30/03/2020 - 13:38
As más notícias do dia trazem nervosismo ao mercado financeiro. Na B3, a bolsa paulista, a ordem do momento é abandonar o barco antes que ele afunde: os investidores em pânico correm para vender suas ações. Com isso, o preço começa a derreter. No enorme painel na sala do pregão, o gráfico com o Ibovespa começa a cair, cair, cair… Até que uma estridente sirene irrompe. O mecanismo de segurança da Bolsa dispara e é como um alarme convocando a brigada de incêndio para apagar o fogo.
Se essa é a imagem que você tem de um circuit breaker, caro leitor, sinto estragar sua fantasia: a vida real não é tão cinematográfica assim.
Mecanismo de segurança em momentos de grande estresse, o circuit breaker está dividido em três fases. Quando o Ibovespa cai 10% em relação ao fechamento do dia anterior, esse gatilho interrompe as negociações por 30 minutos. Ao voltar, se a queda persistir e atingir 15%, será feita nova parada, desta vez de uma hora. Em casos extremos, em que nem esse segundo balde de água fria aplaca o pânico e a queda chega a 20%, um terceiro circuit breaker determina a suspensão das negociações por tempo indeterminado – em geral, a Bolsa só retoma as atividades no dia seguinte.
“Quando os indicadores futuros apontam queda maior que 10%, o mercado pode abrir em circuit breaker, mesmo que as negociações ainda não tenham iniciado e algumas ações não tenham nem chegado a abrir”, diz Everton Ribeiro, superintendente de trading da Ágora Investimentos.
Esse mecanismo é resultado das finanças comportamentais. Em um momento de caos, o indivíduo não pensa racionalmente. O circuit breaker ajuda o investidor a retomar a consciência. “O investidor em pânico quer fazer liquidez a qualquer custo, mesmo quando o preço das ações cai abaixo do valor patrimonial, em uma bola de neve que deteriora o valor de mercado das empresas”, diz Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.
Não é surpresa. É claro que um circuit breaker coloca todo mundo em alerta. Mas essa tempestade não pega ninguém de surpresa. Como as corretoras e gestoras estão sempre monitorando o mercado, elas já conseguem ver quando chegam as primeiras nuvens negras e o tempo começa a fechar.
“Acompanhamos o mercado em tempo real e ficamos de olho nos índices das Bolsas mundiais. As notícias e os indicadores futuros nos ajudam a prever cenários”, diz Andréa Abreu, chefe de assessoria e mesa de operações da Toro Investimentos. “Quem mais vivencia isso é a mesa de operações. Ela vê a queda brusca dos índices e avisa: estamos chegando perto do sinal vermelho.”
Essa informação é transmitida rapidamente para as outras áreas de uma corretora. Não raro, aqueles clientes que estão mais expostos a risco, pela composição de suas carteiras, também são alertados diretamente.
“O dia que ficou conhecido como ‘Joesley Day’ (17 de maio de 2017, quando vazaram conversas de Joesley Batista, do JBS, com o então presidente Michel Temer), já tinha um cenário pronto para o circuit breaker”, diz Simone, da Reag.
Mesmo acostumados com turbulências, os operadores nunca se tornam indiferentes a um circuit breaker. Simone relata que, no dia 12 de março – terceiro dia de parada devido à pandemia do coronavírus -, ela estava na porta do edifício da B3, no centro de São Paulo, quando todos que estavam na rua correram para ver o telão no saguão. “Parecia um jogo de futebol”, lembra.
No mesmo barco. Quando o gatilho do circuit breaker entra em ação, todas as negociações param. É como um disjuntor que, diante de uma sobrecarga ou curto-circuito, interrompe a circulação da energia, protegendo a rede elétrica.
“O sistema simplesmente trava. O investidor tenta colocar uma ordem e não consegue”, diz o analista Márcio Lórega, da Ativa Investimentos.
Iniciada a parada, operadores e gestores tratam de entender o que está acontecendo, para depois fazer as correções na estratégia. Nessa hora, vale também trocar ideias com analistas e operadores de outras casas de investimentos. Um ajuda o outro, como em uma comunidade. “Acionamos outros agentes de mercado. É uma troca generalizada para entender a situação”, afirma Rodrigo Moliterno, chefe de renda variável da Veedha Investimentos.
Com o cliente, muita calma. Ao mesmo tempo em que tentam trocar figurinhas com colegas de mercado, analistas e operadores de mercado são bombardeados por ligações de clientes. A ordem é explicar o que está acontecendo e qual será o possível impacto na carteira de cada um.
Como era de se esperar, muitos deles, assustados, só pensam em se livrar logo das ações. “Nesses casos, eu sempre digo: não venda!”, diz Simone, da Reag. “Se você não precisa do dinheiro imediatamente, não tem motivo gerar uma perda no patrimônio. Não faz sentido colocar suas posições à venda no estresse e perder dinheiro.”
Depois de 30 minutos, a Bolsa entra em dinâmica de leilão de abertura. Cinco minutos mais tarde, as negociações são retomadas. “Os 30 minutos do circuit breaker passam bastante rápido. Quando você vê, já foi”, afirma Moliterno. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.