21/08/2025 - 8:07
Conteúdo obtido pela Polícia Federal traz detalhes de ações de Eduardo Bolsonaro nos EUA, revela conflitos dele com o pai e indica engajamento de Silas Malafaia em pressão sobre Supremo.Diversas mensagens privadas de Jair Bolsonaro com seu filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e com aliados como o pastor Silas Malafaia, extraídas pelas Polícia Federal (PF) do celular apreendido do ex-presidente, foram divulgadas na quarta-feira (20/08).
Essas conversas embasaram a decisão da PF de indiciar Bolsonaro e Eduardo na quarta-feira pelo crime de coação a autoridades, com o suposto objetivo de atrapalhar a ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
A apreensão do celular de Bolsonaro ocorreu no âmbito de um inquérito aberto em maio para investigar a atuação de Eduardo nos EUA para mobilizar a Casa Branca a pressionar o Brasil a suspender o julgamento do ex-presidente – que envolveu, entre outras medidas, a imposição do tarifaço de 50% aos produtos brasileiros.
O conteúdo das conversas joga luz sobre as ações de Eduardo nos EUA, divergências com seu pai sobre estratégias políticas e de comunicação e o engajamento de Malafaia na tentativa de pressionar os ministros da corte.
A PF também localizou, no celular de Bolsonaro, um arquivo editável e sem assinatura no qual constava um pedido de asilo político em nome do ex-presidente endereçado ao presidente argentino Javier Milei. Para a PF, o documento endossaria a tese de que Bolsonaro planejava fugir do país.
Em nota, Eduardo afirmou que “jamais teve como objetivo interferir em qualquer processo em curso no Brasil”. “Sempre deixei claro que meu pleito é pelo restabelecimento das liberdades individuais no país, por meio da via legislativa, com foco no projeto de anistia que tramita no Congresso Nacional”. Ele afirmou também ser “lamentável e vergonhoso” a PF “tratar como crime o vazamento de conversas privadas, absolutamente normais”, entre ele e seu pai.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, que relata os inquéritos relacionados à tentativa de golpe, deu 48 horas para Bolsonaro prestar esclarecimento acerca “dos reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas; da reiteração das condutas ilícitas; e da existência de comprovado risco de fuga”.
Moraes também proibiu Malafaia de deixar o país e de encontrar em contato com Eduardo e Bolsonaro. O pastor foi interrogado pela PF ao desembarcar de um voo proveniente de Lisboa e, em seguida, disse a jornalistas: “Não vão me calar. Sou um líder religioso.”
Anistia light
Uma das mensagens sobre a atuação de Eduardo nos EUA foi enviada por ele ao pai em 7 de julho, na qual ele cita a tese de uma “anistia light”, que segundo a PF seria o objetivo de dar uma anistia apenas a Bolsonaro, em vez de para todos os condenados por atos golpistas.
Na mensagem, Eduardo afirma:
“Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar. (…) Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia OU enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto. (…) Neste cenário você não teria mais amparo dos EUA, o que conseguimos a duras penas aqui, bem como estaria igualmente condenado final de agosto.”
Agradecimento a Trump
Em 10 de julho, um dia após o presidente americano Donald Trump anunciar o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros e divulgar uma carta pressionando pela suspensão do processo contra Bolsonaro, Eduardo enviou mensagem ao pai falando da importância de publicar um agradecimento ao presidente americano:
“O cara mais poderoso do mundo está a seu favor. Fizemos nossa parte. Se o maior beneficiado não consegue fazer um tweet vaselina, aí realmente ferrou. Vc tem sido o meu maior empecilho para poder te ajudar.”
“Opinião pública vai entender e você tem tempo para reverter se for o caso. Você não vai ter tempo de reverter se o cara daqui virar as costas para você [referência a Trump, segundo a PF]. Aqui é tudo muito melindroso, qualquer coisinha afeta. Na situação de hoje, você nem precisa se preocupar com cadeia, você não será preso. Mas tenho receio que por aqui as coisas mudem.”
Xingamento de Eduardo ao pai
Uma semana depois, no dia 17 de julho, Eduardo enviou mensagem ácida a Bolsonaro a respeito de uma entrevista que o ex-presidente deu ao site Poder360, publicada em 15 de julho.
Na entrevista, Bolsonaro afirmou ter intervindo para resolver um conflito entre Eduardo e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um dos candidatos do campo da direita que disputa a base de eleitores do ex-presidente.
