18/11/2022 - 17:18
Eu venho avisando nesta coluna, e em outros meios, há mais de um ano, que temos um enorme risco fiscal e que não tem recebido a devida atenção por parte do governo atual, por parte dos dois candidatos que foram finalistas na corrida presidencial, e agora, ainda mais relevante e preocupante, pelo governo eleito!
Nas falas recentes de Lula e seus articuladores, no que chamamos eufemisticamente de PEC da Transição, ficou claro que o governo eleito e o Centrão, abandonarão completamente o Teto de Gastos. O pior é que atuam como cúmplices, para que de saída o novo presidente e o novo parlamento lancem mão de uma verdadeira “PEC Kamikaze” disfarçada de PEC de cunho social para manter o “Bolsa seja lá o que for agora”, no valor de R$ 600, e uma série de outras promessas que não cabiam no orçamento apresentado na LDO de 2023, e que continuam sem caber em qualquer orçamento sustentável e prudente.
Porém, para essa PEC, que já atinge R$ 175 bi ou 1,7% do PIB, ser aprovada no Congresso, os presidentes da Câmara e do Senado articulam a manutenção do vergonhoso “Orçamento Secreto” em 2023, e para que mais de R$ 7 bilhões sejam empenhados antes do final de 2022.
Pasmem, eu sei que estamos todos culpando o Lula pela volatilidade recente nos mercados e no câmbio, e temos toda razão em fazer isso, mas a triste realidade brasileira é que se Bolsonaro tivesse sido reeleito, estaríamos no mesmo lugar uma vez que as promessas do presidente de partida eram praticamente idênticas às de Lula. Isso mostra uma fragilidade institucional gravíssima, porque somos capazes de fazer um orçamento que figura como lei, e que os próprios autores sabem, de antemão, que não pode ser cumprido sem que haja um furo no Teto de Gastos via uma MP ou uma PEC. Isso, configura, ou deveria configurar, crime de responsabilidade porque não é possível um governo aprovar um orçamento sabendo que não pode ser executado, e logo na sequência tem que mudá-lo e adicionar quase R$ 200 bi a maior para honrar promessas de campanha.
Nesta coluna eu apontei diversas vezes que esse era um risco real e que seu custo aos cofres públicos poderia chegar entre R$ 200 a R$ 450 bi, se parte ou tudo que foi prometido fosse cumprido. Pois bem, estamos exatamente nesse ponto, antes mesmo da posse do Lula, e somente na semana passada o mercado acordou para o fato de estarmos navegando em mares revoltos e sem bússola, e que as estrelas podem estar nos levando em direção a uma colisão frontal com icebergs.
Entendam: o problema tem duas variáveis-chave. Primeiro, o gasto extra em si, que vem sendo apresentado como um “waiver” temporário de R$ 175 bi, mas que vem acompanhado de mudanças no cálculo do Teto, e nisso seriam excluídos os gastos do Bolsa Família e investimentos (até um certo limite), o que é análogo a uma licença para gastar, o que vai impactar diretamente na inflação, no câmbio a na trajetória da dívida pública, e que pode fazê-la passar dos 90% do PIB até o final do mandato de Lula em 2026. O que foi apresentado como temporário, o gasto a maior no Bolsa Família, não é temporário porque não tem efeito somente no ano de 2023 e se perpetua ad eternum. Segundo, a indefinição sobre o ministro da Fazenda, pois esse, sendo o suposto “dono da chave do cofre”, pode acelerar ou frear a gastança do governo através de uma série de dispositivos como contingenciamentos.
Lula, em sua hesitação em contrariar lideranças e amigos petistas e aparentar se curvar a Faria Lima, até agora não anunciou seu ministro da Fazenda e a composição do time técnico de secretários que o assessorarão, e isso é análogo a jogar gasolina em um incêndio, pois nomes totalmente rejeitados pelo mercado, como o de Fernando Haddad, vêm sendo cogitados como potencial escolha de Lula. Essa situação de incerteza, PEC da Transição e indefinição sobre a área econômica nos remete a desastrosa “Nova Matriz Econômica” de Dilma, que levou o Brasil a pior, mais longa e mais profunda recessão da história do país.
Infelizmente, sou obrigado a retornar a um tema que entendo ser o “gorila na sala”, as renúncias fiscais de R$ 440 bi, que são gastos que não se configuram como tal porque não passam por empenhos do Tesouro Nacional. Com isso, não são contabilizados como despesas, e que estão e sempre estiveram fora do Teto de Gastos. Apenas uma revisão dessas renúncias seria possível manter o Teto de Gastos como está, incorrer nos gastos sociais necessários como o Bolsa Família de R$ 600 e mais, e ainda gerar receitas para o governo central, mas ninguém até agora que faz parte do time formulador da PEC da Transição tocou no assunto.
Como más notícias nunca têm limites, faltou ainda entender como ficam gastos incluindo o serviço da dívida pública, que por definição não fazem parte do superavit primário, mas que são gastos de fato! Somente em 2022, com uma taxa Selic média de 11% ao longo dos 12 meses, o pagamento de juros vai bater entre R$ 560 e R$ 580 bi, o que representa mais de 5% do PIB, e em 2023, com uma Selic média de 12.5% (estimo) chegaremos nos R$ 620 bi e poderemos passar do patamar histórico e atingir mais de U$ 120 bi em juros. Portanto, são as entranhas dos gastos que realmente assustam muito, porque sob nenhuma hipótese eles são sustentáveis com o PIB atual e com as projeções futuras.
Outro ponto que me chama atenção, é o aumento real do salário mínimo, que é um acinte na atual circunstância porque todo o funcionalismo público (inclusive o alto escalão) será beneficiado , juntamente aos aposentados, e claramente não se trata de uma ação social destinada aos mais pobres. Mas a boiada não para por ai, pois também é parte dos planos de Lula conceder aumento ao funcionalismo público, que seria beneficiado duas vezes, uma pelo aumento, e uma segunda através do aumento real do salário mínimo, e isso faz parte da velha estratégia do PT de agraciar o funcionalismo em troca de suporte político.
Obviamente, as falas demagógicas de Lula a congressistas, seguidas de choro e da conversa do combate à fome, que é uma espécie de permissão para fazer o que ele quiser a qualquer custo, além das afirmações incendiárias sobre empresas públicas e da “sabedoria” do governo, acima do mercado, na alocação de bens e serviços, somente veem para piorar o que o mercado e pessoas atentas às questões econômicas entenderam como a avant-première do governo Lula III, e de forma inequívoca, não agradou.
É fácil concluir que antes mesmo de começar seu mandato, Lula enfiou os dois pés esquerdos na jaca!
VanDyck Silveira, economista e sócio cofundador da EducPay