16/08/2025 - 13:52
A música está proibida no seu país natal, mas jovens da orquestra que fugiram para Portugal seguem tocando sobre perda e esperança. Eles se apresentam em Berlim neste domingo.Em agosto de 2021, quando o Talibã voltou ao poder no Afeganistão, toda a Orquestra Juvenil Afegã conseguiu fugir para a Europa. Nos últimos quatro anos, os jovens músicos do Instituto Nacional de Música do Afeganistão (ANIM, na sigla em inglês) encontraram um novo lar em Portugal e se apresentam neste domingo (17/08) do festival Young Euro Classic, em Berlim.
“Fabricar instrumentos e tocar música é totalmente proibido no Afeganistão”, disse Ahmad Sarmast, fundador e diretor do ANIM.
Ele disse que conseguiu ajudar 273 pessoas ligadas ao instituto de música a fugir do Afeganistão. Sua escola em Cabul depois foi fechada e os instrumentos, destruídos.
“Ouvir e tocar música é um direito humano. O povo do Afeganistão é privado desse direito”, afirmou ele à DW. “Isso transformou meu país em uma ‘nação silenciosa’.”
Young Euro Classic quer preservar tradições musicais
Mas a música afegã continua viva no exílio, inclusive no Young Euro Classic. Centenas de jovens músicos de todo o mundo se apresentam no festival internacional anual de orquestras juvenis, composto por orquestras e conjuntos europeus e não europeus.
“O foco do festival continua sendo a música sinfônica e como os diferentes países lidam com essa tradição da música clássica”, disse a gerente de projetos do evento, Carolin Trispel.
Mas na série “Festival dentro do Festival”, os conjuntos tocam principalmente músicas de seus países de origem e instrumentos tradicionais de suas culturas.
“Também estamos interessados em preservar as tradições musicais para o futuro e fornecer uma plataforma para seu desenvolvimento”, afirmou Trispel.
Neste ano, além de músicos afegãos, também participam conjuntos da Bolívia, Indonésia, Índia, Gâmbia e do povo indígena Sami do norte da Escandinávia.
Música proibida encontra nova voz
Alguns desses conjuntos tocam música tradicional que foi proibida em seus respectivos países de origem. Isso inclui o canto do povo Sami, conhecido como joik.
Esse canto de tom espiritual foi proibido entre os séculos 18 e 20, pois era visto como uma expressão de uma religião não cristã.
“É comum ver isso com os povos indígenas, que sua linguagem musical foi suprimida pela colonização e que praticar sua tradição musical deixou de ser permitido”, explicou Trispel.
O conjunto boliviano Dos pares de la Orquesta Experimental de Instrumentos Nativos toca músicas antigas dos Andes, bem como novas peças compostas especialmente para seus instrumentos tradicionais.
Já o Azada Ensemble é um grupo afegão dentro da orquestra juvenil que apresenta música e danças tradicionais. Suas apresentações destacam a conexão entre os seres humanos e a natureza, bem como a beleza do país e sua música.
Protesto contra a política social do Talibã
A Orquestra Juvenil Afegã foi convidada a ir à cidade alemã de Bonn em 2023 como parte do projeto DW Campus no festival Beethovenfest, juntamente com músicos iranianos.
“Quando fomos para Bonn, a orquestra não estava completa, apenas parte dela”, disse o fundador da orquestra, Ahmad Sarmast.
Em Berlim, todos os 51 membros da orquestra estão agora no Young Euro Classic e apresentarão o concerto final.
“Todas as peças que tocamos estão de alguma forma ligadas à situação atual no Afeganistão e às políticas do Talibã”, disse Sarmast.
As músicas executadas pela Orquestra Juvenil Afegã tratam de temas como coesão social. “Uma música é um apelo aos homens afegãos para que apoiem as mulheres oprimidas em sua luta pela liberdade e igualdade”, explica Sarmast.
Uma peça tradicional bem conhecida está intimamente associada à celebração do Ano Novo no Afeganistão, mas o Talibã proibiu tanto as festividades como a música – e destruiu inúmeros instrumentos musicais.
“Isso é celebrado no Afeganistão há milhares de anos”, explicou Sarmast. “Tocar essa peça é um protesto contra a destruição da tradição cultural no Afeganistão pelo Talibã.”
“A esperança continua viva”
A última das canções do concerto, cujos arranjos foram feitos por Tiago Moreira da Silva, um jovem maestro português e diretor da orquestra, é baseada em um conhecido poema persa sobre o retorno da primavera – e o retorno da paz.
Ahmad Sarmast cita o poeta chileno e ativista pela liberdade Pablo Neruda: “Você pode cortar as flores e as árvores, mas a primavera sempre voltará, e você não pode impedir a liberdade.”
A orquestra mantém contato com sua terra natal por meio das redes sociais e transmissões ao vivo de suas apresentações.
“A esperança continua viva”, disse Sarmast, que acredita que chegará o dia em que as artes poderão florescer novamente no Afeganistão.
“Queremos que o Talibã saiba que nenhum regime opressivo na história da humanidade conseguiu permanecer no poder. E esse também será o caso do Talibã.”