11/02/2009 - 8:00
EZEQUIEL NASSER ACUSA A MERRILL LYNCH DE FRAUDE. COMO PROVA, EXTRATOS DUPLOS DE SEUS FUNDOS, COM NÚMEROS DIFERENTES
O EX-DONO DO BANCO EXCEL ECONÔMICO, EZEQUIEL NASSER, É UM investidor milionário e experiente. O advogado Raphael Lunardelli Barreto é um pequeno investidor que começou a aplicar em ações. O que ambos têm em comum? Aparentemente nada, a não ser uma paixão enorme por correr riscos no mercado financeiro. Pois ambos são exemplos extremos de um tipo de investidor que se prolifera pelo mundo pós-crise do subprime: o cliente revoltado. Eles não se conformam com as perdas que tiveram no ano passado, acusam os bancos e corretoras de má gestão dos recursos e lutam na Justiça para receber o dinheiro de volta. O caso de Nasser é o mais ruidoso, com repercussão internacional. Ele briga na Justiça de Nova York contra a Merrill Lynch, poderosa instituição que afundou na crise do subprime (empréstimos de alto risco) e acabou sendo comprada pelo Bank of America sob os auspícios do governo americano. Nasser quer receber US$ 612 milhões da Merrill Lynch para cobrir os prejuízos de seus fundos de investimento e os danos à sua empresa, a gestora Excel Wealth Management.
RENATO MALZONI: funcionário da Merrill Lynch também é alvo das acusações de Nasser
“Fomos roubados e vamos brigar até o fim”, afirmou Nasser, em entrevista à DINHEIRO (leia os principais trechos na página 82). Quatro de seus fundos viraram pó na esteira da quebra do banco Bear Stearns, em março passado. As carteiras, geridas por Nasser, por seu filho Raymond e por seu tio, Albert, faziam aplicações no arriscado mercado de opções de ações americano por intermédio da Merrill Lynch em Nova York e São Paulo. Dentre os contratos preferidos, estavam as opções de venda de papéis do Bear Stearns. Quando as ações do Bear Stearns caíram de US$ 60 para US$ 2 (preço oferecido inicialmente pelo Bank of America), os fundos derreteram e foram liquidados pela Merrill Lynch.
BUTORI E BARRETO: extrato mostra tamanho do tombo em movimentações sem autorização do cliente
Segundo Nasser, a liquidação ocorreu de forma fraudulenta e com a apropriação indevida de recursos usados para dar garantia às opções e com a reversão não-autorizada de operações de swap (trocas de índices), que rendiam cerca de US$ 25 milhões por ano aos fundos. Até hoje os documentos com relação a essas liquidações não teriam sido apresentados. Sete funcionários da Merrill Lynch ligados ao caso foram demitidos. Nasser susno tenta que o dinheiro dos fundos era de seus clientes e que não descansará enquanto eles não forem ressarcidos.
O ADVOGADO ROSENBAUM: 30 processos em andamento contra fundos e corretoras,
O ESPANHOL JAVIER CREMADES:ações coletivas contra o Santander no caso Madoff
A Merrill Lynch acusa os Nasser de não cumprirem integralmente com suas obrigações e apresenta uma conta adicional de US$ 78,8 milhões, no processo que abriu contra eles na Suprema Corte do Estado de Nova York. A fatura foi levada pessoalmente pelo funcionário Renato Malzoni (famoso por ter namorado a modelo Daniela Cicarelli) ao escritório novaiorquino dos Nasser, na Park Avenue, no dia 4 de abril de 2008. Os ex-clientes não aceitaram a conta e acusaram Malzoni de participar diretamente da fraude, segundo os autos do processo. “Os acusados devem uma grande quantia à Merrill Lynch, recusam-se a pagá-la e têm feito o máximo para fugir das suas obrigações com a firma”, afirmou à DINHEIRO, por e-mail, Mark Herr, vice-presidente de comunicação corporativa da Merrill Lynch.
Em sua defesa, os Nasser contraatacaram e usaram os próprios documentos apresentados pela Merrill Lynch para fundamentar as acusações de fraudes e o suposto “comportamento criminoso” da empresa. Dentre eles, dois extratos da mesma conta do fundo Excel Global Opportunities, com números discrepantes. No primeiro, enviado em maio de 2008, o saldo líquido aparece zerado. No segundo, com data de janeiro deste ano, há um saldo remanescente superior a US$ 456 mil. “Um deles é fabricado”, conclui Nasser. A Merrill Lynch nega as acusações de fraude e não explica como poderia haver duas contabilidades distintas para o mesmo cliente. “Este é outro assunto especial levantado pelos Nasser para desviar a atenção do fato incontestável de que eles devem US$ 78 milhões à Merrill Lynch e se recusam a pagar”, afirma Herr. Ele não comentou o motivo das demissões dos funcionários responsáveis pela gestão, pelo monitoramento e auditoria das contas dos fundos de Nasser. Herr afirma que Malzoni agiu corretamente.
