Operador do milagre brasileiro, czar econômico do regime militar e ditador de normas, decretos e leis que moldaram a face produtiva do País entre as décadas de 1960 e 1980, Antônio Delfim Netto enfrentou nos últimos dias grossa pancadaria. Ele foi empurrado às cordas acusado de manipular os índices inflacionários de 1973, flagrado com sua vida financeira investigada por antigos parceiros de governo e alçado ao comando de um esquema para favorecer seus próprios interesses na indústria da carne. Tudo nos tempos em que foi ministro da Fazenda dos presidentes Costa e Silva (1967-1969) e Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Com a imagem atingida, o civil mais poderoso e bem informado do regime militar aceitou abrir seus arquivos à DINHEIRO num contra-ataque sem meias palavras. Em mais de três horas de conversa, repuxando os largos suspensórios vermelhos entre modulações de voz que denunciavam nostalgia em relação ao apogeu da ditadura e rancor à lembrança do ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979), Delfim apresentou sua versão da história. Ele retorquiu os críticos, revelou bastidores do regime e detalhou como o Brasil cresceu, parou e quebrou entre as décadas de 1960 e 1980. Confira o desabafo do homem que mandou e desmandou na economia durante os tempos mais duros da história recente do País.

O convite de Costa e Silva
A surpresa mudou sua vida e a economia brasileira

Os arquivos secretos do ex-ministro Delfim Netto sobre os bastidores da economia durante a ditadura militar têm o seu primeiro registro numa clara manhã carioca de outubro de 1966. Num apartamento em Copacabana, cerca de 20 homens estão reunidos desde as oito da manhã. Entre eles, o futuro presidente da República, general Arthur da Costa e Silva (1967-1969).

?O Costa já havia sido escolhido pelos militares e queria ouvir
uma exposição sobre agricultura. Eu era secretário da Fazenda
de São Paulo e fui convidado pelo presidente da Associação Co-
mercial do Rio para falar. Preparei gráficos e projeções. Sabia
que era importante. Comecei às oito da manhã e terminamos
à uma da tarde
?, conta Delfim.

Poucas semanas depois chega a Delfim, em São Paulo, a surpresa que iria mudar a sua própria vida ? e com ela toda a economia brasileira.

?Um homem alto entrou no meu gabinete na Secretaria da Fazenda. Nunca o vira na vida. Era o coronel Mario Andreazza e trazia uma carta do Costa e Silva me convidando para ser ministro da Fazenda. Fiquei surpreso. Podia imaginar a Agricultura, não a Fazenda. Aceitei na hora. Peguei o telefone e disse sim ao presidente.?

AI-5 e crescimento turbinado
Delfim baixa regras de mercado sem consulta

Indiretamente, Costa e Silva deu a Delfim instrumentos que nenhum outro ministro já teve para manobrar a economia em direção ao crescimento. Em dezembro de 1968, baixou o AI-5 e deu início à fase mais dura do regime militar, com o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos políticos e a suspensão de garantias individuais. Presente à reunião do Conselho de Segurança Nacional que determinou o ato, Delfim votou a favor. A partir daí, tratou de usar o instrumento autoritário para tomar decisões sem consultar ninguém e, assim, turbinar índices de crescimento.

?Fui oportunista?, admite. ?Usei as condições dadas pelo AI-5 para baixar um decreto-lei com praticamente toda a reforma tributária que eu queria fazer e mais uma porção de medidas importantes.? Sem debates ou oposição, ele criou o ICM, alterou o sistema de exportações, baixou regras sobre o mercado de capitais, mexeu no sistema financeiro e ditou regras para o funcionamento da indústria. Um pacotaço. Fez, aconteceu e não ouviu um pio de reclamação.

?Chamei os governadores e todos tiveram de entender que as regras eram aquelas. Se eu não tivesse baixado as medidas, provavelmente não teria havido o crescimento dos anos seguintes.?

? É mais fácil fazer política econômica sem democracia?

?O regime autoritário impediu a confusão geral. A democracia exigiria muito mais paciência?, confessa.

