Em seu segundo mandato à frente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), iniciado no mês passado, o executivo Érico Ferreira, 66 anos, tem vários desafios. Um deles é dialogar com o governo – principalmente com quem assumir o Palácio do Planalto em 2015 – para que as regras do mercado de crédito sejam aprimoradas, permitindo um crescimento sustentável. Outra missão, não menos importante, é defender a imagem das pequenas financeiras e dos grandes bancos que são usualmente acusados de explorar o consumidor, cobrando juros altos. “As pessoas confundem o lucro total do banco com o lucro da área de crédito ao consumidor”, diz Ferreira, que não aceita as críticas das montadoras de que o setor financeiro é muito rigoroso.

DINHEIRO – Qual é a sua avaliação sobre a decisão do Copom de manter, na semana passada, a taxa Selic em 11% ao ano?
ÉRICO FERREIRA –
Como o Banco Central (BC) já tinha subido muito os juros, era prudente esperar um pouco para ver o que vai acontecer. Por outro lado, para a taxa de juros ter um impacto efetivo na inflação, é preciso a ajuda da política fiscal, o que, em minha opinião, não existe no momento. Sem corte de gastos públicos, a Selic teria de ser elevada para 15%. Só que seria uma situação extremamente complicada para o BC, pois todos os indicadores econômicos estão piorando. Todos: o índice de construção civil, da indústria automobilística, de confiança do consumidor, do empresário. Portanto, se a economia está devagar, quase parando, como é que o BC vai subir o juro? Obviamente, em ano de eleição, o BC não vai fazer isso, mesmo porque ele não tem autonomia.

DINHEIRO – O governo gasta muito?
FERREIRA –
Sim. E pior, o gasto é ruim. Se você gasta muito para construir sua casa, tudo bem. Mas se você gasta muito para almoçar, jantar fora, comprar champanhe, vai ficar com os bolsos furados. Acho que é isso que o governo está fazendo.

DINHEIRO – Qual é o impacto real da Selic na vida dos bancos e das financeiras?
FERREIRA –
É muito pequeno. O efeito é muito mais psicológico do que efetivo, porque não se trabalha com a Selic de hoje, trabalha-se com juro futuro. Pode ocorrer de o juro futuro estar numa previsão diferente do que acontece na prática e daí a instituição ajusta, mas ninguém aumenta a taxa porque a Selic subiu. Você até pode reduzi-la para fazer anúncio: “Baixei a taxa!” Mas isso é marketing.

DINHEIRO – Desde abril de 2013, o Banco Central elevou a Selic de 7,25% para 11%. Não teve impacto no crédito?
FERREIRA –
Claro, mas a taxa de juros foi sendo ajustada ao longo do tempo e repassada aos poucos. Porém, o custo do dinheiro nada tem a ver com volume de crédito. O volume tem a ver com o risco que a instituição está disposta a assumir.

DINHEIRO – Por que o Brasil tem, na ponta, os maiores juros do mundo?
FERREIRA –
Por diversos motivos. Temos um juro básico alto, que é a Selic, e a nossa receita é taxada com PIS e Cofins antes mesmo de saber se geramos um resultado positivo ou não. Há também uma dificuldade muito grande em relação às garantias dos empréstimos. A Justiça entende o consumidor como um ser indefeso que assinou um contrato e que não sabia o que estava assinando. Em minha opinião, se você assinou um contrato, tem de cumprir aquele contrato. Não pode alegar que não sabia. Você assina um contrato e depois não é responsável por aquilo que assinou? É um desserviço ao cidadão. Se não tem castigo, ele vai incorrer nesse erro novamente.

DINHEIRO – A Justiça brasileira protege o inadimplente?
FERREIRA –
Já foi pior há alguns anos. Porém, mesmo quando o juiz determina busca e apreensão do bem, é difícil localizar um veículo, é um processo longo e burocrático. Outro exemplo importante: quando você apreende um bem, a instituição financeira fica responsável pelas multas e pelo IPVA. Ora, o carro não era meu, o carro era seu. Se você foi multado e eu tirar o seu carro, eu sou o responsável pela multa que você teve? Infelizmente, é assim. E essas coisas vão justificando por que o banco tem de cobrar juros mais altos.

DINHEIRO – Mas os bancos não lucram demais?
FERREIRA –
As pessoas confundem o lucro total do banco com o lucro da área de crédito ao consumidor. Leia o balanço de cada grande instituição e veja se ela ganha muito dinheiro com essas operações. Além disso, esses lucros bilionários impressionam muito, mas são decorrentes de patrimônios bilionários. É muito razoável que alguém que tenha R$ 100 bilhões de patrimônio consiga R$ 10 bilhões de lucro.

DINHEIRO – Em entrevista à DINHEIRO, em julho do ano passado, o presidente da Anfavea (a associação nacional das montadoras), Luiz Moan, disse que os bancos são mais lucrativos que as montadoras. O sr. concorda?
FERREIRA –
Como ele tem banco dentro da montadora (o banco da GM), ele sabe quanto ganha um e quanto ganha o outro. Como eu não tenho montadora, eu não sei quanto ela ganha. E como a galinha do vizinho é sempre mais gorda, eu escolheria a galinha do vizinho, que é a montadora.