O RECURSO DE BUSCAR RESSARCIMENTO NOS TRIBUNAIS ATRAI TAMBÉM PEQUENOS INVESTIDORES, COMO O ADVOGADO RAPHAEL BARRETO. ELE PROCESSOU A CORRETORA SLW E RECUPEROU UMA APLICAÇÃO DE R$ 74 MIL
Outros casos de investidores revoltados com a má gestão de seus fundos devem aparecer nos tribunais internacionais nos próximos meses. O esquema fraudulento de Bernard Madoff, expresidente da Nasdaq, continua colecionando processos pelo mundo. O espanhol Javier Cremades, da Cremades & Calvo Sotelo Advogados, estimou em três milhões o número de prejudicados e ingressou com processo nos EUA contra o Santander, exigindo reparação dos danos para seus clientes. O banco espanhol fez proposta de acordo, de ? 1,3 bilhão. Na Argentina, foi criada a Consumidores Financeiros, uma associação civil que cobra a devolução do dinheiro pelas perdas do fundo Optimal, do Santander, que investia parte do seu patrimônio com Madoff. “A tendência é aumentar as discussões e o número de processos no Brasil, como ocorre em países com mercado de capitais desenvolvido”, diz Léo Rosenbaum, sócio da Rosenbaum Advocacia, de São Paulo. Sobre sua mesa, há 30 processos em andamento de pessoas que buscam o ressarcimento por falhas na gestão de fundos de investimento e quebra de contrato na prestação de serviços pelas corretoras. O escritório encontrou 48 casos julgados pelos Tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais e Rio Grande do Sul nos últimos dez anos. O investidor venceu em 36 ações. “A ingenuidade de aceitar sugestões não dá direito a ressarcimento”, alerta Rosenbaum. “Porém, o prejuízo pode ser revertido quando não foi dada a autorização para aplicações em opções.”
O advogado Raphael Lunardelli Barreto é um que perdeu dinheiro na bolsa de valores, colocou a culpa no corretor e não se conformou até receber uma indenização. No começo do ano passado, por indicação de amigos, decidiu investir na bolsa por meio da SLW Corretora, de São Paulo. Os R$ 74 mil que possuía na conta viraram pó seis meses depois, devido a operações malsucedidas no mercado de ações a termo. Barreto alega não ter autorizado tais operações. Ele entrou com processo na Justiça. “Há uma teoria de que as perdas fazem parte do risco da renda variável. Mas não é sempre assim”, diz Luiz Felipe Butori, que é sócio de Raphael no escritório Mesquita, Queiroz, Butori e Barreto Advogados. Operações feitas sem o consentimento prévio do investidor, ou que tenham excedido os poderes dados ao corretor, são passíveis de ressarcimento. No caso de Barreto, ele alega que os recursos em sua conta eram movimentados em altos volumes e sem o seu conhecimento prévio, em operações de day trade (compra e venda no mesmo dia). “Depois de um tempo eu não recebia telefonemas pedindo a minha autorização, mas as operações continuavam”, diz Barreto. O susto veio quando percebeu que a carteira era alavancada para realizar as operações. Foram movimentados, por exemplo, R$ 577,9 mil no dia 1º de abril. “Não tinha ideia dos riscos de uma alavancagem. Nunca ouvi que deveria ter cuidado, só se falava em ganho, ganho e ganho.”
Em maio, ele reclamou com Robson Queiroz, diretor da SLW, informando que deixaria de trabalhar com a corretora. Sua carteira tinha rendido 5,4%, mas a falta de comunicação com o seu operador era determinante para sua decisão. Queiroz convenceu-o a permanecer com a garantia de que a atitude da corretora mudaria e ele teria um novo operador para sua carteira. “Indicamos uma outra pessoa, mas depois de uma semana ele disse que ela girava pouco a carteira dele”, afirma Queiroz. Novas operações a termo foram contratadas e ele chegou a fazer dois depósitos adicionais para cobrir as garantias. Mas a bolsa afundou e, em 13 de agosto, tinha perdido tudo. Barreto encaminhou notificação extrajudicial para a corretora apresentar a sua versão dos fatos e abriu processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A SLW, apesar de ter apresentado a defesa à CVM, aceitou um acordo. “Não tínhamos a gravação para comprovar que o cliente sabia dos negócios”, assume Queiroz. O investidor receberá seis parcelas de R$ 12, 3 mil. É o resultado de seus investimentos nos tribunais.
