Em um pequeno galpão no bairro de Santa Cecília, no centro de São Paulo, dois irmãos dividem o espaço com papéis reciclados, metais contorcidos, retalhos de pano e alguns móveis de contornos surreais. O local, de ambiente espartano, sem luxo ou ostentação, é chamado de laboratório por Humberto, de 51 anos, e Fernando, 42. Ali, a dupla construiu uma espécie de fábrica de sonhos desenvolvendo peças de design que começam a ser adotadas por indústrias de móveis no mundo inteiro. Agora, contudo, o laboratório dos irmãos Campana, os designers brasileiros de maior sucesso no exterior, passou a criar para outros segmentos da economia, num passo inovador. O nome deles já pode ser visto em projetos na indústria de calçados, no mundo da joalheria, em confecção e até na construção civil. Passaram do status de artistas, restritos a nichos, para virarem grife. Os Campana são, hoje, um rótulo que movimenta milhões de reais por ano.

Trilham, guardadas as devidas proporções, caminho semelhante ao percorrido pelo consagrado francês Philippe Starck, que assina de escova de dentes a projetos de hotéis. ?Hoje o design é visto como um bem para a indústria?, diz Sérgio Casa Nova, coordenador do curso de design das Belas Artes de São Paulo. ?Agrega valor e cultura aos produtos.? Foi pensando nisso que a Grendene convocou os irmãos Campana para desenhar a nova linha do calçado de plástico Melissa. ?Eles são conhecidos no exterior e isso facilita as exportações?, diz Paulo Pedó Filho, gerente de marketing da marca Melissa. A coleção, lançada no São Paulo Fashion Week, chegou ao mercado em agosto e deverá estar nas prateleiras européias e americanas em 2005. ?Já temos várias encomendas de lojas estrangeiras?, diz Pedó. Cada par de Melissa custa cerca de R$ 120 na loja (o preço de fábrica cai à metade). A questão: qual é a parte que cabe aos Campana? ?Recebemos royalties de 3% sobre cada unidade vendida a preço de fábrica?, diz Humberto Campana.

O mesmo acontece em outros projetos em que os designers estão envolvidos. A joalheria H.Stern, por exemplo, desenvolveu uma coleção de 65 peças que vão de anéis a colares inspirados no universo Campana. As jóias, com ar de exotismo, chegaram às lojas com valores de R$ 715 a R$ 550 mil. Os produtos assinados pelos irmãos são cobiçados em qualquer parte do mundo e as empresas ligadas à dupla são, quase sempre, ícones do glamour. Há utensílios fabricados pela italiana Alessi, uma espécie de Ferrari da cozinha e roupas da grife Campanas: para Vestir, da empresária paulista Sonia Diniz, dona da reputada loja de móveis Firma Casa. Mede-se a força da marca pelo preço de uma singela camiseta. Cada unidade custa R$ 190. ?Em
2005 iniciaremos as exportações?, diz Sonia.

Ligar um produto ao nome dos Campana é garantia de, no mínimo, exposição. É o que pretende a Stan Empreendimentos e Participações. A construtora fechou uma parceria com a dupla para lançar o primeiro prédio cujo conceito foi batizado de Arte e Arquitetura. Localizado no Itaim, em São Paulo, o edifício de 23 andares terá um átrio de 70 metros de altura onde os Campana erguerão uma escultura de metal. O investimento total na construção do prédio é de R$ 30 milhões, mas os valores do contrato com a dupla são guardados sob sete chaves. Além de receber dinheiro pelos projetos, os Campana também ganham prestígio. ?Ministramos cerca de 50 palestras por ano?, diz Fernando. Sem contar os convites para dar aulas em museus na França e em universidades na Suíça.

A carreira no mundo das artes surgiu primeiro com Humberto, em 1979. ?Me formei em direito pela USP e larguei tudo?, diz ele. Foi morar em Itabuna, na Bahia, e começou a fazer molduras de conchas para quadros e espelhos. Dois anos depois voltou para São Paulo e, somente em 1981, uniu-se ao irmão Fernando. O grande salto, contudo, foi dado apenas em 1998, quando esses paulistas, da cidade de Brotas, receberam convite para expor no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, e fecharam contrato com a Edra, fabricante italiana de móveis. A partir daí foram sucessivos prêmios e exposições internacionais. Recentemente, os móveis dos Campana foram mostrados no Design Museum, de Londres, arrebatando uma legião de fãs. Os principais produtos dos designers são encontrados na Moss, de Nova York, na galeria Kreo, de Paris, e na Firma Casa, em São Paulo. Um dos destaques é o sofá Boa, com formas entrelaçadas e revestimento de veludo. O exemplar recebeu aplausos quando foi apresentado no Salão de Milão em 2002. Aos interessados vai um aviso: cada unidade sai pela bagatela de R$ 118 mil.