DINHEIRO – Com os recentes escândalos de altos bônus, como fica a atuação de consultorias como Hay Group, sendo que foram empresas como ela que ajudaram a definir as políticas de incentivos das empresas com problemas?
BECKER
– Nossa missão é sempre ajudar as companhias a atingir suas estratégias de negócio. Hoje, essas estratégias mudaram, e nosso papel agora é ajudá-las a enfrentar o ambiente econômico atual. Nós recomendamos que nossos clientes não tenham uma reação apressada. O importante é reavaliar a situação,repensando nesse contexto a política de bônus. No caso das empresas financeiras, não acredito que os problemas enfrentados por elas hoje tenham sido causados pela política de recompensa, mas sim pelo risco alto inerente à política escolhida. Mas nossa missão é fazer com que os projetos estejam alinhados com suas novas metas estratégicas.

DINHEIRO – Como explicar que, apesar do trabalho das consultorias de gestão, a situação chegou ao ponto em que está?
BECKER – Nas empresas financeiras, a forma de pagamento de bônus é muito diferente daquela adotada, por exemplo, pelas indústrias mais admiradas da (revista) Fortune. Mais de 80% dos bônus pagos por bancos, seguradoras e afins estavam ligados a resultados de curto prazo. Entre as empresas da Fortune, essa proporção talvez não chegue a 30%, sendo que, nessas mesmas companhias, 60% das recompensas estão ligadas à performance de longo prazo e baseadas em objetivos específicos. Isso é diferente nas empresas financeiras, que pagam salários baixos e bônus muito grandes, alguns na forma de ações. Embora vejam isso como uma compensação de longo prazo, o fato é que elas têm base em resultados imediatos. Portanto, o problema não está relacionado aos bônus, mas sim ao risco do negócio financeiro, que é muito alto e acabou sendo transferido para os bônus.O erro talvez tenha sido adotar essas políticas pensando mais no risco imediato do que numa eventual crise no mercado, como a que acabou ocorrendo. No futuro, as empresas terão que mudar o mix de seus pagamentos e se concentrar mais na recompensa por resultados de longo prazo.

DINHEIRO – E, agora, qual será o papel de consultorias de gestão na orientação das empresas que dão bônus?
BECKER
– Temos que apoiar as empresas para que não entrem em pânico por conta da situação do mercado e acabem por tomar decisões ruins. Mas vemos, também, esse momento como uma oportunidade para sugerir que reavaliem suas próprias políticas de remuneração. Muitas empresas nos EUA – e acredito que em todo o mundo – serão forçadas a mudar sua estratégia de negócios por conta da crise. Quando isso acontece, é necessário também reavaliar a política de remuneração. Afinal, se o ambiente econômico e de mercado muda, isso também tem que mudar. Num ambiente como o atual, várias organizações caminham para um programa mais direcionado para o crescimento do faturamento.

DINHEIRO – E as próprias empresas, o que devem fazer para solucionar seus problemas relacionados à política de remuneração?
BECKER
– Acredito que as empresas tenham que ser mais explícitas em relação à descrição de suas regras de bônus. Mas o importante é que as companhias equilibrem melhor seus objetivos de curto e de longo prazos e adotem um plano de recompensa compatível. É também preciso que elas tenham um pacote de incentivos de curto prazo ligados a objetivos de longo prazo.

DINHEIRO – E como fazer isso?
BECKER
– O ideal é ter um portfólio de recompensas que seja composto de várias ferramentas de remuneração que apoiem uma política balanceada de bônus. Há três mecanismos que permitem esse balanceamento: a distribuição de opções de ações, o pagamento na forma de ações restritas e a entrega de ações de performance. Cada uma dessas ferramentas tem objetivos diferentes, sendo umas de prazo mais longo que outras. O importante é balancear a recompensa de forma eficiente. Ter pelo menos dois desses mecanismos no portfólio de recompensas é sinal de equilíbrio na política da companhia.