Delfim usou seus superpoderes no atacado e no varejo. Em alguns setores suas intervenções eram tão freqüentes que surgiram suspeitas que possuía interesses particulares em jogo. Na área da carne, por exemplo, as políticas governamentais eram alteradas
quase que semanalmente pelo ministro da Fazenda do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Há acusações de que Delfim protegia um frigorífico fazendo vistas grossas à sonegação de impostos e manipulando o preço da carne ? e boatos indicavam
que o então ministro era sócio de um deles. Delfim nega e atribui
ao falecido empresário Augusto Trajano Azevedo Antunes, do
grupo Caemi, a origem de toda a história:

?Antunes comprou um frigorífico de uma companhia inglesa e
tomou uma surra da concorrência. Aí veio ao meu gabinete dizer
que isso acontecia porque ninguém do setor pagava imposto, à exceção dele, e eu tinha de cobrar. Era um evidente exagero. Eu,
de fato, baixei alíquotas para a carne, mas ele perdeu dinheiro porque não entendia do negócio.?

Outro episódio, entretanto, ilustra bem como o governo militar agia sem preocupações quando negócios pessoais se misturavam a decisões estatais. Certa vez, alegando risco de desabastecimento, Delfim foi a Médici. ?Perdemos a guerra da carne. Tenho de liberar os preços, presidente?, anunciou.

?O presidente me disse para não fazer nada e esperar. Dias depois, o chefe do Gabinete Civil, Leitão de Abreu, me telefonou avisando que o presidente havia autorizado a medida. A demora aconteceu porque Médici tinha um gado lá no Rio Grande do Sul. Antes que eu liberasse o preço, mandou um neto vender-lhe os bois para não ser acusado de ter se beneficiado.?

A origem da Transamazônica
Desejo de general a bordo de um avião

Delfim conta, pela primeira vez, como nasceu a Transamazônica, obra mais ambiciosa da ditadura militar, que consumiu cerca de US$ 12 bilhões, resultou num enorme fracasso e nunca ficou pronta.

?A decisão aconteceu numa viagem de avião. Eu e o presidente Médici estávamos voando de Manaus para Recife. Àquela altura, havia uma seca brutal no Nordeste. Médici viu a mata de cima, virou-se para mim e disse: ?Temos de fazer alguma coisa. Quero abrir uma estrada para aliviar as pressões sociais?.?

Logo que pousou, Delfim tomou medidas práticas. Sem consultar ninguém, nem mesmo os governadores da região, cortou metade dos subsídios dados à Sudene e à Sudam. O dinheiro foi destinado à construção dos 5 mil quilômetros da Transamazônica. Com o dinheiro garantido, a obra começou rapidamente. Ali, como várias outras vezes no modelo econômico da época, a vontade dos generais prevaleceu sobre a questão técnica. Como admite Delfim, o projeto grandioso foi iniciado sem que estudos sobre seu impacto na região fossem sequer realizados.

?Ninguém sabia as conseqüências da ocupação. A fórmula se mostrou absolutamente inconveniente. Ninguém investigou cientificamente o que se podia fazer lá?, afirma hoje o ex-ministro. E lava suas mãos: ?Eu cumpri a minha obrigação, arrumei o dinheiro.?

Manipulação da inflação
A acusação partiu de Simonsen e Gudin

Na linha histórica da inflação, 1973 é um ano ímpar. Dependendo de quem conte os números, o índice pode ser de 15,5% ou 20,5%. A inflação de 15,5% é a contabilidade oficial da gestão de Delfim. Para seu sucessor, Mário Henrique Simonsen, o indicador verdadeiro foi 20,5%. Como se explica a diferença? ?O índice de inflação de 73 foi manipulado?, foi o recado de Simonsen num documento entregue ao presidente Ernesto Geisel, em 1974. A acusação era referendada por outro luminar da economia, o ex-ministro Eugênio Gudin, então dirigente da Fundação Getúlio Vargas, órgão responsável pelas estatísticas de inflação. ?Nós não podemos resistir a certas coisas.?, afirmou Gudin. ?O homem (Delfim) é diabólico.?

São duas as acusações contra o governo Médici no período de Delfim: manipulação de índices e de preços. ?A Justiça Federal encontrou fichas nos porões do IBGE comprovando a manipulação dos índices que corrigiam os salários?, disse Walter Barelli, ex-diretor do Dieese. Mês a mês, afirmou Barelli, funcionários alteravam de forma fraudulenta os preços dos períodos analisados anteriormente para se adequar à meta de inflação. Outra medida questionada eram as reuniões com donos de supermercados e atacadistas do Rio, onde era feita a pesquisa da FGV. Segundo críticos, Delfim pedia aos comerciantes para conter preços chaves do índice e, em troca, oferecia crédito barato.

