04/04/2014 - 21:00
Os “bárbaros” da KKR finalmente chegaram aos portões do Brasil. Dois anos depois de contratar o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles como seu consultor especial, e após analisar pelo menos 100 investimentos por aqui, o fundo de private equity americano, que possui ativos totais superiores a US$ 94 bilhões, fechou seu primeiro negócio. Na terça-feira 1º, ele desembolsou uma quantia não divulgada para comprar o controle acionário da Aceco, uma empresa familiar fundada em 1972 e que constrói e gerencia centros de dados de grande porte.
Fergie, chefe da América latina: cheques a partir de US$ 150 milhões
“Não achamos que tenha havido demora para fecharmos nosso primeiro investimento”, diz o engenheiro industrial venezuelano Jorge Fergie, principal executivo da KKR para a América Latina e o Caribe. “Não temos pressa nem para entrar nem para sair de uma empresa, nosso DNA é de participar da melhoria e do crescimento das companhias em que investimos.” Com a aquisição, mais de um ano após desembarcar no Brasil, a KKR junta-se à primeira linha dos investidores de private equity por aqui. Além das conterrâneas General Atlantic, Carlyle e Texas Pacific Group (TPG), esse mercado é disputado por gigantes nacionais como a Gávea, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o Pátria, a GP Investimentos e a Vinci Partners.
Todos esses nomes vêm contribuindo para manter aquecido o mercado de investimentos privados. Segundo dados da Anbima, associação que representa os bancos de investimento e gestores de fundos, em 2013 foram realizadas 181 fusões e aquisições e em 50 delas, quase um terço do total, houve a participação de pelo menos um fundo de private equity. A chegada da KKR calçando os sapatos de um investidor de longo prazo que quer participar do crescimento das empresas não deixa de ser uma ironia. Em sua origem, a KKR notabilizou-se pelas aquisições alavancadas, transações nas quais investidores, executivos ou mesmo uma empresa de médio porte adquirem um concorrente muito maior, e pagam a compra emitindo dívidas.
Em inglês fica mais elegante: essa transação é chamada de Leveraged Buy Out, ou LBO. Esse tipo de negócio se popularizou nos anos 1980, e um de seus principais artífices foi a KKR. Fundada por três ex-executivos do falecido banco Bear Stearns, Jerome Kohlberg e os primos Henry Kravis e George Roberts, e batizada com as iniciais de seus sobrenomes, ela orquestrou uma das maiores aquisições alavancadas da história. Em 1989, ao lado de fundos de pensão e outros bancos de investimento, ela comprou por US$ 31,1 bilhões (US$ 60 bilhões em valores atuais) a RJR Nabisco, um ícone americano.
Além de marcas de cigarro como Winston Salem, a empresa produz os biscoitos Oreo, consumidos em todo o mundo. Na época, a transação – que teve todos os lances de uma sanguinolenta batalha corporativa – foi descrita em Os bárbaros estão no portão (Barbarians at the gate), um dos livros de negócios mais vendidos nos Estados Unidos. A denominação não é um acidente. A chegada de banqueiros de investimento agressivos e orientados por resultados correspondia frequentemente às invasões bárbaras que derrubaram o Império Romano. Para cortar custos e pagar as dívidas, os recém-chegados executavam demissões de executivos sem piedade, cancelavam benefícios e vendiam sedes luxuosas.
Jorge Nitzan, presidente da Aceco: ”A KKR deve acompanhar
o nosso crescimento no exterior.”
Muitas vezes, o que ficava para trás era uma terra arrasada. O espaço para a crueldade corporativa encolheu drasticamente nas duas décadas seguintes, pois os principais financiadores dessas aquisições, os investidores em títulos de alto rendimento, os chamados “junk bonds”, partiram para outras aplicações financeiras. Assim, alguns bancos, como o Drexel Burnham Lambert, de Michael Milken, desapareceram, outros, como o Wasserstein Perella e o KKR tiveram de se reinventar, e a maneira mais fácil de fazer isso foi passar a olhar para as empresas que já haviam sido adquiridas.
Atualmente, a empresa investe em mais de 200 empresas em todo o mundo, entre elas nomes conhecidos como o do grupo de pesquisa de mercado Nielsen e o da empresa de educação superior americana Laureate. Por aqui, apesar do tamanho e da experiência da KKR, a vida não será fácil. A primeira aquisição da KKR é um bom exemplo de como o mercado de compra e venda de empresas com potencial de crescimento é disputado. Parte das ações adquiridas pela KKR já pertencia ao General Atlantic, que fez sua primeira aplicação há dois anos, em março de 2012.
“O investimento do General Atlantic nos auxiliou muito, não apenas com capital, mas também com práticas de gestão e governança”, diz o administrador de empresas paulista Jorge Nitzan, principal executivo da Aceco. “Agora, com a venda do controle, partimos para uma nova fase.” Segundo Nitzan, a KKR deverá caminhar ao lado dos ex-controladores, mas ainda acionistas, no processo de internacionalizar a empresa e, se as condições de mercado permitirem, abrir seu capital. No entanto, esse deve ser um negócio de poucos. Pelas contas de Fergie, não há um teto para os investimentos, mas o piso é um problema.
“Não temos problemas em escrever cheques grandes, mas só pensamos em um negócio em que nosso investimento mínimo seja de, pelo menos, US$ 150 milhões”, diz ele. O escopo também é seletivo. “Não estamos muito interessados em empresas com problemas. Nosso alvo são boas companhias, com uma gestão de primeiríssima linha, que estejam precisando de capital para crescer.” A lista de empresas que se encaixa nesse perfil não passa de algumas centenas, e todos os gestores de private equity já tomaram vários cafés com seus acionistas. Assim, os bárbaros da KKR terão de mostrar muita determinação para fincar sua bandeira no coração do império.