01/04/2011 - 6:00
DINHEIRO ? Como o sr. vai enfrentar a imagem ruim que o sistema financeiro tem no Brasil?
MURILO PORTUGAL ? Vejo meu papel com grande entusiasmo. A Febraban tem de ser o interlocutor do sistema com a sociedade. Não é minha primeira experiência nesse sentido, trabalhei durante muitos anos no FMI, que não é uma das instituições mais populares do mundo. A percepção sobre os bancos não é algo exclusivamente brasileiro nem pode ser explicada de forma simplista.
DINHEIRO ? É fácil bater em um setor que ganha muito dinheiro?
PORTUGAL ? Essa é outra ideia equivocada. Existe a percepção de que os bancos ganham demais, que são quem mais lucra na economia. Se olharmos os números dos últimos dez anos, veremos que isso só ocorreu em 2002. No restante do tempo, os bancos não foram as empresas com os maiores lucros. Comparemos as duas maiores empresas brasileiras, Petrobras e Vale. Juntas, elas lucraram R$ 65 bilhões em 2010. Os dez maiores bancos, reunidos, tiveram um lucro de R$ 41 bilhões. É um bom número, sem dúvida, mas não é o maior do Brasil. Se os bancos não tiverem lucro, não se manterão saudáveis para prestar os serviços necessários à população.
DINHEIRO ? Mesmo assim, para muita gente os bancos são os vilões da economia.
PORTUGAL ? Uma parte desse problema decorre das próprias operações bancárias. Para o cliente, é muito mais agradável receber o dinheiro de um empréstimo concedido do que ter de pagar esse empréstimo em um segundo momento. Os bancos emprestam, o que é bom, mas eles também cobram, o que não é tão agradável. E também existe uma questão de desinformação. Os clientes podem ter uma imagem ruim genérica do sistema, mas a imagem específica é positiva.
“O FMI não é uma das instituições mais populares do mundo”
Protesto contra o Fundo Monetário Internacional no Paquistão
DINHEIRO ? Como assim?
PORTUGAL ? Temos uma pesquisa que mostra um resultado muito interessante. Quando perguntamos aos entrevistados o que eles acham dos bancos em geral, a avaliação não é positiva. No entanto, quando perguntamos o que o cliente acha do banco em que ele tem conta, a imagem é bem melhor. Ou seja, há uma disparidade de visões.
DINHEIRO ? Por que isso ocorre?
PORTUGAL ? Há vários motivos. Um deles é uma parcela de desinformação. Os bancos têm um papel essencial em qualquer economia desenvolvida, e isso precisa ser mais bem explicado. Uma das funções primordiais dos bancos é a transferência de recursos entre pessoas e empresas. Pense, por exemplo, como seria se você tivesse de pagar todas as suas contas diretamente em dinheiro nos prestadores de serviços e nas lojas. O custo operacional seria altíssimo. Os bancos também captam as poupanças individuais e concedem empréstimos, ou seja, eles financiam sonhos de consumo e os investimentos das empresas. Se esses serviços
não fossem prestados pelos bancos, o desenvolvimento econômico ficaria comprometido.
DINHEIRO ? Os bancos não têm se comunicado bem com a sociedade?
PORTUGAL ? Eles têm comunicado isso melhor nos últimos anos, mas esse processo tem de melhorar continuamente.
DINHEIRO ? E a conversa com o governo, que permanece truncada? A ?Lei do Biombo? não agradou aos bancos.
PORTUGAL ? Consideramos essa lei equivocada.
“Petrobras e Vale lucram mais que os dez maiores bancos”
José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, e Roger Agnelli, da Vale
DINHEIRO ? Ela não aumenta a segurança do cliente?
PORTUGAL ? Não, ao contrário. Essa lei foi sancionada pelo governo paulista no dia 16 de março e obriga os bancos a instalar divisórias de, no mínimo, 1,80 metro de altura junto aos caixas. A ideia é proteger os clientes que fazem saques em dinheiro. Os biombos impediriam que os ladrões identificassem uma pessoa que tenha feito um resgate elevado e a seguissem para assaltá-la. Esse golpe ficou conhecido como ?saidinha? e é uma fonte de preocupação para o cliente. Essa é uma maneira errada de lidar com o problema.
DINHEIRO ? Por quê?
PORTUGAL ? Por vários motivos. O primeiro é operacional. Ao colocar essas divisórias, você impede que quem faz a vigilância tenha uma visão ampla do que ocorre dentro da agência e isso reduz a segurança em vez de aumentá-la. Pense, por exemplo, no caso de um assalto. Em uma agência com biombos dificultando a visão será mais difícil identificar os bandidos, eles estarão protegidos pelo biombo. Além disso, eles poderão fazer reféns e ter sua fuga facilitada. E hoje o problema da segurança já não está mais nas agências de bancos.
