05/10/2013 - 7:00
No dia 13 de setembro de 2008, Timothy Geithner, então presidente do Federal Reserve, o banco central americano, convocou os principais banqueiros dos Estados Unidos para uma reunião em Wall Street, o distrito financeiro de Nova York. Geithner anunciou que a situação do Lehman Brothers, na época o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, era grave e que era preciso evitar que o problema se alastrasse para todo o sistema. Dois dias depois, com a recusa do governo em salvar o banco com dinheiro público, o Lehman Brothers quebrou. Foi a maior falência da história americana e o marco zero de uma crise que levou outros gigantes do mercado à lona, contaminando a economia mundial.
O dinheiro fala: Acima, Blankfein, Benmosche, Keith Sherin (GE Capital) e Douglas Flint (HSBC)
chegam à Casa Branca. Um ano antes, Obama pediu apoio para evitar o shutdown.
Abaixo, Brian Moynihan (BofA) e Blankfein
Cinco anos e duas semanas depois daquela reunião, o presidente Barack Obama, que em 2008 venceu as eleições com um voto de esperança para solucionar a crise, recebeu na Casa Branca, na quarta-feira 2, os presidentes dos maiores bancos do país. Desta vez, foram os banqueiros que pediram o encontro. Na conversa de uma hora, eles falaram sobre as finanças do governo e a necessidade de acelerar a economia e a criação de empregos. E alertaram para os riscos para a economia americana e mundial do impasse político que paralisou o governo americano desde a terça-feira 1º. Nesse dia, os parlamentares republicanos lideraram uma rebelião no Congresso e não aprovaram o orçamento do ano fiscal 2013/2014, que começou no dia 1º de outubro.
O ato pode ter consequências ainda mais severas se o Congresso não aprovar a elevação do teto da dívida, cuja votação estava prevista para as próximas semanas e garantiria o pagamento de compromissos com investidores não apenas americanos, mas de todo o mundo. Do lado do governo, além do Obama, estavam o secretário de Tesouro, Jacob Lew, e o vice-presidente, Joseph Biden. Entre os banqueiros, estavam os CEOs do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein; do Bank of America, Brian Moynihan; e do JP Morgan Chase, James Dimon; além dos presidentes do American International Group, Robert Benmosche; do Citigroup, Michael Corbat; do Morgan Stanley, James Gorman; e o número 1 do Wells Fargo, John Stumpf.
A reunião foi promovida pelo Fórum de Serviços Financeiros, entidade que congrega as 20 maiores instituições financeiras do país e realizava um evento em Washington. Além do Executivo, os banqueiros encontraram-se também, no Capitólio, com líderes republicanos e democratas. “Queríamos ter certeza de que todo mundo entende a gravidade da situação”, disse Moynihan, do Bank of America. O dia do encontro, quarta-feira, era o segundo da paralisação do governo. Um evento que não acontecia desde 1995, quando os serviços públicos pararam por 21 dias, gerando um custo equivalente a US$ 2,1 bilhões. Sem o aval do Congresso para o orçamento anual, o governo federal não pode promover gastos.
Fuld, de senhor do universo a bandido: ex-CEO do Lehman (à esq.) em 2008,
ano em que seu sonho de grandeza desabou
Por isso, colocou em prática um plano de contingência que permite o funcionamento apenas dos serviços essenciais. A paralisação atinge distintas áreas. Dos parques nacionais, que recebem milhares de turistas todos os dias – como a Estátua da Liberdade, em Nova York – até websites que hospedam estatísticas econômicas do governo. Cerca de 800 mil funcionários estão em casa, em licença não remunerada. O impacto para a economia depende do tempo que vai durar a queda de braço. O banco Goldman Sachs estima que o fechamento por uma semana pode tirar 0,15 ponto percentual do PIB, mas, se durar três semanas, pode resultar numa queda de 0,9 ponto percentual neste trimestre, reduzindo a previsão de crescimento anual de 2,5% para 1,6%.
A situação, porém, pode piorar – e muito. A batalha mais importante de Obama no Congresso é a permissão para elevar o teto da dívida pública, hoje em US$ 16,7 trilhões, bem maior do que o PIB do ano passado, de US$ 14,9 trilhões. O Tesouro estima que o limite atual será alcançado no dia 17 deste mês. Depois disso, o governo fica impedido de cumprir suas obrigações, incluindo o pagamento dos juros e títulos da dívida. “O prejuízo econômico associado a um default (calote) ou próximo a um default pode ser severo e terá sérias consequências para a recuperação dos Estados Unidos e para a economia global”, diz em nota, o presidente do Fórum de Serviços Financeiros, Lloyd Blankfein, após o encontro com Obama.
