06/04/2005 - 7:00
Perdoem-nos os que forem excluídos, mas cabe o aviso. Esta reportagem é para quem tem no mínimo 30 e no máximo 45 anos ? um pouco mais, um pouco menos. Gente que entrou em 1980 entre 5 e 20 anos e terminou a década com 15 ou 30. Estabelecida a observação, o anúncio: a década de 80 está na moda. A nostalgia explode com estardalhaço nas 304 páginas do Almanaque Anos 80, dos jornalistas Luiz André Alzer e Mariana Claudino. O divertido livro está na sexta edição, com mais de 25 mil exemplares vendidos. Ele tem 34 anos, ela acaba de completar 31. Outro grande sucesso nas prateleiras é Quem tem um sonho não dança ? Cultura Jovem Brasileira nos Anos 80, de Guilherme Bryan. Indícios do fenômeno saudosista aparecem também no lançamento de uma caixa com dois discos em DVD do humorístico TV Pirata, pai e mãe do riso feito hoje na televisão, que estreou em 1988. Em São Paulo e no Rio, agora mesmo, brotam festas destinadas a mergulhar no estilo trash, de puro lixo cultural, de um tempo que, no Brasil, diante da crise econômica, entrou para a história como ?a década perdida?. São festas em que se ouve Menudo, Barão Vermelho, Paralamas, Agepê, Lionel Ritchie e ? pasmem ? Chris DeBurgh. Numa delas, na Vila Olímpia, bairro de classe alta paulistano, a vitrine da casa noturna exibe brinquedos como o Pogobol e o Genius, ícones daqueles anos.
É uma nostalgia precoce, explicada pelos movimentos trôpegos da economia de lá para cá. O ?Barão?, a cédula de mil cruzeiros (o símbolo era Cr$) com a esfinge do Barão de Rio Branco, foi a moeda mais marcante dos 80. Perdeu seis zeros, inicialmente em 1986 e depois em 1989, antes de sair de circulação como símbolo do caos financeiro. Muito se brincou, muito se riu naquela década, mas a confusão monetária, irmã da inflação, fez tudo passar sem o proveito merecido. Agora sim dá para olhar para aquele tempo com mais calma e ironia. O cenário econômico de então ajuda a explicar o atual fascínio dos 80, sem as dores no bolso. (Breve interrupção: leia esta reportagem cantarolando o jingle de um banco que fechou as portas por conta da roubalheira típica dos anos 80: ?o tempo passa/ o tempo voa/ e a poupança Bamerindus continua numa boa?). Há outras explicações, todas do universo da tecnologia e das relações com o dinheiro, que facilitam a compreensão dessa postura nostálgica em relação à década em que o Brasil não ergueu a Taça do Mundo. Por que, afinal, ela provoca tantas lembranças transportadas para o presente? Mais do que ocorre, por exemplo, em relação aos anos 1950, 1960 ou 1970? Os 80 não têm a ideologia dos 60 e 70 e muito menos o glamour dos 50. ?Aquela geração foi a última a viver no mundo analógico e tem agora que enfrentar as dificuldades, inéditas, do universo digital?, diz Raquel Siqueira, diretora de pesquisa qualitativa do instituto Ipsos-Brasil. ?Lembremos, ainda, que as crianças de 1980 hoje estão no comando das empresas, e as relações de trabalho são completamente diferentes?. A precocidade é um fenômeno que antecipou a saudade porque tudo é mais acelerado ? e esta aceleração, saliente-se, nasceu apenas
nos 90.
A célebre definição do historiador britânico Eric Hobsbawn, para quem o breve Século XX terminou em 1991, dois anos depois da queda do Muro de Berlim, traduz a década perdida. Os anos 80 representaram o fim de um século. Depois dele, os bits e bytes construíram uma nova sociedade. O empresário José Paulo Ensenhuber (25 anos), investidor de uma das festas da mania 80, em São Paulo, resume esse sentimento do mundo. ?Peguei o finalzinho da brincadeira ao ar livre, de bola na rua, sem computador?, diz. ?Queria sentir aquela época de novo, o avesso do Orkut?.