DINHEIRO ? Mesmo com tantas notícias de assaltos?
PORTUGAL ? Os bancos têm feito investimentos vultosos e crescentes em segurança nos últimos anos. Em 2003, por exemplo, o investimento for de R$ 3,5 bilhões. Em 2010, esse investimento foi de R$ 9,4 bilhões e as estatísticas mostram que esses investimentos estão funcionando. Prova disso é que a quantidade de crimes ocorridos nas agências caiu muito nos últimos anos. No ano 2000, foram registrados 1.903 assaltos a bancos em todo o Brasil. Em 2010, essa cifra recuou para 337, uma redução de 82%. Na capital de São Paulo, a queda foi de 70%, de 381 para 112. Estamos negociando outras medidas com as autoridades de segurança.
DINHEIRO ? Quais medidas?
PORTUGAL ? Algumas são simples, como impedir o estacionamento de motocicletas na porta do banco. Quando as agências tiverem estacionamento, vamos forçar as motocicletas a pararem no fundo do estacionamento, e não na frente, pois isso vai dificultar que um assaltante possa subir na motocicleta e escapar pelo trânsito, especialmente nas grandes cidades. Há mais iniciativas. Atual-mente, os bancos têm câmeras de segurança instaladas nas agências, mas nós vamos instalar mais equipamentos desse tipo para vigiar a parte externa. São investimentos como esses, usados com inteligência e em parceria com as atividades policiais, que aumentam a segurança do cliente. Não os biombos.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o crescimento do sistema financeiro? Ele já chegou à maturidade?
PORTUGAL ? Não. Hoje o total de empréstimos, segundo dados do Banco Central, chegou a cerca de 46% do Produto Interno Bruto (PIB). Era menos de 20% há pouco mais de dez anos. Há casos de enorme sucesso, como por exemplo os empréstimos consignados. E ainda há muito espaço para crescer. Por exemplo, o crédito imobiliário ainda tem um potencial enorme para ser explorado pelo sistema financeiro.
DINHEIRO ? Qual seria o percentual ideal de crédito em relação ao PIB?
PORTUGAL ? É difícil estimar um número, pois isso depende da situação econômica e regulatória de cada país. Não seria correto comparar o mercado brasileiro com o dos Estados Unidos ou com o de alguns países da Europa, mas em países como Chile esse percentual é 78% e na África do Sul o crédito se aproxima dos 88% do PIB.
DIHEIRO ? O que é preciso para que o crédito no Brasil atinja esse patamar?
PORTUGAL ? Não há uma fórmula mágica. O essencial é a manutenção da estabilidade macroeconômica e da estabilidade de regras. O Brasil avançou incrivelmente nos últimos anos em termos de estabilidade macroeconômica. Basta olhar os prazos médios da dívida pública, que eram de apenas sete dias no fim dos anos 80 e agora chegam a quase quatro anos. A estabilidade econômica é essencial para que o sistema funcione bem. Só assim será possível viver uma taxa de crescimento do crédito acima do crescimento do PIB, ou seja, um aumento em termos relativos do crédito, sem que haja pressões inflacionárias.
DINHEIRO ? Com sua experiência no FMI, em que avaliava a situação de vários países, como o sr. vê a economia brasileira?
PORTUGAL ? A economia brasileira está em seu melhor momento. Apesar de uma pressão devido ao aumento dos preços internacionais das commodities, a inflação permanece controlada. A economia recuperou sua capacidade de investimento e deve continuar crescendo apesar das medidas de ajuste do governo. Temos o conforto de reservas internacionais abundantes e não há escassez de recursos internacionais. Claro, há alguns passos a percorrer e o mais importante deles é o estímulo à formação de poupança interna. Enquanto a poupança não for suficiente para manter a taxa de investimento, vamos continuar dependendo de poupança importada, com entrada de dólares.
DINHEIRO ? Essa abundância de dólares obrigou o governo a elevar o IOF. Foi uma medida acertada?
PORTUGAL ? Essa medida ainda não foi divulgada, então prefiro não comentá-la. Mas vamos falar em termos genéricos. Temos de ter em mente que a liquidez internacional vai permanecer abundante. Eu não vejo um grande problema em usar poupança externa para custear investimentos, se a poupança interna não for suficiente. No limite, em algumas situações específicas como reduções drásticas da demanda, é válido até financiar o consumo doméstico com poupança externa, sempre tendo em vista que esse é um recurso temporário.