A reportagem de DINHEIRO perguntou a Delfim:

O sr. manipulou os índices?

?Isso é uma tremenda bobagem. Nunca se mexeu nos índices.
Mexer nos preços é uma coisa completamente diferente. Como
os preços eram apurados no Rio, nunca deixávamos ter problema
de abastecimento na cidade. Todos os dias, desde as quatro da manhã, telefonávamos para saber se havia algum problema. Caso chovesse muito em Minas Gerais, o abastecimento de legumes
do Rio iria diminuir. Então nosso homem no Paraná despachava
mais caminhões para lá. Isso dava trabalho. Os outros não
fizeram porque eram vadios.?

– Não é uma manipulação?

?Criava uma distorção?, admite o ministro, continuando em seguida: ?Mas, na média, empatava. Compare o índice da Fipe (São Paulo) com o do Rio e veja que os resultados são muito parecidos.?

– Foi esperteza?

?Esperteza coisa nenhuma. Foi competência.?

O carrasco Médici
Geisel não queria perder para o antecessor

Delfim disse que foi perseguido no governo Geisel (1974-1979). Dali teriam saído as acusações de manipulação dos índices. Nesse ponto, Delfim dá o troco na mesma moeda ao sucessor, o ministro Simonsen: ?Ele fez um expurgo e inventou o Índice de Elasticidade Unitária, que é uma coisa para enganar trouxa.? Para Delfim, a melhor explicação para as críticas que recebeu era a rivalidade entre dois presidentes do regime militar:

?Quando entrou o Geisel, o problema dele era o seguinte: ?o que é que vão dizer de mim se eu fizer um governo pior que o do Médici?? Ele tinha sempre que dizer que o carrasco era o Médici. Mas Médici nunca fechou o Congresso, nunca cassou deputado, coisa que o Geisel fez à vontade. De forma que já deste ponto de vista a coisa ia ficar preta. E se não tivesse sucesso na economia? Aí a invenção foi a seguinte: o Delfim deixou uma inflação comprimida e essa inflação explodiu logo no primeiro ano do Geisel. Mas a verdade era que a inflação estava implícita na alta do preço do petróleo.?

A trombada com Geisel
Aviso sobre cartel do petróleo causou irritação

Roma, 1973. Na reunião anual do FMI, o então ministro do Petróleo da França, Valéry Giscard d?Estaing, puxa Delfim de lado para transmitir uma informação que nada tinha a ver com o tema do encontro.

?Olha, os árabes estão formando um cartel. Querem dobrar o preço do barril do petróleo dentro de um ano. Acho que isso pode ser importante para vocês lá no Brasil?, disse Giscard, de olho numa associação entre os dois países para minimizar os efeitos da crise que enxergava no horizonte.?

Ao aterrissar em Brasília, o então ministro da Fazenda pediu uma reunião formal com o presidente Médici. Solicitou a presença do presidente da Petrobras, general Geisel. Contou a conversa e deu
sua receita: ?A solução é levarmos a Petrobras a contratos de risco com empresas estrangeiras. Aumentar a produção é a forma de escapar do cartel?.

Geisel ficou profundamente irritado. Elevou a voz. ?Esse Giscard não entende nada de petróleo?, sentenciou, mantendo a estatal fechada a parcerias. Meses depois, já durante o seu governo, a Opep virou realidade, o preço do barril disparou quase dez vezes e o Brasil começou a aumentar sua dívida externa para financiar suas compras de petróleo. O Brasil devia US$ 12,5 bilhões no final do governo Médici, em 1974. No final da era Geisel, em 1979, a conta estava em US$ 46,9 bilhões.

Delfim, quase governador
Ele teve três boas chances, todas abortadas

? ?Não adianta, Delfim. O Geisel não quer. Ele acha que você e a Avenida Paulista, a Fiesp, os empresários vão infernizar a vida dele. A partir do segundo ano ele não vai mais conseguir governar. Esquece.?

Assim, numa análise crua e sem rodeios, o presidente Médici, em final de mandato, avisou a Delfim que suas chances de chegar ao governo eram nulas na eleição indireta de 1974. O sucessor Geisel o havia vetado. Quatro anos antes, o próprio Médici abortara as pretensões de Delfim ao requisitá-lo para a Fazenda em lugar de liberá-lo para assumir o governo paulista.