Em 2011, já mergulhado numa divisão radical entre republicanos e democratas, os Estados Unidos quase chegaram a um calote numa disputa semelhante, evitado por um acordo de última hora no Congresso para aumentar o limite de endividamento. Desta vez, Obama não cedeu às exigências dos republicanos para aprovar o orçamento (eles queriam adiar em um ano a entrada em vigor do novo sistema de saúde pública, conhecido como Obamacare) e apostou que a oposição levaria a culpa pela paralisação. “Isso é totalmente desnecessário”, afirmou o presidente na quarta-feira 2. Inicialmente, pelo menos, a estratégia deu certo. O senador republicano Ted Cruz, do Texas, que liderou a rebelião dos radicais de direita do Tea Party, tentou obstruir a votação com um discurso de 21 horas e 19 minutos, nos dias 24 e 25 de setembro, contra o Obamacare.
Não conseguiu e, na quarta-feira 2, era cobrado pelos colegas por fomentar a paralisação sem um plano de saída favorável ao partido. Se conseguir evitar o calote, Obama pode comemorar. Até lá, terá de administrar o risco. Nos cinco anos desde o início da crise, a economia mundial avançou bastante. Mas os indicadores não chegam nem perto da exuberância da primeira metade da década passada. O desemprego aumentou nos países do mundo desenvolvido, que viram sua dívida pública aumentar. Alguns, como Grécia, Portugal e Irlanda, tiveram de recorrer à ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI). A conta foi menos salgada para os países emergentes, como Brasil, Índia e China.
Com enormes mercados domésticos, eles conseguiram manter a economia em atividade e depender menos do mercado externo. Mas as empresas brasileiras, por exemplo, tiveram de enfrentar o aumento da concorrência das estrangeiras, desesperadas para desovar seus estoques. A possibilidade de um defaulf ameaça essa trajetória de recuperação. “O calote teria um impacto enorme, mas acredito que vão chegar a um acordo, porque é um país pró-business”, diz o empresário Marco Stefanini, presidente da Stefanini, que emprega 2,3 mil
funcionários nos Estados Unidos.
A fortuna sob os escombros do Lehman
Espólio ainda tem US$ 10 bilhões em imóveis
Quando o império de investimentos sonhado pelo banqueiro Dick Fuld ruiu fragorosamente, há cinco anos, um tesouro de US$ 40 bilhões ficou enterrado sob os escombros do Lehman Brothers. Eram propriedades imobiliárias valiosas nos Estados Unidos e no Exterior, que formavam a carteira proprietária do banco e simbolizavam a arrogância de seu principal gestor. Em vez de vendê-las e capitalizar a instituição logo que começaram as pressões do mercado, e os questionamentos sobre sua solvência diante de níveis perigosos de alavancagem financeira, Fuld bateu o pé.
Ele não podia nem ouvir falar de liquidação de ativos reais, muito menos passar adiante o controle do banco. Dizia que, enquanto fosse vivo, o Lehman jamais seria vendido. “Se a firma for vendida após a minha morte, voltarei da túmulo e evitarei que isso aconteça”, bradou o vilão da crise de 2008, um ano antes de perder o chão, o emprego e a fortuna acumulada em 15 anos de Lehman Brothers. Sua riqueza pessoal chegou a ser avaliada em US$ 1 bilhão e foi reduzida a uma fração disso quando as ações do banco viraram pó e ele nunca mais conseguiu um emprego decente no mercado.
O dinheiro cala: manifestante defende Obama diante do Capitólio
e policiais fecham o Lincoln Memorial, em Washington
Continua milionário, é claro, mas deixou de ser um Senhor do Universo. O estrago no mercado imobiliário que ocorreu após o estouro da bolha do subprime, como eram chamadas as hipotecas de alto risco, ceifou o valor dos ativos nos Estados Unidos, afastou compradores e dificultou o desmonte do império construído por Fuld. Hoje, cinco anos depois, ainda restam cerca de US$ 10 bilhões em propriedades do espólio do Lehman Brothers. Os credores esperam um melhor momento do mercado para passar nos cobres fazendas, hotéis, clubes de golfe e condomínios residenciais e industriais, segundo a revista Bloomberg Business Week.
Terras virgens na Califórnia e em Memphis, campos de golfe no Texas, apartamentos em Miami e hotéis em Nova York e Minneapolis – a lista é longa. O arranha-céu Coeur Défense, comprado em Paris por US$ 2,1 bilhões, oferece o maior espaço imobiliário da Europa, mas está encalhado e virou uma espécie de torre de papel na contabilidade do falido Lehman Brothers. O espólio conta ainda com uma participação de 12% na Fórmula 1 e de 50% na Talgo, fabricante de trens da Espanha. Alguém se candidata?