), o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a leitura do STF e criticou o esquema de pagamentos de emendas sem identificação.

“Acho que os princípios da administração pública, de legalidade, de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência não estavam sendo respeitados nessa forma aí de execução orçamentária. Então, eu acho que a intervenção do STF foi oportuna”, disse o vice.