“Foi uma fraude”
Como um financista experiente, exdono de um banco (o Excel Econômico) que sofreu intervenção federal e foi vendido por R$ 1, dez anos atrás, conseguiu perder milhões de dólares com o Bear Stearns? Ezequiel Nasser conta sua história. Ele acusa a Merrill Lynch de fraudar documentos e lesar os seus fundos. Por telefone, de Nova York, ele falou à DINHEIRO:
DINHEIRO – O sr. se considera roubado?
NASSER – Totalmente. As reivindicações que os nossos fundos estão fazendo estão consubstanciadas com provas. Toda a nossa defesa se baseou em documentos fornecidos pela Merrill Lynch. Vamos até o fim. Somos lutadores e temos a total razão. Nunca tratei um cliente meu assim. Foi uma fraude.
DINHEIRO – Quais são as provas?
NASSER – Os statements (extratos) duplos, cada um com números diferentes, do Excel Global Opportunities Fund. Por um grande acaso, na semana passada apareceu o extrato novo. Agora o Bank of America está fazendo uma auditoria na Merrill Lynch e deve ter mudado a forma de trabalhar. Se um dos extratos é verdadeiro, o outro não é.
DINHEIRO – Isso mostra uma contabilidade paralela?
NASSER – Exatamente. Não tenho dúvidas de que essa operação foi colocada nos livros para a conta deles. Não é possível. Temos todos os nossos swaps apostando na baixa das taxas de juro. De repente, na segunda-feira, o Fed (banco central americano) me baixa os juros em 0,25 (ponto percentual) e a precificação fica pior. Mas o mark to market (marcação a mercado) que eles mandaram para mim naqueles dias não bate com o que eles disseram que liquidaram. Esse pessoal nunca mandou para mim uma conta. Eu, como banqueiro, sei como o banco funciona. Na hora que ligaram para nossos fundos, perguntei o que eles tinham de contabilidade. Responderam: “Olha, a gente não sabe exatamente, vê se manda uns US$ 100 milhões e depois a gente vê.” Falei que queria a contabilidade, os extratos. Nunca recebi nada.
DINHEIRO – O Renato Malzoni não apresentou uma contabilidade das contas?
NASSER – Era apenas uma planilha. Eu falei para o chefe dele, o José Malbran, chefe da América Latina, que queria ver números, os extratos, as liquidações. Como fizeram? Como liquidaram? Quem são as contrapartes dos swaps? Nem nos pediram depósitos adicionais de margens.
DINHEIRO – Os srs. estavam preparados para perder com as opções do Bear Stearns?
NASSER – Estávamos. Mas a liquidação foi feita no preço mais baixo. O Morgan comprou o Bear Stearns por US$ 2 a ação, o pessoal chiou e o preço foi para US$ 10. Claro que conosco eles não perderam tempo e liquidaram com o preço mais baixo.
DINHEIRO – Eles tinham o direito de liquidar as operações quando o saldo ficou negativo? NASSER – Eles tinham não só o direito, mas a obrigação. Elas ficaram negativas quando a ação estava a US$ 60, US$ 50. Deveriam ter liquidado antes. Está no manual deles. Eu conheço derivativos também. Eles teriam que pedir margens. Se o cliente não manda, você liquida.
DINHEIRO – Por que isso aconteceu, na sua opinião?
NASSER – Displicência total, nenhum controle no Brasil, nem aqui (Nova York). Por isso mandaram embora todo mundo de compliance, de operações. Não sobrou mais ninguém. Houve uma reunião famosa em Nova York, com 150 financial advisors – tem testemunha pra chuchu -, em que disseram que estavam mandando as pessoas embora por causa de um problema com uma família na América do Sul. Essa foi a razão dada pelo Daniel Sontag e pela Darcie Burk, que agora foi demitida também. Eram os chefes da Merrill Lynch na América Latina. Quando acusam as nossas corporações, colocam o nome de ex-funcionários. Querem usá-los como bode expiatório.
DINHEIRO – A funcionária Claudia Srour, que os atendia, teria se recusado a assinar falso testemunho contra os clientes e foi demitida. Hoje ela trabalha para os srs.?
NASSER – Não. Ela tem uma parceria com o Raymond (filho de Ezequiel Nasser) para prestar consultoria financeira.