DINHEIRO – Mesmo sabendo das dificuldades do mercado, por que as empresas mantiveram os bônus em patamares tão altos?
BECKER –
Um assunto quente hoje nos EUA é a divulgação dos bônus pagos aos executivos, e o momento em que esses dados são disponibilizados. As informações que estão sendo divulgados hoje se relacionam aos bônus pagos em todo o ano de 2008. Mas, da forma como são pagos os benefícios, incluem aqueles referentes a 2007, quando o mercado ainda estava bem. Embora os bônus na realidade estejam caindo, os números vêm altos, causam confusão e não condizem com os que a opinião pública acredita serem justos. Os números que realmente mostram o declínio nos ganhos dos executivos virão no final deste ano. Por isso, acho que seria importante que as empresas tomassem a iniciativa e dessem informações adicionais sobre a remuneração de seus executivos, assegurando que seus ganhos estão adequados à realidade. A reação certamente será negativa, mas o principal é lembrar que o cálculo dos bônus foi feito antes de o mercado entrar em crise.

DINHEIRO – Considerando que a crise teve início em 2007, já não era possível prever os problemas e ajustar melhor os bônus?
BECKER
– As decisões de remuneração foram tomadas em dezembro de 2007. Naquele momento, as condições de mercado estavam piorando, mas ainda não eram tão ruins. Até se previa um certo crescimento nos salários em 2008. Para os bônus, apenas se previa uma redução nos pagamentos em dinheiro. Mas a maioria das empresas não dá incentivo de longo prazo por performance, apenas incentivos anuais, na melhor das hipóteses. Como muitas delas distribuíram os bônus no começo de 2008, não havia ainda motivo para mudar para um modelo de longo prazo. E, mesmo estando baixos, como foram pagos num momento melhor que o atual, hoje os bônus parecem descolados da realidade.

DINHEIRO – Após esses problemas todos, como o mercado encara a intenção do governo dos EUA em regular melhor a distribuição de bônus?
BECKER
– Uma das exigências impostas às empresas beneficiadas pelo pacote de estímulo do governo dos EUA é que adotem o sistema de “say on pay” (“opinião sobre o pagamento”, em tradução livre). Ele consiste em dar aos acionistas direito de opinar sobre a política de remuneração dos executivos da companhia, embora a administração não seja obrigada a seguir essa opinião. Isso já existe no Reino Unido e em outros países da Europa, e o presidente (Barack) Obama, quando senador, era declaradamente a favor disso. Ele acredita que todas as empresas, não apenas as financeiras, devem ser mais transparentes e adotar o sistema “say on pay”. Acredito que isso deva se tornar uma realidade nos EUA

DINHEIRO – Quais as vantagens desse sistema?
BECKER –
Esse sistema cria um diálogo entre a empresa e os acionistas. Como a opinião deles não gera obrigação para a diretoria, mantém livre a administração para decidir pelo que acredita ser melhor. Mas certamente não seguir a opinião dos acionistas pode gerar um problema grande de opinião pública. Assim, as empresas terão que passar mais tempo conversando com seus acionistas. Não acredito que essas regras acabem se tornando leis. Acho mais provável que comecem a ser adotadas no conceito de melhores práticas de gestão. Hoje, por exemplo, bônus com clawback (que podem ser retomados em parte pela empresa em caso de mudança de cenário econômico) só são exigidos para instituições financeiras. Mas o mercado está vendo isso como um típico caso de melhores práticas e implementando isso por conta própria. Não acredito, porém, que isso seja transformado em lei. O mesmo acontece com as verbas recisórias.

DINHEIRO – As empresas não demoraram demais para adotar essas melhores práticas que, hoje, poderiam ter atenuado os efeitos da crise?
BECKER –
Acredito que as companhias já estavam melhorando sua postura, e vimos muitas mudanças nas políticas de recompensa nos últimos anos. Por vários motivos, como os escândalos da Enron e da Tyco. A partir daí se criou a lei Sarbanes Oxley (SOX), que melhorou os comitês de remuneração e mudou algumas regras contábeis. A SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) passou a exigir mais transparência. Nos últimos anos estávamos caminhando na direção certa. O que acontece é que a crise acabou acelerando esse processo todo. E, quando ela chegou, nem todo mundo estava preparado. Agora todas as companhias, não apenas as grandes, terão que se adaptar a essas regras que estavam sendo implantadas. Uma coisa que vemos é que até mesmo grandes empresas privadas, que não estão listadas em bolsa, começam a seguir os passos das abertas, adotando suas práticas de governança e políticas de remuneração, embora não sejam obrigadas a isso.

DINHEIRO – Existe, em sua opinião, um incentivo de curto prazo que poderia garantir um equilíbrio melhor no portfólio de remuneração de uma empresa?
BECKER
– O maior problema é não ter um equilíbrio. Não há um componente específico que garanta o balanço, mas é importante que as ferramentas de curto prazo estejam em equilíbrio com as outras.