Na passagem de faixa entre Médici e Geisel, graças a um acordo entre ambos, Delfim ficou com o cargo de embaixador do Brasil na França. ?Pensei em não aceitar, mas depois vi que não havia o que fazer. Pelo menos passei três anos deliciosos em Paris.? Mas não esqueceu o sonho. Em 1976, voou a Brasília para dizer a Geisel, no Planalto, que iria preparar sua candidatura ao governo nas eleições diretas marcadas para 1978. No ano seguinte, Geisel fechou o Congresso com o pacote de abril e tornou indiretas as eleições.

?Era autoritário. Você sabia que Geisel com dois esses, em alemão, quer dizer chicote, castigo??, disse Delfim à DINHEIRO para defini-lo

O fim do exílio
Andreazza resgata o amigo em Paris

Paris, 1976. Na embaixada brasileira, o mesmo coronel Mário Andreazza que levara a carta de Costa e Silva com o convite para o Ministério da Fazenda o procura novamente,
desta vez para um resgate. Diante
do agora embaixador Delfim, adianta que o general João Figueiredo,
então chefe do SNI, estava a um passo de se tornar o sucessor de Geisel. ?Mas temos de fazer campanha e precisamos de você conosco no Brasil?, avisou. Delfim entendeu na mensagem a senha para encerrar seu exílio e voltar à máquina do governo. Veio, agiu dentro da Arena para dar sustentação ao candidato e teve seu reconhecimento. Eleito, Figueiredo (1979-1985) deu a ele a pasta
da Agricultura. Em seguida, quando as dificuldades da administração da dívida externa e da inflação aumentaram, chamou Delfim para tocar a economia a partir do Ministério do Planejamento. ?Eu sabia que ia administrar a crise e que o regime estava no fim?, conta Delfim. ?Era um trabalho a fazer.?

?O pinto botou um ovo de avestruz?
Figueiredo sabia que a economia não tinha saída

A crise que levou o Brasil à beira de uma moratória, a um endividamento recorde e a uma inflação galopante, só domada depois de 15 anos do fim da ditadura, estava encomendada no governo Geisel. Segundo Delfim, foi nessa época que a indústria brasileira quebrou e a dívida externa teve um crescimento explosivo para
fazer frente aos gastos com a importação de petróleo, em alta no mercado internacional.

?Geisel fez um plano de crescimento maluco, o tal do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que o País não podia agüentar. Quebrou a indústria. Se o sujeito queria duplicar a empresa ouvia dos técnicos do governo dele: ?Você é louco? Faça para multiplicar por oito ou não tem crédito?. Ao mesmo tempo, o Geisel pegou um período em que qualquer um ia fazer o que ele fez. Se o Brasil não se endividasse, virava Bangladesh. Foi feita a dívida só para importar petróleo. Quando o Figueiredo entrou, a dívida já estava altíssima.?

Quando os Estados Unidos promoveram uma grande alta nos juros, na virada da década de 70 para a de 80, a situação da dívida brasileira ficou insustentável. E, no início do governo Figueiredo, todos anteviam a grande crise que vinha pela frente.

?Quando o Mário (Henrique Simonsen) foi embora, Figueiredo ficou tristíssimo. Figueiredo queria que o Mário continuasse. Mas ele se mudou, mandou a mobília dele para o Rio antes de comunicar ao presidente que ia embora. Estava cansado desse negócio. O Mário sabia que aquilo não tinha mais solução, que ia escorregar. O Figueiredo sabia que tinha sobrado para ele a tarefa de segurar aquilo como estava. No dia em que ele me convidou (para assumir o Ministério do Planejamento), conversamos e ele entendeu tudo. Usou uma expressão interessante: ?Brasília é um pinto e botou um ovo de avestruz. Agora temos que consertar.?

Mesmo com a crise encomendada, Delfim decidiu não recuar. Apostou no crescimento acelerado, num período em que muitos defendiam cautela para evitar a explosão da inflação.

?Estávamos quebrando por causa dos juros. Mas em 1980 eu ainda acelerei para arrancar mais 8% de crescimento porque o destino já estava definido. Não adiantava começar a crescer 2% antes da hora. Só peru morre de véspera. As pessoas queriam que reduzisse o crescimento, quando não adiantava nada. Não era a importação que estava produzindo o desequilíbrio, eram os juros.?