DINHEIRO – A direção da Anfavea reclama que o mercado de veículos esfriou por culpa dos bancos e das financeiras, que são muito rigorosos na concessão de crédito…
FERREIRA –
Acho que a Anfavea tem um rigor muito grande na hora de definir as margens dos carros. Se quer vender mais carro, deveria baixar o preço. É fácil dizer que o problema está no outro, que não dá crédito. As instituições dão crédito da melhor maneira que lhes convém. Cada uma assume o risco que quer. Se as montadoras acham que está ruim, tudo bem, elas que deem a garantia. Fácil assim. Essa reclamação me parece descabida por outro motivo. Todas ou quase todas as montadoras têm o seu próprio banco. Então a reclamação é para o seu umbigo. Eu tenho a minha instituição, mas não quero correr riscos. Mas quero que o outro corra o risco que eu não quero correr? É um disparate.

DINHEIRO – Então o setor financeiro não está atrapalhando a indústria automotiva?
FERREIRA –
Se o consumidor está em tendência de baixa no seu ímpeto, na sua confiança, ele vai tender a consumir menos. O banco não vai aumentar o seu risco e diminuir a taxa para induzir o consumidor que não quer consumir. Quem tem que ir para o consumo é o próprio consumidor. A função da instituição financeira é apenas facilitar esse consumo, não induzir esse consumo. E o cliente não é induzido ao consumo pela propaganda. Você não vai comprar um carro por causa da taxa zero. Você vai comprar um carro se estiver na hora de comprar um carro e aí, sim, vai procurar a taxa zero.

DINHEIRO – Mas, afinal de contas, há ou não há rigor excessivo na concessão de crédito?
FERREIRA –
Acho que não há. Há o que precisa ser feito. Os bancos não estão aqui para atender a indústria automobilística. O banco tem de dar crédito se tiver uma enorme expectativa de receber esse crédito. Se existe rigor, na minha opinião, o rigor está correto. A função do banco é preservar o dinheiro dos seus investidores e, portanto, dar créditos saudáveis. Essa é a função do banco, não é incentivar a indústria e depois, se não receber, tudo bem.

DINHEIRO – Em 2010, houve exagero no crédito para veículos?
FERREIRA –
A inadimplência pode ocorrer por dois motivos. Por um exagero na liberação de crédito ou por causa de uma crise. Em 2010, realmente houve exagero. Ficou comprovado que é quase impossível crescer rapidamente a carteira de crédito sem perder a qualidade.

DINHEIRO – Financiar carro em 90 vezes, com juro zero, é insustentável?
FERREIRA –
Isso acabou. É totalmente insustentável. Porque a pessoa paga, paga, paga e está sempre devendo um monte. Há um desequilíbrio. O cliente deve 100 parcelas de R$ 300. Portanto, deve R$ 30 mil. Um ano depois, o carro dele vale R$ 22 mil e a dívida é de R$ 26 mil. Isso é muito desestimulante para o cliente. O risco é muito grande.

DINHEIRO – A Acrefi tem no seu quadro de associados algumas instituições públicas, que foram estimuladas pelo governo a acelerar a oferta de crédito em meio à crise. Como o sr. avalia o papel delas?
FERREIRA –
A função do governo é incentivar o consumo. Foi o que ele fez em 2009. É óbvio que o setor privado não gosta disso. Mas entre não gostar e achar que está errado há uma distância.

DINHEIRO – Muitos analistas disseram, na ocasião, que os bancos públicos iriam quebrar a cara, mas essas instituições ganharam muito dinheiro na crise. Elas estavam certas em acelerar o crédito?
FERREIRA –
Parece que sim, não? Mas isso você só descobre depois.

DINHEIRO – A fórmula de estímulo ao consumo do atual governo se esgotou?
FERREIRA –
Se a gente interromper o crédito ao consumo, o Brasil para. Pura e simplesmente isso. Não há dinheiro no bolso do consumidor para comprar as coisas à vista. Achar que ele vai poupar para comprar à vista é contrariar a natureza do ser humano. O ser humano não consegue fazer essa poupança e acaba gastando em coisas muito menos úteis do que comprar carro, televisor, celular ou máquina de lavar. Ele vai gastar em bobagem, tomar cerveja, o que é muito pior. Muito pior para ele e pior para a economia. Ele não melhora seu padrão de vida e a economia não vai andar porque não tem consumo.

DINHEIRO – Existe algum percentual saudável para o crescimento do mercado de crédito?
FERREIRA –
Crescer a 10% ou 15% ao ano me parece bom demais. Não é possível crescer a 25% ou 30%.

DINHEIRO – Quando o sr. ouve algum analista afirmar que há bolha de crédito no Brasil, qual é a sua reação?
FERREIRA –
Não acho que tenha bolha de crédito. As pessoas confundem bolha de crédito e ficam traumatizadas com o que aconteceu nos Estados Unidos, que faziam uma terceira hipoteca. Aquilo, sim, era uma bolha de crédito. O imóvel sobe de valor, eu tomo uma segunda hipoteca. E aí ele sobe mais ainda, e eu tomo uma terceira hipoteca. Não conheço esse tipo de operação no Brasil.

DINHEIRO – O que a Acrefi espera do próximo governo, independentemente de quem vença as eleições?
FERREIRA –
Esperamos que o próximo governo faça o que precisa ser feito. Precisa tomar medidas como reajustar os preços administrados e parar de mudar a regra constantemente. Isso é terrível. Quanto mais liberdade der para o empresário, maior será o sucesso do Brasil.