Eduardo havia criticado Tarcísio por sua iniciativa de reunir empresários para discutir uma reação negociada ao tarifaço de Trump, e disse que o governador demonstrava “subserviência servil às elites” em vez de defender o “fim do regime de exceção que irá destruir a economia brasileira e nossas liberdades”.
Na entrevista ao Poder360, Bolsonaro afirmou que havia agido para resolver o conflito entre Eduardo e Tarcísio e disse que seu filho não era tão “maduro”. Eduardo então enviou a seguinte mensagem ao pai:
“Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende”.
“VTNC seu ingrato do caralho!’ “Se o imaturo do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, porque vc me joga pra baixo, quem vai se fuder é vc E vai decretar o resto da minha vida nesta porra aqui!”
No dia seguinte, Eduardo enviou uma mensagem ao pai baixando o tom:
“Peguei pesado… Estava puto na hora.”
Atividade de Malafaia
As mensagens encontradas no celular de Bolsonaro também indicam uma participação ativa do pastor Malafaia na estratégia do ex-presidente a respeito o STF.
Em 10 de julho, Malafaia escreveu para Bolsonaro:
“Presidente! Você voltou para o jogo. Podem usar bravatas aqui, vão ter que sentar na mesa para negociar. Você é o cerne da questão. Quem é o Brasil para peitar os EUA? Mico contra um gorila. O vídeo que vou postar daqui a pouco eu vou ao cerne da questão. A próxima retaliação vai ser contra ministros do STF e suas famílias. Vão dobrar a aposta apoiando o ditador? Duvido!”
Três dias depois, uma nova mensagem do pastor trazia orientações para o ex-presidente:
“Tem que pressionar o STF dizendo que se houver uma anistia ampla e total, a tarifa vai ser suspensa. Ainda pode usar o seguinte argumento: não queremos ver sanções contra ministros do STF e suas famílias! Eles se cagão (sic) disso! A questão da tarifa é justiça e liberdade, não econômica. Traz o discurso para isso!”
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, que se manifestou favoravelmente às medidas contra o pastor, afirmou que Malafaia “aparece como orientador e auxiliar das ações de coação e obstrução promovidas pelos investigados Eduardo Nantes Bolsonaro e Jair Messias Bolsonaro”.
Para Alexandre de Moraes, as conversas mostram “fortes indícios” de que o pastor participa na “empreitada criminosa, de maneira dolosa e com unidade de desígnios com Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro”.
Malafaia critica Eduardo
O conteúdo das mensagens também revela desaprovação de Malafaia sobre Eduardo, que no entanto elogia outro filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PR-RJ).
Em 11 de julho, ao comentar a forma como Eduardo havia divulgado o tarifaço contra o Brasil, Malafaia afirma a Bolsonaro que Eduardo era um “estúpido de marca maior”. Ele escreveu:
“Desculpa presidente! Esse seu filho Eduardo é um babaca, inexperiente que está dando a Lula e a esquerda o discurso nacionalista, e ao mesmo tempo te ferrando. Um estúpido de marca maior. Estou indignado! Só não faço um vídeo e arrebento com ele porque por consideração a você. Não sei se vou ter paciência de ficar calado se esse idiota falar mas alguma asneira.”
Em outra mensagem, de áudio, também de 11 de julho, Malafaia elogia Flávio por sua articulação:
“Agora, presidente, a boa. Dá parabéns ao Flávio, pôl Falou certo, cacete. Na CNN… na Globo News. ‘Eu não sou a favor da taxação, não. Mas tem que sentar pra conversar sobre anistia. Pô, tudo a carta do Trump é pra você.”
Asilo político na Argentina
Ao analisar o celular de Bolsonaro, a PF também localizou um arquivo de texto editável, sem data e sem assinatura, no qual havia uma petição endereçada ao presidente argentino, Javier Milei, na qual Bolsonaro pede asilo político.
O documento, escrito em nome de Bolsonaro, afirma que o ex-presidente é “perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos”.
A última modificação do documento havia sido feita em 10 de fevereiro de 2024, dois dias após Bolsonaro ter tido seu passaporte apreendido e dois dias antes de ele ter passado duas noites na embaixada da Hungria em Brasília.
Segundo a PF, “embora se trate de um único documento em formato editável, sem data e assinatura, seu teor revela que o réu planejou atos para fugir do país, com o objetivo de impedir a aplicação da lei penal”.
bl/cn (ots)