As sete cartas para o FMI
Truques do ministro confundiram o Fundo

Em cinco anos como ministro do Planejamento do governo Figueiredo, Delfim assinou sete cartas de intenções com o FMI, em que detalhava como pagaria um empréstimo de US$ 2,7 bilhões que tomara logo no início de sua gestão. Não cumpriu nenhuma. ?Era preciso ter sangue frio?, lembra Delfim, que recorreu a um vasto arsenal de truques para driblar os técnicos do Fundo tantas vezes. O primeiro drible foi dado poucas semanas depois de pegar o empréstimo. Delfim desvalorizou a moeda em 30%, quebrando, assim, um dos primeiros termos da primeira carta de intenções.

A partir daí, tudo serviu de desculpas para que nunca mais se chegasse a um acerto de como pagar o empréstimo. Alegava-se, no lado brasileiro, que metas e compromissos se perdiam na espiral inflacionária de 200% ao ano. À parte argumentos técnicos, o ministro e seus ?Delfim Boys?, os negociadores da dívida José Augusto Savasini, Luis Paulo Rosemberg e Ibrahim Eris, tinham uma estratégia para reduzir as pressões do fundo, que passava, principalmente, por cultivar estreito relacionamento com os técnicos de Washington. Em Brasília, as missões chefiadas pela economista Ana Maria Juhl eram recebidas em alegres reuniões caseiras regadas a vinho e uísque. ?Ali, falávamos de futebol e amenidades, menos de economia?, lembra Savasini. ?Em 1983, ganhei uma aposta com um banqueiro do Citibank ao garantir que faríamos US$ 10 bilhões de superávit no ano seguinte. Ele duvidou e teve de me dar uma garrafa de Blue Label?.

Delfim, enquanto isso, agia teatralmente. Para ajudar Figueiredo a governar, ele tinha gabinete dentro do Palácio do Planalto. E era ali que recebia as comitivas do Fundo. Nenhum acordo foi firmado, mas o Brasil ficou com a dívida de US$ 2,7 bilhões a ser paga pelo primeiro presidente civil, José Sarney (1985-1990), sucessor de Figueiredo.

Importações engavetadas
Acordo com a Fiesp barrou compras externas

Enquanto tentava driblar o FMI no front externo, Delfim reconhece claramente que, no campo doméstico, operou os resultados da balança comercial. Funcionava assim: no início da década de 80, quando faltavam dólares para fechar as contas externas brasileiras, Delfim foi até a sede da Federação das Indústrias de São Paulo, presidida por Luís Eulálio Bueno Vidigal.

?Quais produtos importados podemos substituir e fabricar no Brasil??, perguntou Delfim. Saiu do encontro com uma longa lista de mercadorias. ?Não eram tão eficientes quanto os importados, mas economizamos US$ 1 bilhão por ano.? A conta da economia de dólares não saiu de graça. ?Ofereci o seguinte: se você produz, eu não importo. Era um mercado cativo, com bons lucros?, conta o ex-ministro. ?Tinha inconvenientes enormes do ponto-de-vista da teoria econômica, mas ninguém controla importação porque quer.?

Para barrar as encomendas externas, Delfim contava com os serviços de um de seus assessores. Carlos Viacava era encarregado de engavetar os pedidos de importação levados ao governo. ?Nós não elevávamos a tarifa (de importação)?, conta Delfim. ?Simplesmente não dávamos a licença de importação.?

?Eu mato o Delfim?
Figueiredo põe cabeça de ministro a prêmio

Os dias mais dramáticos de 1982 ocorreram quando Delfim percebeu que faltavam US$ 600 milhões para fechar o caixa brasileiro. ?Se não arrumássemos o dinheiro em poucas horas, o Brasil quebrava?, conta o então ministro do Planejamento. Delfim procurou o embaixador americano, Anthony Motley, e avisou com todas as letras: ?Vamos quebrar?. Os dois combinaram uma estratégia. Ficou acertado que Figueiredo ligaria para seu colega americano Ronald Reagan e pediria um empréstimo de emergência. ?Os dois gostavam de cavalos e ficaram amigos?, lembra Delfim.

Às 15h30m de sexta-feira, reuniram-se na Granja do Torto Figueiredo, Delfim, Ernane Galvêas (ministro da Fazenda), Leitão de Abreu (Casa Civil) e Motley. Figueiredo ligou para Reagan.

?Presidente, essa é uma operação delicada?, disse Reagan. ?Se você não pagar eu vou preso?.

?Se você for preso, então eu mato o Delfim?, respondeu Figueiredo.

Reagan liberou o empréstimo e o governo atravessou o período
crítico. Uma semana depois, o Brasil pagou.