Por Raphael Vicente

dia 20 de novembro é feriado em seis estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo.  Neste último, o Dia da Consciência Negra entrou no calendário de comemorações no segundo semestre deste ano.

A data remonta ao Quilombo de Palmares, região atual de Alagoas, que em 1694 foi destruído por um grupo de bandeirantes paulistas, contratado pelo governo de Pernambuco e liderado por Domingos Jorge Velho, notório caçador de indígenas e de escravizados foragidos. Jorge Velho conseguiu êxito depois de décadas de inúmeras expedições frustradas e resistência de Palmares.

Os quilombos eram comunidades formadas por negros, índios, mouros, que inicialmente conseguiam fugir das fazendas. Palmares chegou a concentrar mais de 30 mil pessoas.

Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, comandou a luta contra Jorge Velho. Após a queda do quilombo, teve seu esconderijo revelado, sofreu uma emboscada e foi morto. Estima-se que a morte tenha ocorrido em 20 de novembro de 1695. Seu corpo foi esquartejado e sua cabeça foi exposta em praça pública, em Recife.

O fato de até hoje apenas seis estados brasileiros reconhecerem a data como feriado, somado à ausência de uma data nacional, nos dá a dimensão do nosso passado, do nosso presente, e um vislumbre do futuro que não podemos permitir.

O Quilombo de Palmares não remete apenas aos negros, mas à história da formação da nação brasileira. As próximas gerações não podem ser vítimas dos nossos erros, aliás, não por acaso, este é um mantra do desenvolvimento econômico sustentável.

A formação dos próximos “brasis” passa pela necessidade de aprendermos sobre a nossa real história, nossos dilemas, contradições, matanças a serviço dos mais variados interesses, mas também pela árdua e desesperada luta de um povo pela sua liberdade, bem como por uma vida minimamente digna.

Em um país no qual toda a sua estrutura jurídica, econômica e educacional, para dizer o mínimo, foi forjada sob a égide da escravidão, os operadores do Direito, quando muito, sabem, em regra, que o Brasil teve escravos e que a princesa Isabel os libertou.

As grandes obras literárias sobre a formação econômica do Brasil, em regra, não consideram o sistema escravocrata com um dos grandes pilares ou causas do subdesenvolvimento brasileiro. Da mesma forma no mercado de trabalho.

O dia 20 de novembro nos remete a um passado extremamente presente, nos convida a uma reflexão. Não somos mais uma colônia, somos uma das maiores economias do mundo, porém extremamente discriminatória, desigual e injusta. Ao custo de muito sangue, suor e lágrimas, de heróis em sua maioria anônimos, o Brasil vem passando a sua história a limpo.

Começamos a perceber que mais justiça social, mais equidade, mais ações de enfrentamento ao racismo e a todas as formas de discriminação não são nada mais do que um salto civilizatório que beneficia a todos.

Como disse José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, o reconhecimento do Dia da Consciência Negra como feriado nacional seria o “o reencontro do Brasil real com o Brasil que ainda é falsiado”.

Mesmo com a queda de Palmares, mais de cinco mil quilombos permanecem até os dias de hoje. Movidos por uma esperança incompreensível, os quilombolas lutaram contra contra todas as possibilidades e contra todos os seus medos, ao ponto de enfrentar canhões com lanças e escudos de madeira.

Passados 328 anos, o estado dos bandeirantes que mataram e esquartejaram Zumbi o reconhece como herói. Em 20 de novembro 2023, São Paulo para e celebra seu mais novo herói. Zumbi não lutava apenas pelos negros. Lutava por uma possibilidade de um futuro diferente aos seus irmãos, em um país em formação chamado Brasil. Zumbi venceu Domingos Jorge Velho. Nós venceremos o racismo, custe o que custar.

Raphael Vicente é Diretor Geral da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Advogado, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor e diretor Geral da Universidade Zumbi dos Palmares