14/11/2014 - 15:00
Em 1975, às voltas com o impacto do primeiro choque do petróleo, o ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing decidiu reunir os líderes dos seis países mais industrializados para discutir problemas e buscar soluções diretamente, sem a liturgia diplomática e sem a habitual falange de assessores, na primeira reunião do que, a partir do ano seguinte, seria conhecido como G-7. Após a crise global de 2008, esse fórum de poderosos perdeu relevância para o G-20, grupo formado por outros países como China, Índia, Brasil, Rússia, Arábia Saudita, México e Austrália.
A agenda da nona reunião dessa turma, agendada para os dias 15 e 16 de novembro em Brisbane, na Austrália, tem um item indigesto. É praxe que o anfitrião divulgue um comunicado oficial dando a tônica do encontro. Tony Abbott, primeiro-ministro australiano, escolheu bem e colocou em pauta o impacto negativo da corrupção. “A corrupção é uma ameaça significativa ao crescimento global e à estabilidade financeira. Ela destrói a confiança pública, enfraquece a aplicação da lei, distorce a competição e impede investimentos e comércio internacionais”, diz o comunicado.
Em uma linguagem anormalmente direta para os padrões diplomáticos, a segunda frase do texto vai direto ao ponto. “A corrupção é um obstáculo severo ao crescimento econômico e um desafio muito significativo para países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento.” Antes do início das conversas, a expectativa era de que, ao fim do encontro, os países-membros se houvessem comprometido a implementar os acordos da ONU sobre o tema. Especificamente, tornar crime qualquer suborno praticado por estrangeiros e compartilhar informações que facilitem a investigação, o julgamento e a condenação dos envolvidos.
Falar, nesse caso, é muito mais fácil do que fazer. Nas transações internacionais, mesmo que comprador e vendedor sejam empresas privadas, nenhum grande negócio é fechado sem uma mãozinha dos governos. Tomemos, por exemplo, a compra dos 36 caças militares Gripen pela Força Aérea Brasileira, uma transação estimada em US$ 13 bilhões. A vencedora da disputa foi a sueca Saab, que bateu a americana Boeing e a francesa Rafale. Os franceses, que ofereciam o produto mais caro, contaram com uma ajuda preciosa do então presidente Nicolas Sarkozy, que teve várias conversas ao pé do ouvido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Graças ao escrutínio público e à lisura da Força Aérea, venceu a opção pelo caça sueco, bem mais barato que os produtos da concorrência. O mesmo não se pode dizer da Petrobras, cujos desvios já somam R$ 3 bilhões, segundo Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União. Transações como a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, e a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, foram citadas textualmente por Nardes, na semana passada, como tendo facilitado desvios na empresa.
Também foram escandalosos os casos de corrupção envolvendo a Siemens, a Alstom e a compra de trens pelo governo de São Paulo, sob a gestão do PSDB. Esse cenário torna necessária uma atuação forte dos governos. O encontro entre empresa grande de país rico com governante não fiscalizado de país pobre que precisa atrair investimentos e gerar empregos é muito suscetível a propostas tortas. Sem controles fortes e eficazes, sem o temor de serem punidos em seus países de origem por malfeitorias cometidas longe de casa, os executivos – cujos bônus dependem da assinatura dos contratos – dificilmente vão resistir à tentação de facilitar as coisas.